A matemática e a simetria do coração

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  • Da Redação

Publicado em 9 de agosto de 2019 às 14:30

- Atualizado há um ano

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Uma das mais belas e simples definições da matemática foi proposta não por um profissional da área, mas por um grande artista plástico brasileiro: Wesley Duke Lee (1931 - 2010). Ele teve oportunidade de explicá-la numa série de TV brasileira denominada Arte e Matemática em 2001 (TV Cultura/MEC), de forma clara e direta: “a matemática é um saber que apresenta um certo tipo de beleza. Uma beleza diferente por exemplo da beleza da música ou da pintura. Diferente, mas igualmente agradável. A beleza da matemática está na estética do raciocínio”.

É simplesmente curioso que uma das primeiras pessoas a discutir a estética da beleza, segundo registros históricos, tenha sido o filósofo e lógico-matemático grego Platão (c. 428 - 348 a.C.), influenciado pelas ideias de Pitágoras de Samos (c. 569 - c. 475 a.C.). Os pitagóricos concebiam a ocorrência da beleza em termos universais, como o esplendor observado nas formas geométricas da natureza. De fato, eles observaram uma clara conexão entre beleza e matemática, por exemplo quando se discutia a natureza dos números, ou a presença do número áureo em muitos lugares, ou mesmo as curiosas relações numéricas presentes nas notas musicais. Por sinal, Platão definiu a beleza em sua obra-prima Phaedo (também conhecida por “A Imortalidade da Alma”) como uma evidência das formas ou ideias.

De fato, a simetria na linguagem cotidiana refere-se a um senso de proporções belas, equilibradas e harmoniosas, mas existe uma definição bem precisa em termos matemáticos: simetria é o que se pode fazer num objeto deixando-o invariante após algumas poucas transformações, a saber: via rotação, reflexão, inversão ou translação. Os gregos antigos definiam a simetria como uma harmonia de proporções.

Curiosamente, para entender melhor algumas características de personalidade, em particular a condição psicológica de qualquer um, existe um exame famoso, o teste do borrão de tinta criado pelo psiquiatra suíço Hermann Rorschach (1884 - 1922). Este exame apresenta um aspecto marcante: é completamente baseado em imagens simétricas. Deve-se portanto notar que a busca pelas condições da alma nos corações humanos continua a seguir ideias platônicas...

E certamente, qualquer um pode ouvir simetria! Por exemplo, elementos da poesia podem explicar por que alguns textos e músicas atingem em cheio a maioria dos seres humanos. No entanto, ainda existem mistérios, como a canção “Carinhoso”, dos compositores brasileiros Carlos Alberto Ferreira Braga (1907 - 2006, também conhecido como João de Barro) e Alfredo da Rocha Vianna Filho (1897 - 1973, mais conhecido como Pixinguinha). Tal melodia foi composta em 1917 pelo jovem Pixinguinha. A letra somente foi adicionada em 1936 por Braguinha, transformando-se num estrondoso sucesso na voz do incomparável cantor brasileiro Orlando Garcia da Silva (1915 - 1978). 

Certamente, compositores e poetas procuram as melhores rimas e ritmos. Mas isso só não pode explicar porque algumas músicas nos tocam tanto, a ponto de as conhecermos de cor. De fato, a expressão “saber de cor” é antiga, pois provem do francês “savoir par coeur” e remete à Idade Média, em que se acreditava que o conhecimento provinha do coração (em latim, cor), e não da mente.

Uma pista para compreensão deste verdadeiro enigma foi escrita pelo matemático, físico, filósofo, inventor e escritor francês Blaise Pascal (1623 - 1662): “o coração tem razões que a própria razão desconhece”, uma citação de sua obra-prima “Pensamentos”, de 1669. Pode-se concluir que a razão pela qual belas canções como “Carinhoso” permanecem a encantar se deva às simetrias ocultas, sensíveis apenas ao coração.

Marcio Nascimento é professor da Escola Politécnica, Departamento de Engenharia Química e do Instituto de Humanidades, Artes e Ciências da UFBA

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