'A PM matou meu filho dentro de casa', diz pai de jovem morto na Santa Cruz

Família acredita que morte é 'represália'; adolescente foi morto em rua próxima 

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  • Tailane Muniz

Publicado em 16 de agosto de 2019 às 14:18

- Atualizado há um ano

. Crédito: Foto: Mauro Akin Nassor/CORREIO

O assassinato de Tiago Silva de Jesus, 20 anos, na noite desta quinta-feira (15), na Santa Cruz, no Complexo do Nordeste de Amaralina, em Salvador, é visto pela família do jovem como uma "represália da Polícia Militar". Minutos depois, o adolescente Rian Santos Vasconcelos, 16, também foi morto a tiros na região.

Agente de portaria, o pai da vítima, que preferiu não se identificar, afirma que o filho foi "executado" enquanto dormia dentro da casa onde morava, na Rua da Amendoeira, por volta de 22h15. Ele defende ainda que a morte do jovem é uma "resposta" da PM a um caso que aconteceu horas antes, quando cinco criminosos fizeram uma família refém, também na Santa Cruz.

Ao CORREIO, o pai de Tiago disse que chegou a ligar para a ex-mulher assim que soube, pela TV, que uma família havia sido feita refém. "Fiquei preocupado porque a gente sabe como funciona, mas ela me disse: 'pode ficar tranquilo, ele está em casa dormindo e eu estou de folga hoje, está tudo bem por aqui'. Depois, me ligou dizendo que meu filho estava morto". Grupo se entregou depois de 2h de negociação (Foto: Arisson Marinho/ CORREIO) O pai de Tiago estava no trabalho quando, por telefone, a ex-mulher deu não só a notícia de que havia perdido o único filho, mas detalhes de como o crime ocorreu: "Disse que os P2 [policiais disfarçados ou sem uniforme] mandaram ela sair de casa e mataram o menino. Meu filho estava dormindo. Mesmo que fosse bandido, eles não podem executar pessoas dessa maneira", lamentou ele, que na manhã desta sexta-feira (16) esteve no Instituto Médico Legal Nina Rodrigues (IMLNR) para liberar o corpo do caçula - ele tem outros dois filhos."Se você me perguntar se ele conhecia os meninos que se envolveram? Sim. Ele andava? Antes, sim, pois cresceram juntos. Tiago tinha deixado de ficar na rua, porque sabia que [os PMs] não largavam do pé dele. Entram, invadem casa, dão tapa na cara, executam, tratam todos os moradores como bandidos", denunciao pai,  ao reforçar que o jovem era 'alvo'.'Alvo' Abalado, o porteiro disse que já até já cogitou que um dia o filho pudesse ser "preso injustamente, mas morto, nunca". De acordo com o pai, desde que foi preso sob acusação de tráfico de drogas, durante o Carnaval do Nordeste, em março deste ano, Tiago era "perseguido" por policiais, "especialmente os da Rondesp [Rondas Especiais, uma tropa especializada]". 

Na ocasião, garante o pai, Tiago foi autuado após ser encontrado com uma quantidade de "drogas forjadas".  Ele foi solto um dia depois e, desde então, os sinais de que o filho era "alvo", comenta o porteiro, eram diários: "Eles não podiam ver meu filho que paravam, abordavam, questionavam coisas e quem ele conhecia do tráfico. Ele sabia que corria riscos", completa.

O porteiro chegou a dizer que não descarta que a morte de Rian, cinco minutos depois de Tiago, na Rua Seis de Janeiro - parte alta do Nordeste de Amaralina -, "deve ter sido cometida pela mesma guarnição". "Conhecia o menino, morador do bairro também. Ruas próximas, tempo curto, eu não duvido. Todos nós, moradores, somos tratados como marginais". Homens são presos depois de liberar os reféns (Foto: Arisson Marinho/CORREIO) Tiago, que não tinha filhos e nem namorada, morava com a mãe no mesmo endereço desde que nasceu. O local fica próximo à casa do pai, morador da Santa Cruz há 45 anos. Lá, onde o porteiro afirma "não ser fácil viver", o filho era querido pelos moradores. "Basta chegar e perguntar o tratamento dele com as pessoas e de todos com ele".

O jovem vai ser enterrado nesta sexta-feira, às 16h, no Cemitério Campo Santo, na Federação. Apesar de todas as acusações, o pai disse que não pretende formalizar uma denúncia na Corregedoria da Polícia Militar: "Estamos destruídos, eu tenho mais dois filhos, mas a mãe dele só tinha ele. Agora é enterrar". Não há informações sobre o enterro do adolescente, que aguarda o reconhecimento e liberação de familiares. 

A PM Por meio de nota, a Polícia Militar deu a mesma versão para os dois crimes e acrescentou que, "sobre a acusação, o comando da 40ª Companhia Independente da Polícia Militar (CIPM/Nordeste de Amaralina) afirma que não tem conhecimento do fato".  

Ao citar o assassinato de Tiago, a PM informou que policiais militares da 40ª Companhia Independente da Polícia Militar (CIPM/Nordeste de Amaralina) foram acionados pelo Cicom [190] após informações de  que "um homem foi encontrado no interior da residência, sem sinais vitais, com perfuração de arma de fogo".

Quanto à morte de Rian, a corporação esclareceu que o "Cicom informou que havia disparos de arma de fogo. Ao chegar ao local, populares informaram aos PMs que havia um adolescente de 16 anos baleado dentro da residência". "Nos locais, guarnições da PM isolaram a área e solicitaram os agentes do Departamento de Polícia Técnica (DPT) para as remoções. Segundo registro policial, as vítimas possuíam passagem por tráfico de drogas e outros delitos".

Investigações As mortes, tanto de Tiago quanto de Rian, estão registradas no boletim diário da Secretaria da Segurança Pública (SSP-BA), disponível no site da pasta. As ocorrências postadas, no entanto, são sempre referentes às mortes entre civis, ou seja: quando um assassinato é resultado de uma intervenção policial militar, o homicídio não figura entre os registros - a SSP-BA classifica como "auto de resistência".

A partir daí, é possível afirmar que a Polícia Civil não investiga as mortes sob a perspectiva de que haja o envolvimento de militares. 

Procurada, a Polícia Civil informou que Rian e Tiago foram mortos na mesma circunstância: a tiros e dentro de casa. Segundo a pasta, "informações preliminares" dão conta de que o jovem e o adolescente foram assassinados por "quatro homens encapuzados". A polícia acrescentou que o crime é investigado pela 1ª Delegacia de Homicídios (DH/Atlântico).

"No relatório produzido em local de crime, não constam informações acerca de passagens anteriores da vítima pela polícia", conclui a pasta sobre Rian. Sobre a primeira vítima, a Polícia Civil disse que "informações colhidas no local revelaram que ele tinha envolvimento com o tráfico de drogas daquela localidade". Eles citaram a passagem do jovem pela polícia.