A morte convoca os envolvidos em sua trama a elaborar o luto de quem se perdeu

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  • Da Redação

Publicado em 24 de agosto de 2018 às 15:30

- Atualizado há um ano

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A vida é incerta. Num lapso de tempo, tudo pode mudar. A rotina de pegar uma lancha para realizar atividades cotidianas como ir ao médico, ao trabalho ou a escola, se tornou uma tragédia no dia 24 de agosto de 2017. O naufrágio da embarcação Cavalo Marinho I aponta para o limite da estrofe de Fernando Pessoa “Navegar é preciso, viver não é preciso”. Podemos tomar a precisão referida pelo poeta como uma crença no poder da ciência em criar tecnologias visando garantir que as coisas não vão sair do controle. Não podemos negar a eficácia do discurso científico, porém, não podemos deixar de reconhecer o seu limite.

É importante apontar que, independente do momento histórico, o homem, ao se constituir a partir da linguagem, enfrenta o que Freud aponta como três vertentes de sofrimento: o corpo, o mundo externo e o outro. A linguagem possibilita saber que o corpo inexoravelmente vai declinar e morrer; aponta que o mundo externo não é previsível e, finalmente, que as relações com o outro sempre apresentam um ponto obscuro de mal-entendido e frustrações. A morte sempre chega como tragédia de modo anunciado, como numa doença terminal, ou de modo abrupto, como num acidente.

Ao se perder alguém, perde-se o objeto de investimentos libidinais daquele com quem se escreveu uma história no passado, fez uma parceria no presente e projetou um futuro. Uma outra perda importante, mas não tão evidente, é que se perde também uma parte de si. A morte de um filho, convoca os pais a fazerem o luto do lugar de mãe/pai que ocupavam. A morte convoca a cada envolvido na sua trama a elaborar o luto de quem se perdeu. Freud nomeia esse processo de trabalho de luto. O luto convoca o sujeito a gradativamente desinvestir a libido do objeto perdido, sendo que, concomitantemente se inscrevem marcas no aparelho psíquico do que se perdeu através de traços de identificação. Deste modo, é importante destacar que o trabalho de luto é um processo intrínseco ao aparelho psíquico e sua conclusão possibilita ao sujeito reinvestir suas energias no mundo a partir de novos projetos. Uma questão importante a ser abordada é a necessidade do diagnóstico diferencial entre luto e depressão, enfatizando que o luto não deve ser tratado de forma medicamentosa.

A morte pode ser negada ou gerar sofrimento ao antecipar a possibilidade de sua chegada. Essas duas vertentes, não possibilitam tomar a vida em toda a sua intensidade e complexidade. Freud aponta uma outra via ao destacar que o valor do transitório está relacionado a usufruir de forma intensa o tempo que se tem, pois sabe-se que é limitado. Penso que a beleza da vida está na sua incerteza que aponta para infinitas possibilidades, diferente da eternidade do mesmo. Relembrar que há um ano ocorreu o naufrágio pode possibilitar a solidariedade aos familiares que ainda não concluíram seu trabalho de luto, avaliar se medidas foram tomadas para tentar prevenir novos acidentes e lembrar a todos que a vida é transitória e precisa ser vivida de forma intensa e responsável.

Luiza Sarno é psicanalista

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