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Fernanda Santana
Publicado em 26 de junho de 2021 às 05:15
- Atualizado há 2 anos
Laura* abandonou a advocacia aos 28 anos, com seis de formada e experiência em dois escritórios. Como ela, quatro amigas deixaram o setor. Uma delas virou blogueira. Outra saiu do país. Duas são concursadas públicas. Todas passaram “a detestar advogar”. "A gente se sentava para conversar e a pauta sempre era o escritório. Não era algo pontual alguém dizer que ia largar a advocacia. Eu nunca trabalhei num escritório que tivesse um lado mais humano", conta ela, que mudou de profissão. Ela narrou ao CORREIO como a rotina de trabalho de até 12 horas, a falta de perspectiva e a desilusão com o mercado a levaram a deixar a profissão."A forma como tratam os advogados é bem cruel"Tinha dias que eu ia trabalhar com vontade de chorar. Percebia que alguma coisa não estava legal, e eu fazia de forma muito automática. Alguma coisa não batia. A gente brincava que a única luz do prédio acesa era nossa, de noite. Mas, se você dissesse que não queria, outra pessoa ia entrar no seu lugar. >
Largar a advocacia era uma coisa bem geral. Eu fiz outro curso, uma amiga virou blogueira, um colega foi morar fora, cada um foi buscando outras coisas. Todas passaram a detestar advogar. A gente se sentava para conversar e a pauta sempre era o escritório. Não era algo pontual alguém dizer que ia largar a advocacia. Não tinha esse cuidado de "vem cá, o que vocês estão precisando?". Eu nunca trabalhei num escritório que tivesse um lado mais humano.>
No início, eu tinha bem essa visão folclorizada de que advogado ganha bem. Ok, ganha bem, se tiver seus contatos, talvez. Minhas amigas da faculdade, cinco, todas fizeram concurso, são concursadas, e só uma está na advocacia, mas também porque ela gosta mesmo e o padrasto era advogado. Mas todas viraram concursadas. Eu fiquei nesse último escritório uns seis meses, mas comecei a me sentir desestimulada, tinham muitas amigas estudando para concurso, e sai. Parei e fui estudar para concurso, tive algumas aprovações, mas não entrava, e voltei a advogar, em 2016. Quando eu entrei, eu ganhava por produtividade. Era uma coisa insana, entrava cedo no escritório, e às vezes tinha que sair 22h. Tinha que bater meta nessa época, mas era essa coisa maluca. >
Na nossa profissão, se você quer crescer, não consegue. São muitos advogados que saem para o mercado todos os semestres. Não me sentia rendendo, nem produtiva, o trabalho não tinha relação com serviço de advogado, era uma coisa automática e bem robotizada. Eu não estudei para isso e fiquei bem desestimulada. Nos outros meses, meu rendimento foi caindo porque era produtividade. Era uma cobrança muito forte. Eu terminava o trabalho, às vezes 15h, e avisava que ia embora, a coordenadora dizia que eu não poderia. Ficava me sentindo muito desestimulada e comecei a fazer um curso. Eu ia trabalhar e de noite, fazia o curso. >
Nunca falei disso para minha supervisora, porque ela deixava muito claro para todo mundo que se não conseguisse fazer o trabalho, que dissesse, porque outras pessoas fariam aquele trabalho. Voce não confronta porque sabe que pode ser desligada. >
A forma como tratam os advogados é bem cruel. Eu tinha 22 quando sai da faculdade, eu tinha 26 quando voltei, e sai do escritório 28 anos. Advogado tem que estar sempre bem-vestido. Gente, é uma coisa que não bate. Você tem que manter o decoro, a roupa, mas para isso a gente precisa ser remunerado de acordo. São advogados que moram com os pais e o dinheiro é para comprar roupa para ir para o trabalho.>
Tem essa coisa do sempre estar bem-vestido. É claro, se você está numa audiência, você tem que estar bem-vestido, tem muito disso. Mas, esse glamour não corresponde ao que os advogados, a massa, recebem.>
Quando eu saí, eu me senti aliviada, por não estar naquela pressão, mas também naquele medo: o que fazer? Me dediquei completamente ao curso que eu estava fazendo.>
*Nome modificado a pedido da entrevistada.>