A mulher que faz da reciclagem um sopro de vida ao Dois de Julho

Sem puder decorar a rua, este ano Dona Carmen caprichou no presépio em sua própria casa

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  • Vinicius Nascimento

Publicado em 8 de janeiro de 2021 às 07:00

- Atualizado há um ano

. Crédito: Foto: Nara Gentil

Boas e más línguas dizem que se alguém quer viver a rua como em poucos lugares, é preciso bater perna no Dois de Julho. De fato, o tradicional bairro soteropolitano é um caldeirão de cultura, sociologia e estética. É um bairro Histórico assim mesmo, com H maiúsculo. E como todo mundo sabe, lugares históricos são feitos por pessoas igualmente históricas, interessantes, encantadoras. Gente.  É o caso de Dona Carmen, nossa história de hoje.

Todo período marcante do ano a praça do 2 de Julho fica enfeitada com bandeiras e outros apetrechos, todos reciclados de garrafa pet, sacos plásticos e derivados que foram descartados e ganham vida novamente pelas mãos dessa senhorinha de voz mansa e jeito tão manhoso quanto educado.

Aos 80 anos, Dona Carmen está em Salvador há meio século, quando saiu de Jaguara, pequeno distrito que pertence a Feira de Santana e fica a pouco mais de 35km da Princesinha do Sertão. Chegando à capital baiana, trabalhou em pensões e teve quatro restauranes diferentes até se aposentar. Desde então, seu passatempo é dar vida ao lugar que viveu - e segue vivendo. Presépio é rico em detalhes (Foto: Nara Gentil) "Aprendi a fazer essas coisas de reciclagem sozinha, nunca fiz escola, nem tive ajuda de ninguém. Só tive a vontade, via em outros lugares e comecei a fazer", diz a aposentada.

Durante a pandemia, o artesanato se tornou um aliado ainda mais inseparável. Aquela coisa de amizade mesmo, sabe? Ora, se uma octagenária não pode ir até a rua, o jeito foi seguir fazendo arte dentro de casa. Por isso, juntou o material e fez o seu presépio com tudo que tem direito: estábula, animais, José, Maria, o Menino Jesus e os Três Reis Magos.

Dona Carmen simplesmente adora o Natal, é o período que mais espera no ano por conta da possibilidade de reunir todos os seus quatro filhos, amigos e outros familiares. Além de colocar a cabeça para funcionar e responder à grande questão: como será o presépio da vez?

"Ano passado [2019] eu fiz o presépio da praça, ficou a coisa mais linda. Todo mundo elogiou. Eu sempre fazia as coisas pela associação [de moradores] porque era presidente, então a gente sempre enfeitava a praça, que é nosso Largo", diz.

Só tem um período que chega perto do Natal na lista de preferências de Dona Carmen: a Copa do Mundo. A cada quatro anos, ela procura se interar de quem são as seleções classificadas, quem joga contra o Brasil e quem são os destaques para pensar na decoração que vai dar. Desde que começou a fazer seus artesanatos, o Mundial já passou por vários países: Itália, EUA, França, Japão e Coreia do Sul, Alemanha, África do Sul, Brasil e, por último, a Rússia - última Copa realizada, em 2014.

Todo esse carinho e atuação no bairro faz com que Dona Carmen seja uma pessoa muito querida. Desde a Rua do Cabeça, passando pelo Mercado do 2 De Julho e as ruas do Areial de Cima e Democratas, em qualquer lugar ela garante: "me conhecem em tudo quanto é canto. Pode perguntar em qualquer lugar quem é Dona Carmen que vão dizer que é", conta aos risos. 

Retornar à rotina habitual é algo que Dona Carmen sonha e por isso reza para que a vacina chegue o quanto antes: ela garante que ainda verá muita Copa, São João, Carnaval, Natal, Ano Novo... duvida? Chega lá no Dois de Julho e pergunta por ela. A resposta chegará a galope.