'A gente tem uma estrutura que permite que estejamos em sociedade mesmo em isolamento', diz desenvolvedora de jogos

Ana Antar, última entrevistada do QuantA ao Vivo: a palavra é dela, falou sobre sociabilidade, inclusão, representatividade e caminhos no mundo dos games

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  • Da Redação

Publicado em 22 de março de 2021 às 22:44

- Atualizado há um ano

. Crédito: Foto: Reprodução

Foi-se o tempo em que os vídeo games eram coisas de menino. Primeiro porque esse universo não é mais feito exclusivamente para atrair crianças e, também, porque as mulheres estão inseridas desde o ‘big bang’ da indústria e a cada dia buscam mais espaço. E foi para falar sobre sociabilidade, inclusão, representatividade e caminhos no mundo dos games que a colunista do CORREIO Flavia Azevedo recebeu a desenvolvedora de jogos baiana Ana Antar na última transmissão do QuantA ao Vivo: a palavra é dela, que aconteceu nesta segunda-feira (22). 

Vidrado em jogos digitais, o correspondente especial Leo, filho de Flavia, fez questão de iniciar a entrevista. A curiosidade dele era sobre a rotina de uma desenvolvedora de games. Ana explicou que, atualmente, sua função engloba mais tarefas burocráticas. “Eu lido muito com planilhas, com projetos, com muitas coisas que não são os jogos em si. Porque como estamos em um lugar em que isso não é tão grande, em estúdios menores, as pessoas precisam fazer de tudo”, revelou. 

Segundo ela, a carreira nos jogos digitais não foi planejada. “Eu não sabia nem que era possível desenvolver jogos no Brasil. Com a minha graduação no teatro, eu fiz um espetáculo em que as pessoas jogavam com os atores. E as pessoas continuavam voltando. Aí eu percebi que estava fazendo um jogo e, então, percebi que precisava me especializar”, contou Ana Antar que é diretora teatral formada pela Universidade Federal da Bahia, pós graduada em Game Design pela Universidade do Estado da Bahia, além de co-fundadora da ERA Games Studio, organizadora nacional da Woman Game Jam, desenvolvedora de jogos, gerente de projetos, roteirista, produtora e articuladora cultural. Ela também apresenta o programa Ô de casa!, no YouTube.

Nunca estivemos tão conectados como estamos agora. Esse cenário pandêmico quem nos afastou fisicamente, nos uniu virtualmente. Mas, a possibilidade de socialização ainda é uma questão que gera conflitos quando o assunto é videogame.“Sem dúvida é uma nova sociabilidade. Não sei se tão nova, só que agora a gente tem a necessidade dela. A gente tem uma estrutura que permite que estejamos em sociedade mesmo em isolamento. Inclusive pensando em Leo, que está isolado sem ver ninguém, mas continua se socializando. É uma maneira que a gente não viveu, porque a gente nasceu em outra geração. Mas, quando eu lembro da minha geração, o vídeo game sempre foi uma ação social. Porque os consoles eram muito caros, então sempre era uma pessoa do grupo que tinha e todos iam pra casa dela jogar”, lembrou. Mas, se os jogos não são os vilões: “o que eles trazem de bom?”, questionou a colunista do CORREIO. “A primeira coisa que a gente pode pensar é do ponto de vista educacional”, destacou a desenvolvedora. E acrescentou: “mesmo os não feitos especificamente para isso, como o famoso Minecraft”, avaliou. “Quanto você está imerso em uma história, em uma narrativa, você vai aprender sobre aquela história. Se eu estou jogando Assassin's Creed, eu vou aprender sobre história medieval sem saber que estou aprendendo”, completou. 

Quando o assunto é inclusão, os vídeo games ainda deixam muito a desejar, apontou a desenvolvedora. “A gente vive em um cenário e que pessoas com deficiência são muito excluídas. E elas encontram nos jogos um local em que podem ser inseridas. Mas, ainda estamos longe de ter todos os jogos acessíveis”, falou. Ana Antar explicou que existem títulos que são lançados em formatos inclusivos, como o game baiano Breu que não tem interface visual e tanto quem enxerga, quanto quem é cego tem a mesma experiência. “A grande indústria só funciona com pressão, enquanto não haver barulho suficiente, ela não vai mudar. O que eu vejo, hoje, é que existe o movimento de mudar, mas um movimento ainda muito pequeno”, ponderou. 

Um dos grandes problemas para isso é a falta de representatividade dentro das empresas. “As grandes indústrias, por exemplo, não têm pessoas com deficiência trabalhando”, disse a desenvolvedora. O mesmo vale quanto a gênero e raça.“A primeira coisa que a gente tem que pensar é que os criadores de modo geral tendem a criar um mudo que represente a sua imagem. A indústria de jogos é majoritariamente branca, dita hétero, cis e composta por homens”, explicou Antar. Mas, não pense que as mulheres chegaram agora. “A primeira programadora da história foi uma mulher a primeira designer do mundo foi uma mulher”, revelou. No entanto, o pioneirismo foi sendo engolido pelo machismo. “Aqui no Brasil, 21% da indústria é formada por mulheres. E a maior parte não ocupa cargos de desenvolvimento. E lá fora não é muito diferente. Em alguns cargos, a diferença salarial chega a 60%. Então, como ter uma indústria que produza jogos com representatividade de raça e gênero se não tem gente assim trabalhando na indústria?”, questionou Antar.

O QuantA ao Vivo: a palavra é dela integra a quarta edição do projeto Retada, que homenageia mulheres baianas ou que estão na Bahia, que se destacaram no último ano nas suas áreas de atuação. Além das transmissões, o projeto traz matérias, vídeos e cards publicados ao longo do mês de março com conteúdos sobre as homenageadas.