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Fernanda Santana
Publicado em 20 de março de 2021 às 06:03
- Atualizado há 2 anos
“Ninguém acredita, mas a gente tenta sobreviver”, diz Valdirene Porto, 51, a professora que perdeu mãe, pai, marido e dois irmãos para o coronavírus, em três semanas, de fevereiro a março deste ano, em Brumado. Tudo tão intenso que Valdirene nem conseguiu chorar a morte de todos eles. Viu as dores se atropelarem, sem viver uma por vez: “Num dia morreu meu pai, no outro, chegava a notícia que meu marido tinha morrido”. Com a dor, emagreceu 10 quilos.>
As mortes aconteceram entre fevereiro e o início de março. Primeiro, foi a mãe de Valdirene. Depois, o pai, o marido e os irmãos - um deles, o mais novo, faleceu no dia em que completou 34 anos. “Não sei como estou sobrevivendo ao que estamos vivendo”, desabafa Val, como é chamada.>
É ela quem, agora, se vê obrigada a resolver a burocracia resultante dessas perdas. “Estava com meu marido há 20 anos, somos pais de um menino de 14 anos, perdi meu porto seguro, sabe o que é isso?”, revela. >
Pela manhã, ela sai da cama, depois de uma noite insone, e não encontra o marido. É um sinal que a lembra a devastação em sua família, que ainda não compreende o luto. “Ninguém acredita, mas a gente vai sobrevivendo”, repete Val, que pediu afastamento do trabalho como professora. As esposas dos irmãos falecidos se viram com os filhos para criar, desempregadas. Os netos sem os avós. >
Na dor de um luto em aberto, a mente de Val repassa perguntas: “E se tivéssemos feito isso? E se minha mãe não tivesse sido internada? E se meu pai tivesse fechado a mercearia? E se?”. O pai, José Luiz, era dono de uma venda, e, contrário às recomendações de alguns dos sete filhos, mantinha o espaço aberto. >
“A vida”, completa Val, “deu uma guinada de 360 graus, mudou tudo”. O filho dela a pergunta porque o pai dele não teve alta. Val gostaria de responder, mas não sabe. Responder o quê, se ela faz a mesma pergunta em silêncio? “É uma dor que não passa”. >