A proibição dos confetes

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  • Nelson Cadena

Publicado em 5 de julho de 2019 às 05:00

- Atualizado há um ano

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Os baianos não gostaram nem um pouco da portaria governamental publicada em 1905 pelo chefe de polícia Francisco Antônio de Castro Loureiro, às vésperas do Carnaval, proibindo as batalhas de confetes na cidade e, muito menos, da ambiguidade do decreto que fazia a ressalva com “confetes que não sejam da mesma qualidade, ou cor”. Se admitia uma categoria do produto e condenava outra, alguém ganhava com isso. O comércio ditava as regras, os donos de lojas e empresas de importação e exportação eram membros da diretoria dos grandes blocos: Cruz Vermelha, Fantoches e Inocentes em Progresso, entre outros.  Ninguém entendeu a birra do governo, até porque as nossas batalhas de confetes eram muito mais civilizadas do que na Europa. No Carnaval de Nice e no de Paris, os foliões protegiam a cara com máscaras de tela de metal e óculos, tamanho o ímpeto dos pândegos após beber umas e outras. É certo que o confete, mesmo o de papel, era um produto não tão inofensivo quanto parece. Os originais eram bolinhas de gesso, ou de açúcar cristalizado, que explodiam no corpo e na cara das pessoas quando jogados com força.

Os médicos exageravam nos malefícios do produto, mas não explicavam qual o dano à saúde. Imaginamos que o gesso inalado provocasse algum dano ao pulmão, ou então o papel, quando se inventou o confete dessa matéria-prima e que era, segundo os relatos, minúsculo, bem menor do que o atual. Entrando nas narinas, deveria causar algum desconforto, e nada mais do que isso. Batalhas de confetes! Para o poder público era um problema, para a população, ao contrário, era um divertimento saudável. Apesar da malquerença dos médicos, além do divertimento tinha a questão de status: o que era bom para os franceses também era bom para os baianos. Assim pensávamos. O problema do governo era outro. Associava o produto, e nisso tinha razão, aos hábitos do entrudo do século XIX quando as pessoas jogavam, uns aos outros, limões de cera com água perfumada que explodiam na cabeça, no corpo, ou na cara. 

Como o governo tudo fazia para mudar hábitos culturais seculares e desde 1884 se empenhara na proposta de um Carnaval supostamente mais civilizado, imaginava que proibindo o confete de pobre estava sendo coerente. O outro confete, o permitido, era o adquirido no comércio com garantia de qualidade. Na década seguinte, com o surgimento e popularização do lança-perfume, fabricado na Alemanha, produto que vendia milhares de caixas durante o Carnaval, não ocorreu ao poder público proibir a sua importação. Nem poderia. Imagine bater de frente com os grandes comerciantes. 

Nada mais assemelhado à prática do entrudo do que o lança-perfume, mas isso o governo não via, por conveniência. O mesmo entrudo que nunca deixou de existir na festa, apesar das portarias, decretos e investidas da polícia. Hoje o entrudo é praticado com sprays de espuma que o folião recebe na cabeça, cai nos olhos, mela o acarajé da baiana. 

No tempo da portaria do Dr. Castro Loureiro, a Praça Castro Alves era o cenário das batalhas de confetes, com o quartel-general no Hotel Sul-Americano. Batalhas que ficaram mais emocionantes na década seguinte com os corsos e as pranchas de bonde, verdadeiras barricadas de foliões entrincheirados nos veículos para “atacar” outros foliões. Delícia de vida: jogar confetes, serpentinas, piscar o olho e esguichar jatos de lança-perfume nos outros.