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Gabriel Galo
Publicado em 18 de maio de 2020 às 05:00
- Atualizado há um ano
A lógica das redes sociais é fartamente conhecida. Ela atua para provocar o máximo de reações, aumentar o tempo conectado e os dados que voluntariamente oferecemos. Para isso, fazem o usuário visualizar mais publicações que estejam em conformidade com o que escreve ou interage. Surgem, pois, as bolhas, redomas de informações que vão ao encontro do que pensamos e acreditamos.
Havia, no entanto, a questão da interação social para apaziguar um pouco os ânimos e testar empiricamente a receptividade de ideias e posturas. O aspecto civilizatório da convivência é aprendizado duro, em que se molda o entendimento de respeito e aceitação ao contraditório.
Só que o necessário isolamento pela pandemia derrubou o fator convivência da equação. Presos dentro de casa, inauguramos a mais exclusiva e perfeita rede social existente: a do eu sozinho. Com isso, estamos gradativamente perdendo contato com o alimento da inteligência emocional.
Muitos são os complicadores que contribuem para que a bolha do isolamento adquira contornos explosivos. Sem norte de saída, passamos a ser reféns de disparates, que tocam no âmago de nossas compreensões. Numa escalada de perspectivas, as incertezas levam à angústia, que leva a uma ansiedade desmedida e, em última instância, o desespero, quando não há mais racionalidade em ação, mas apenas sobrevivência e desejo de retomar sensação qualquer de controle.
Reagimos. Vemo-nos diante da necessidade de confrontar os absurdos. Pegamos, assim, em armas e partimos para o combate aberto, escancarado, vigilante. No ponto em que estamos, a guerra não é mais eventual, mas sim recorrente. Não cabe nos desarmarmos.
Mas lutar cansa, e buscamos nos desligar da guerra maior em algo que nos alivie a mente. Ainda assim, fazemos a pausa de armadura, espada e escudo.
Mas ao apertar o play do retorno da convivência limitada, vemos o condicionamento tomar partido. Como tudo era enfrentamento, com reações que obscurecem a razão, enxergamos ofensas com olhos enviesados e contra-atacamos com a fúria da inteligência emocional que se esvai.
Num ambiente em que a absoluta ausência de controle e poder é a tônica, retomar parte deste sentimento corrompedor é instintivo, mesmo que nos viremos contra aqueles com quem caminhamos juntos. Neste ambiente não se entende mais gostos e quereres como atributo individual, mas como ofensa que transcende ao coletivo. É fato: a guerra sempre vai a quem a quer, porque ela se autofabrica.
Está aqui um dos efeitos temerários da quarentena: a erosão de marcos de civilidade e aceitação do contraditório. Neste ínterim de pandemia, é fundamental que saibamos entender causas e consequências, quem é o oponente e quem é o aliado, e em quais situações vale o esforço da batalha, torcendo para que, no cessar fogo, não tenhamos cada um causado um estrago de que nos arrependeremos.
Desta forma, lá na frente, no quando a normalidade possa ser a constante, será urgente buscar o recondicionamento de comportamentos de volta à convivência ampla, reabrindo as portas para aceitarmos nossas vulnerabilidades e entender que diferenças são o sal da vida e o que nos fazem avançar. Só então poderemos mensurar o tamanho do buraco que cavamos para nós mesmos.
Gabriel Galo é escritor