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Jairo Costa Jr.
Publicado em 12 de junho de 2021 às 07:00
- Atualizado há 2 anos
"Onde foi que eu errei?". Aos 74 anos, Regina Duarte fez tal indagação na última terça-feira, ao lamentar a debandada de 100 mil seguidores em suas redes sociais. Talvez ela não lembre muito bem, mas deveria perguntar, antes, "onde eu acertei?". Caso tenha esquecido, vamos lá: Regina, você acertou bastante. Apenas em 1965, foram dois golaços. Primeiro, como a impertinente e atrevida Malu, personagem adorada pelo público que assistia na tela da TV Excelsior a novela A Deusa Vencida, do célebre Ivani Ribeiro. Naquele mesmo 1965, você já brilhava nos palcos do teatro, como parte do cast de Antunes Filho na montagem de A Megera Domada. >
Era o primeiro aniversário da ditadura - recorda? -, aquele regime que há pouco tempo recebia de ti elogios ou absolvições. Nos anos seguintes, você tatuou a memória de gerações, como Inesita, Carolina e Melissa, interpretando, pasme, uma extraterrestre. É realmente necessário relembrar tudo que veio depois? Toda a trajetória ascendente que começa com Patrícia e dispara com Simone, em Selva de Pedra, texto magistral de Janete Clair, audiência absoluta? Esqueceu dos sucessos seguintes e graduais na década de 70, até culminar com Malu Mulher? >
À época, Regina, sua Maria Lúcia era a heroína para milhares de mulheres que, como a personagem, viviam sufocadas pelo machismo. Lembro das lágrimas arrancadas por você no sofá da minha casa. Muitas olhavam a coragem daquela personagem como uma luz em meio a décadas de trevas. Você pode desprezar tamanha importância, mas ela existiu para um punhado de mulheres que te viam não mais como a namoradinha do Brasil, mas como um paradigma possível.>
De lá para cá, sobrevieram outras tantas memoráveis interpretações: Luana Camará (Sétimo Sentido) Porcina (Roque Santeiro), Raquel (Vale Tudo), Maria do Carmo (Rainha da Sucata) e duas Helenas de Manoel Carlos (História de Amor e Por Amor), a segunda, inesquecível. Você acertou, Regina, mas esqueceu tantos acertos de uma atriz excepcional, com domínio pleno da linguagem dramatúrgica. A partir daí, você entrou na espiral de erros. >
Até hoje me pergunto (assim como milhares iguais a mim) o que poderia ter movido uma gigante das telas e dos palcos, reverenciada por três gerações, reconhecidamente talentosa, elogiada por pares já consagrados e catapultada ao olimpo da excelente teledramartugia nacional a interpretar aquele abominável papel na campanha de 2002? "Eu tenho medo" é uma frase que ressoa ainda hoje como aparte de ópera bufa. >
Onde você errou, Regina, foi na hora em que assumiu um papel que não cabe aos artistas de verdade. Por mais que se tenha parcialidade política e preferências, elas devem ser ditas pela pessoa. Jamais interpretadas como se ali estivessem falando Malu, Inesita, Carolina, Melissa, Patrícia, Simone, Maria Lúcia, Luana Camará, Porcina, Raquel, Maria do Carmo e Helenas. Desde então, você só fez errar. E muito. >
Desnecessário relembrar dos últimos capítulos da crônica degradante que você, sozinha, resolveu escrever e interpretar. Triste, Regina, não é se perguntar onde foi que tamanha atriz errou. Triste é esquecer e fazer com que todos esquecessem tantos dos seus acertos. E como uma sátira baseada em outra sátira, ambas de péssimo gosto, ser defenestrada do novo palco por um ator de quinta categoria que jamais, jamais acertou nada na vida.>