'A gente se sente suja', diz jovem atriz abusada por padrinho

Crime aconteceu em Marechal Rondon, em Salvador; suspeito teria abusado irmãs de 6 e 8 anos

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  • Tailane Muniz

Publicado em 26 de junho de 2019 às 05:30

- Atualizado há um ano

. Crédito: Foto: Marina Silva/CORREIO

Leve e serena, como quem nunca carregou o peso de um elefante sobre as costas. A tranquilidade da atriz de 21 anos, que, com o apoio da mãe, denunciou à polícia os estupros que sofreu do padrinho, junto com a irmã, durante seis anos, tem a ver com o enfrentamento do problema, defende a jovem.

Em entrevista ao CORREIO, nesta terça-feira (25), ela afirmou que o crime, que guardou em segredo por anos, sempre foi um "fardo pesado". Peso que, para ela, apenas o tratamento psicológico foi capaz de tornar menor.

A vítima, que terá a identidade preservada pelo CORREIO, contou que decidiu compartilhar a história que fazia com que se sentisse "suja", depois que iniciou a terapia, em 2018, seis anos após o último abuso, do qual apenas a irmã mais nova, a outra vítima, tinha conhecimento. Até poucos meses atrás, quando também compartilhou com o namorado que, por sua vez, relatou toda a história à sogra, mãs das jovens.

Desde o último dia 20 de junho, a atriz, a irmã e a mãe têm medida protetiva contra o fotógrafo Agnaldo Alexandrino de Souza, 52 anos, padrinho da atriz, a quem a família acusa de ter feito sexo oral nas duas irmãs, de 2006 a 2012, quando as vítimas tinham 6 e 8 anos de idade e tinham as partes íntimas tocadas - e até lambidas - pelo homem.

O CORREIO esteve no Studio Top Model, que já não tinha nome na fachada, mas não encontrou com o fotógrafo. No local, o gerente, sobrinho do suspeito, Diego Souza, afirmou que o tio não havia sido oficialmente informado sobre a queixa. 

Em seguida, um advogado que se identificou como Luciano Pontes entrou em contato com a reportagem. Ele disse que a outra versão é diferente da que a família conta. Luciano, no entanto, disse que não daria detalhes da versão de Agnaldo ao CORREIO por telefone, ou sem que soubesse o conteúdo da entrevista com a vítima.

Por meio da assessoria, a Polícia Civil afirmou que as vítimas registraram a ocorrência contra Agnaldo, que será intimado e ouvido. Ainda segundo a pasta, como não há possibilidade de corpo de delito, já que as vítimas relatam que o crime ocorreu quando ainda eram crianças, o inquérito que apura o caso deve ser construído com base nos depoimentos das jovens e de familiares, além de versão do suspeito.

Veja íntegra de relato"As primeiras vezes, ele tocava na gente por fora da roupa. Depois, foi evoluindo, até chegar o dia em que ele passou a me masturbar. Ou seja, ele fazia sexo oral em mim, que era uma criança de oito anos. Ele já pegou o pênis dele e encostou na minha vagina. Nunca me penetrou, mas roçou em mim. E é estranho porque eu nunca senti dor, nunca chorei enquanto ele fazia, mas sentia uma agonia, uma agonia enorme. E, por ele ser meu padrinho, e dizer que era uma brincadeira, eu naturalizei aquilo".

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Quando completei 12 anos, já fazia teatro, fui fazer uma peça que falava sobre pedofilia. Meu professor de teatro explicou o que era aquilo e, imediatamente, pensei: 'então é isso, ele me estupra'. E aí eu senti muita tristeza, porque ele fazia aquilo comigo. E aí eu ficava observando ele nos lugares, para ver se ele também fazia com outras crianças, mas nunca vi nada com alguém além de mim. Falava assim: 'Isso aqui é uma brincadeira, vamos brincar'. E podia ser em qualquer lugar, a qualquer hora, a oportunidade era sempre aproveitada por ele, bastava que estivéssemos sozinhos".

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"Quando eu já tinha a consciência do que sofria dele, esperei. E quando ele veio fazer novamente, falei: 'o que você faz comigo é errado, é estupro, eu vou contar à minha mãe'. Ele começou a me ameaçar de morte, meus irmãos, minha mãe, minhas primas e a mim. E como ele era da nossa família, praticamente, ele realmente poderia fazer alguma coisa assim, então eu tinha medo, como ainda tenho, dele fazer algo contra a gente. Quando eu fiz 14 anos, decidi contar à minha irmã o que acontecia comigo, ela tinha 10 anos. Ela virou pra mim e disse que ele também fazia com ela"

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"Eu senti muito mais raiva quando soube que ele fazia com minha irmã. Porque ela é muito calada e, até hoje, a gente ainda não entende muito bem em qual momento ele iniciou com ela. Porque ele acompanhou nosso crescimento desde sempre e tinha acesso à família inteira. Até minha prima, que mora em Sítio do Conde [Litoral Norte], me contou há algum tempo que ela também foi vítima, mas até algumas pessoas da família têm dificuldade de acreditar”.

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"Você sabe que é uma coisa suja, você se sente sujo e é muito triste, dá uma angústia. Os anos foram passando, e a gente tendo que agir normalmente, como se nada tivesse acontecido, afinal de contas, era meu padrinho, uma pessoa querida no bairro e por toda família, alguém em quem todos realmente confiavam, até porque não havia motivo para o contrário”.

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"Eu sou uma pessoa perturbada. Meu namorado, inclusive, só contou à minha mãe porque ele achou que eu pudesse me matar. Eu sei que preciso voltar a fazer terapia, e vou tentar voltar, porque eu tenho pesadelos. Essa noite eu sonhei que ele entrava aqui em casa. Eu tenho medo por mim e pela minha família, tanto que nós decidimos instalar câmeras de segurança, pra tentar tranquilizar mais".

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"Agora, depois que minha mãe soube, o meu peso é muito menor. Acho que um dos meus maiores sofrimentos, entre tantos, era o fato de precisar esconder isso da minha mãe e ter que conviver com ele aqui, sendo bem tratado e recebido em casa, como alguém de bem, que merecia a confiança dela".

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"É muito difícil falar. É muito difícil prestar queixa, depoimento, falar disso com qualquer pessoa. Eu contei à minha irmã, meu namorado e, há poucos dias, duas colegas do trabalho. Dói, mas acho que as pessoas precisam tomar essa iniciativa, para que, talvez, outras mulheres sejam salvas desse tipo de abuso. Porque mesmo que não cure, mas ver a pessoa responsabilizada pode amenizar a ferida".