A poeira que a pandemia levantou em uma relação empurrada com a barriga

Estava cômodo manter tudo ali bem quietinho. Confortável demais fingir que estava tudo bem. Agora cada um que assuma a responsabilidade das suas escolhas

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  • Edgard Abbehusen

Publicado em 28 de junho de 2020 às 05:01

- Atualizado há um ano

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A convivência é um problema. Pelo menos eu cresci escutando essa afirmação. Não só isso. Já conheci casais que passaram anos entre o namoro e o noivado, mas o casamento, em si, não durou seis meses – história bem real e eu sei que é super comum.  Conviver com uma outra pessoa, com outros costumes, manias e outras bagagens é um processo. E se relacionar não é fácil.

Um relacionamento precisa de construção diária de pontes e de derrubadas constantes de muros para que o casal não se distancie. Para que a convivência não vire apenas uma conveniência e nada mais. 

O amor não é tão linear como vendem os filmes, nem tão simples como versam os poetas. Quando a paixão acaba, quando os problemas aparecem e quando a decisão precisa ser tomada por dois mundos totalmente diferentes, ainda que sejam almas gêmeas, os conflitos aparecem. 

A verdade é que nem todo casal tem a disposição de jogar uma partida de frescobol, sem deixar a bola cair, trazendo uma analogia perfeita da crônica Tênis X Frescobol do Rubem Alves. Tem casal que prefere jogar tênis, esperando o outro errar para ganhar. Ou então não jogar nada, apenas empurrar com a barriga.  

Todos esses incômodos, desgastes diários e problemas são levados para debaixo do tapete. 

Então chegamos em 2020. Coronavírus, regras de distanciamento social e, também, isolamento social onde você, casado ou ‘amancebado’, como diria minha vó, foi ‘obrigado’ a conviver, vinte e quatro horas por dia, com a sua escolha. Com a pessoa que você passava pouco tempo e conversava tão pouco quando estavam à sós. Você vai ter que olhar nos olhos dessa pessoa e enxergar tudo o que você fingia não existir, confrontando a sua própria vida e refletindo o seu relacionamento. 

A pandemia levantou esse tapete da sala da sua casa repleto de pequenos incômodos e verdades difíceis de engolir, trazendo tudo à tona. E essa poeira bagunça e mostra o que você tentava esconder para manter o que, muitas vezes, nem existia mais. Segundo uma matéria aqui do CORREIO a procura por divórcio cresceu muito durante a pandemia.

Em épocas ‘normais’, a gente até consegue disfarçar.  Vai trabalhar cedo e volta para casa tão cansado ou cansada, que não tem energia para discutir mais nada, muito menos uma relação.  O casamento que mantém um vulcão de problemas adormecidos onde não existe mais diálogo e nem admiração, acaba entrando em erupção quando a convivência é quase que obrigatória.  Eu sempre vou pregar a felicidade, porém, jamais a felicidade fantasiosa. Mas do estado de espírito. Que é quando você acorda de manhã e admira quem está ao seu lado.  Que é quando você volta pra casa depois de um dia exaustivo de trabalho, sem bater uma tristeza ao lembrar quem está lhe esperando para jantar. 

O isolamento por conta da pandemia do coronavírus desafiou a nossa sociedade em muitos aspectos, principalmente nesse ponto. Você fez uma escolha e, depois de um tempo, não teve coragem de assumir que foi uma escolha errada. Ou então que essa escolha deu certo, mas que é preciso fazer algo para manter ela de pé. Onde vocês estão errando? Não seria melhor tentar continuar? Estava cômodo manter tudo ali quietinho. Confortável demais. Agora cada um que assuma a responsabilidade das suas escolhas. 

Eu desejo, sinceramente, felicidade para quem decidir tentar mais uma vez. Acho bonito quem tenta, quem luta por uma história. E para quem descobriu ou acordou durante a pandemia e percebeu que merecia mais: felicidade e coragem para recomeçar. Quanto mais a gente insiste no que já acabou, mais feridas são abertas. Uma vez eu escutei de uma vizinha minha lá de Muritiba, no recôncavo baiano, a seguinte frase: é bom acabar antes que a amizade acabe. E eu concordo. A gente precisa tentar fazer dar certo, mas com limites. Traduzindo o sentido que a amizade tem para mim dentro da frase da minha vizinha muritibana: termine antes que a admiração, o carinho e o respeito acabem. 

E jamais esqueça que todo fim vem coberto de possibilidades para que você recomece. 

*Edgard Abbehusen é escritor, compositor, redator, baiano, criador de conteúdo afetivo e  autor de livros; Ele  publica textos exclusivos aos domingos no site do CORREIO. Acompanhe Edgard no Twitter e Instagram