A gripe espanhola

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  • Nelson Cadena

Publicado em 30 de abril de 2020 às 05:00

- Atualizado há um ano

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Curta foi a passagem da Gripe Espanhola na Bahia, a terrível pandemia do último século que vitimou milhões de pessoas na Europa (no Brasil, distante do foco originado nos campos de batalha da I Guerra Mundial, não foi tão devastadora): deixou um saldo de 386 mortos, a maioria moradores de Salvador e do Recôncavo. O primeiro óbito foi registrado em 2 de setembro de 1918; o último, em 30 de novembro. O pico da doença, segundo os relatórios diários do serviço de saúde da época, ocorreu em 10 de outubro, na data foram sepultadas 53 pessoas.

E já que estamos falando em números, vamos contextualizar. Vejamos a incidência de gripe antes da pandemia: no quinquênio 1913-1917 foram registrados 89 óbitos provocados pela influenza, corresponde a um média anual de 18 casos. Significa que, em três meses, apenas a Espanhola multiplicou em mais de 20 vezes o registro histórico anual de óbitos causados pela gripe. Apesar das estatísticas, não foi a pandemia o nosso maior problema sanitário em 1918: a tuberculose e a malária, juntas, representaram 75% dos falecimentos na Bahia. O governador J. J. Seabra, no seu relatório anual, destacou: “Não pode deixar de consolar-nos o fato de ter sido a Bahia um dos lugares do mundo em que a epidemia da influenza foi mais benigna, menos mortífera e menos extensa”. Elencou as providências tomadas: visitas sistemáticas aos locais coletivos (quarteis, internatos, asilos, escolas, igrejas, mercados, fábricas e veículos públicos); desinfeção dos locais e de roupas, dentre outras providências. O governador destacou ainda que, diferentemente da capital do país, na Bahia não foi necessário paralisar o comércio, bares e restaurantes e nem outros serviços.

Seus assessores, entretanto, trataram a doença, logo que se manifestou entre nós, como uma 'gripezinha', ou nem isso. O Dr. Gonçalo Muniz, Secretário do Interior, descartou a existência da pandemia na Bahia, creditou os “boatos” à imprensa oposicionista. O deputado Arlindo Leoni, por sua vez, declarou ao Diário de Notícias que tudo isso não passava de uma “invenção de oposicionistas sem escrúpulos que fazem de tudo para desmoralizar a Bahia”.

As declarações ocorreram no final de setembro de 1918 quando - segundo o relatório do Serviço de Saúde - já contabilizávamos 10 óbitos. Duas semanas depois, seriam 124. E era grande o número de infectados, embora não declarado. A Tarde, em sua edição de 1º de outubro, informava 300 casos no Regimento do Exército, 35 casos na Escola de Aprendizes e Marinheiros, muitos operários da Fábrica de Calçados Stella, além de carregadores e estivadores do Porto.

No país, a vítima mais ilustre da Espanhola foi o Presidente da República, Rodrigues Alves, que eleito para um segundo mandato não chegou a tomar posse. No Rio, médicos baianos que participavam de um congresso da categoria foram surpreendidos pela pandemia: ficaram na cidade, a pedido do infectologista Carlos Chagas, para auxiliar no tratamento dos doentes. Faziam parte desse grupo luminares da medicina do porte de Clementino Fraga, Pirajá da Silva, Bocannera Junior, Raul Godinho, Cesário de Andrade e Octavio Torres.

Em Belo Horizonte, o médico baiano Ramiro Berbert de Castro, convocado para auxiliar na pandemia também, prestou relevantes serviços. Enquanto isso, a indústria farmacêutica fazia a festa nos jornais anunciando remédios “miraculosos”: Quinina, Emulsão de Scott, Gripina, Contratosse, Euseina, Arseno Bromotônico e até Aspirina.

Nelson Cadena é publicitário e jornalista, escreve às quintas-feiras.