A origem da Festa dos Navegantes

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  • Nelson Cadena

Publicado em 29 de dezembro de 2018 às 05:00

- Atualizado há um ano

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Encontrei, por acaso, a evidência que faltava para confirmar a minha suspeita de que a Festa do Bom Jesus dos Navegantes, caracterizada por uma procissão marítima entre o Cais do Porto e a Praia da Boa Viagem, teve origem em 1841, já faz 178 anos. No meu livro Festas Populares da Bahia. Fé e Folia já cogitara essa possibilidade, baseado numa nota do jornal Correio Mercantil e se não considerei a matéria como definitiva foi em função da falta de uma vírgula, o que nos induzia a uma interpretação dúbia.

Dizia a nota, publicada em 19/12/1840 convocando os devotos e em especial “a gente empregada no mar”: “... e desejando a Irmandade, que todo o festejo seja pela primeira vez feito com a devida decência e solenidade...”. Essa frase “pela primeira vez” é que deixava dúvidas. Ocorre que há uma cronologia de acontecimentos anteriores que nos induz a pensar que, de fato, a procissão de 1841 foi a original. A nossa fonte continua a ser o Correio Mercantil que em 4/1/1839 noticia um préstimo marítimo entre o Arsenal da Marinha (hoje II Distrito Naval) e Itapagipe, realizado no primeiro dia do ano referido como uma celebração cívico-comercial.

Na data, bandas de música animaram centenas de pessoas - os maiores comerciantes da Bahia e todas as autoridades civis e militares - que embarcaram nos barcos a vapor Bahia de Todos-os-Santos e Catharina Paraguassu, esses acompanhados do escaler da Fragata Príncipe Imperial e da Corveta Sete de Abril e outros barcos menores, todos seguiram rumo a Itapagipe. O préstito celebrava a inauguração da navegação a vapor na Bahia introduzida pelo comerciante inglês João Diogo Sturz. A bordo, o inglês serviu finas bebidas e ofereceu uma “suntuosa mesa coberta de delicadas iguarias”. O percurso incluiu uma parada na Ilha de Itaparica em frente à Fazenda Mocambo; mais tarde, o préstito chegou nas praias de Itapagipe, “cheias de espectadores que afluíram para observarem cena tão curiosa, quanto nova”.

Na narrativa do jornal sobre o evento de 1º de janeiro não há qualquer referência de procissão religiosa. Foi um evento cívico, porém precursor. Esse mesmo percurso seria adotado e ainda é na Festa do Bom Jesus dos Navegantes. Seguindo a cronologia, no ano seguinte, em 12/2/1840,  é recriada a Irmandade do Senhor Bom Jesus dos Navegantes -  ereto no Hospício de Nossa Senhora da Boa Viagem -  tendo como juiz o intendente da Marinha Pedro Ferreira de Oliveira. E em 11/9 do mesmo ano,  a Irmandade fez público aos devotos “e muito especialmente à gente empregada no mar” que em todas as sextas-feiras teria uma missa com órgão, às 7h da manhã. Em dezembro, vários anúncios convocavam os marítimos -  capitães de navios nacionais e estrangeiros para comparecerem junto com suas tripulações -  para a procissão de 1º de janeiro de 1841.

Essa sequência -  o préstito da inauguração da navegação a vapor em 1839 e no ano seguinte a recriação da Irmandade do Senhor Bom Jesus dos Navegantes e em seguida à convocação dos marítimos para uma procissão -  nos leva a concluir que 1841 foi,  de fato,  a data inaugural da grande festa. A tecnologia dos barcos a vapor foi um facilitador para que os homens do mar se engajassem nessa celebração religiosa organizada pela irmandade. O fato do juiz da festa ser o intendente da Marinha explica o envolvimento da corporação que durante décadas, até 1890, cedeu o escaler para o transporte da imagem do santo. Em 1891,  a Marinha negou e no ano seguinte a imagem passou a ser transportada no barco Gratidão do Povo, construído com as contribuições dos devotos.