A irrazoabilidade da redução da mensalidade das escolas em razão da pandemia

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  • Da Redação

Publicado em 10 de abril de 2020 às 05:00

- Atualizado há um ano

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A Irrazoabilidade da redução da mensalidade das Instituições de Ensino em razão da pandemia do Covid-19 e a Inviabilidade dos Projetos de Lei 22.798 e 22.799/2020. 

No dia 31/03/2020 foram protocolados na Assembleia Legislativa do Estado da Bahia dois Projetos de Lei estabelecendo descontos nas mensalidades das instituições de ensino do Estado em razão da Pandemia do Covid-19 e o estado de calamidade decretado pelo Governador do Estado com a suspensão das aulas em todo o estado.

São eles os PL’s nº 23.798/2020 e 23.799/2020 de autoria dos Doutos deputados estaduais Alan Sanches e Jurailton Santos, respectivamente, tendo a tramitação dos mesmos sido publicada no Diário Oficial da ALBA n 22.873 no dia 02/04/2020 sendo remetidos para análise das Comissões de Constituição e Justiça; Educação, Cultura, Ciência e Tecnologia e Serviço Público; Saúde e Saneamento; Defesa do Consumidor e Relações de Trabalho; e Finanças, Orçamento, Fiscalização e Controle.

Inicialmente cumpre esclarecer que os Projetos ainda estão em tramitação, e, portanto, não estão vigentes, e serão submetidos a análise de todas as Comissões acima mencionadas, para, sendo aprovados ser submetidos a votação. Caso seja aprovado em votação na Assembleia por 2/3, os projetos serão ainda analisados pelo Governador que poderá, no prazo de 10 (dez) dias vetá-los se entender que são inconstitucionais ou contrários ao interesse público (art. 24 da Constituição do Estado da Bahia) como no caso em tela.

Ocorre que, os projetos supra mencionados, podem ser considerados inconstitucionais já que cabe à união e não ao Estado legislar sobre o tema. Ademais, os referidos projetos de lei não se mostram razoáveis por causar um desequilíbrio na relação contratual ao prever uma diminuição na obrigação do contratante sem que haja uma diminuição na obrigação das instituições de ensino contratadas, haja vista que, em pese tenha havido dispensa da exigência do mínimo de 200 (duzentos) dias letivos (aulas presenciais na instituição) por força da MEDIDA PROVISÓRIA Nº 934, DE 1º DE ABRIL DE 2020, não houve diminuição na quantidade de horas aula exigida ou no conteúdo programático para cada ano letivo ou semestre nos casos das instituições de Ensino Superior.

Assim, as instituições de ensino serão obrigadas a repor as aulas e conteúdo não ministrados durante o período de isolamento, bem como, estão disponibilizando aulas e atividades por meios eletrônicos/virtuais, o que tem gerado uma demanda extra aos professores, coordenadores e diretores que estão se reinventando para garantir a qualidade do ensino prestado. Cumpre ressaltar que a fundamentação de ambos projetos de Lei para os descontos propostos se baseia na diminuição da renda da população em geral, bem como, na diminuição do custo das instituições com contas de consumo (água e Luz) e manutenção do espaço físico.

Com a devida vênia, mas, apesar de acreditarmos na melhor intenção dos Ilustres Deputados em defender o interesse da população que os elegeu, os referidos projetos não consideram uma análise aprofundada da questão e podem ter o efeito inverso, causando mais prejuízos do que benefício a população. Ora, não é razoável considerar que toda a população teve uma diminuição de 30% da sua renda, no caso do PL 22.798/2020, de autoria do Deputado Alan Sanches, que propõe um desconto de 30% enquanto durar o isolamento. Também não apresenta nenhuma lógica ou critério o PL 22.799/2020, de autoria do Deputado Jurailton Santos, que prevê descontos progressivos de 10 a 50% a depender do tempo que as instituições permanecerem fechadas por força do decreto.

Os responsáveis financeiros pelos contratos de prestação de serviço educacional serão afetados de forma diferente, já que alguns são servidores públicos, outros empregados, alguns serão demitidos, outros autônomos, empresários e etc., sendo, portanto, impossível mensurar de que forma cada um será afetado, não sendo razoável os descontos propostos, mesmo porque, muitos sequer sofrerão diminuição efetiva na sua renda, e os que sofrerem, devem negociar individualmente junto a instituição uma solução razoável para cada caso.

Os percentuais propostos também não se basearam em nenhum estudo, pesquisa ou dado estatístico para estabelecer os descontos, sendo valores e percentuais aleatórios vagamente baseado numa suposta diminuição da renda os contratantes e no custo da instituição de ensino com contas de consumo. Não é razoável estabelecer um percentual de desconto alegando uma diminuição na despesa da instituição sem sequer apurar o real impacto na diminuição das contas de consumo e qual percentual a suposta redução de despesa representa do faturamento, afinal, é de conhecimento geral a maior despesa das instituições de ensino é a folha de pagamento, representando até 80% das despesas e consumindo grande parte do faturamento.

Importante registrar, ainda, que as instituições de ensino estão fazendo esforço Hercúleo para manter seu quadro de funcionário a fim de garantir a qualidade dos serviços prestados. Ademais, o contrato de prestação de serviço é anual, ou semestral para as instituições de ensino superior, sendo o pagamento divido em 12 ou 6 prestações, respectivamente. Assim, sendo certo que a obrigação anual ou semestral da instituição de ensino (quantidade de horas aula e conteúdo programático) não sofrerá qualquer redução, não se mostra razoável a diminuição do valor contratado sob pena de causar um desequilíbrio na relação tornando a obrigação excessivamente onerosa para as instituições.

Mister se faz esclarecer, ainda, que as instituições de ensino exercem um papel fundamental na sociedade, prestando um serviço essencial, e, além de todas as dificuldades de qualquer empresa, sofre com a inadimplência elevada pois, por ser serviço essencial não pode interromper a prestação no caso de não pagamento como normalmente ocorre com as demais obrigações, ficando refém do devedor durante todo o ano/semestre letivo mantendo o serviço prestado em sua integralidade. 

Outra questão que merece destaque é que como não haverá diminuição na carga horária e conteúdo exigido, ao cessar o período de isolamento forçado, as instituições precisarão fazer aulas e atividades extras para conseguir cumprir com o cronograma, o que certamente acarretará num aumento das contas de consumo e despesas com hora extra de funcionários, entre outros, pelo que se mostra infundada a justificativa do desconto em razão da diminuição das contas de água luz no período de isolamento.

Por fim, as propostas objeto dos PLs em questão vão na contra mão de todas as medidas adotadas pelos Governos Federal, Estadual e Municipal que é no sentido de preservar a economia, garantir a “sobrevivência das empresas” e manter os empregos, afinal, as instituições de ensino já vem sofrendo o aumento exponencial da inadimplência e os descontos propostos poderiam acarretar em várias demissões e até mesmo o fechamento de várias delas.

Tal posicionamento, contrário a concessão de desconto ou suspensão de pagamento, foi formalizado pelo Ministério da Justiça e Segurança Pública, através da Secretaria Nacional do Consumidor e Coordenação Geral de Estudos e Monitoramento de Mercado, órgãos do SISTEMA NACIONAL DE DEFESA DO CONSUMIDOR , que por meio da Nota Técnica nº 14/2020 no Processo nº08012.000728/2020-66 “recomenda que os consumidores evitem o pedido de desconto de mensalidades a fim de não causar um desarranjo nas escolas que  já fizeram sua programação anual, o que poderia até impactar o pagamento de salário de professores, aluguel, entre outros.”

Diante do quanto exposto, forçoso reconhecer que, apesar da boa intenção dos ilustres Deputados, os mesmos não tiveram o devido cuidado ao analisar as questões objetos dos PLs em comento, não tendo fundamentado de forma adequada suas proposições que mostram-se desarrazoadas, correndo risco de se confundir com proposições vagas e populistas de cunho eleitoral, o que não se acredita, pelo que não merecem prosperar sob pena de causaram um dano irreparável à sociedade como um todo com demissão de funcionários e fechamento de instituições em todo o Estado.

Caio Coelho é advogado atuante no Direito Civil, Direito do Consumidor e Direito Educacional 

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