A resiliência urbana minimiza tragédias e tensões sociais

Comunidade deve participar da construção de estratégias, diz Pablo Lazo

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  • Andreia Santana

Publicado em 8 de agosto de 2018 às 23:00

- Atualizado há um ano

. Crédito: Fotos de Marina Silva/CORREIO

Em 19 de setembro de 2017, um terremoto de 7.1 graus na escala Richter atingiu a região de Morelos, no centro do México, e também provocou o desabamento de diversos edifícios na capital do país, Cidade do México. Mais de 350 pessoas morreram na catástrofe, que aconteceu exatamente no aniversário da maior tragédia enfrentada pelos mexicanos, um outro terremoto, dessa vez com intensidade 8.1 e que matou 10 mil pessoas, em 1985. 

Os dois tremores foram citados, nesta quarta-feira, 08, por Pablo Lazo, diretor da consultoria internacional Arup e professor de desenvolvimento sustentável e resiliência urbana, durante a conferência de abertura do seminário Sustentabilidade do Agora, evento que integra a programação do Fórum Agenda Bahia 2018 e aconteceu na sede da Federação das Indústrias da Bahia – Fieb, no Stiep.

Na palestra Salvador Humana, o especialista, que é natural da Cidade do México, trouxe para a plateia do seminário a história das duas tragédias para explicar aos baianos o conceito de resiliência urbana: “Resiliência urbana é a capacidade das cidades para responderem e, ao mesmo tempo, continuarem seu desenvolvimento, diante das tensões que surgem, sejam elas grandes catástrofes ou tensões sociais”Após o terremoto do ano passado, continuou Pablo Lazo, a iniciativa de quatro integrantes de uma startup da Cidade do México contribuiu para engajar a população em uma estratégia de mapeamento dos edifícios atingidos pelo abalo sísmico, que depois foi incorporada pelo poder público. A participação das comunidades na construção das estratégias de resiliência das cidades foi defendida pelo especialista, que acredita que as mudanças sociais precisam ser vistas pelas perspectivas dos governos, das empresas e dos cidadãos.

O aplicativo SalvatuCasa (Salve sua casa, na tradução do espanhol) permitia aos moradores das áreas atingidas pelo terremoto registrarem informações sobre os edifícios onde moravam, com fotografias e preenchimento de um formulário sobre os danos sofridos pelas edificações. 

“Em duas semanas, o aplicativo já havia mapeado mil edifícios, o que ajudou a Defesa Civil e o poder público. Nesse mesmo tempo, as plataformas oficiais não tinham conseguido levantar os dados que a população conseguiu”, acrescentou Pablo Lazo.

A ferramenta foi incorporada pelo poder público por oferecer também três informações essenciais em situações em que uma cidade precisa se recuperar de um choque: dizia se havia vítimas nos escombros, quanto tempo o prédio demoraria para voltar a funcionar e quanto custaria para reconstruí-lo.

Outro exemplo do engajamento da sociedade civil mexicana durante o terremoto - e que serve também para explicar a resiliência urbana - foram os mutirões realizados pela população para transportar alimentos e remédios para os desabrigados. Como o sistema de transportes da Cidade do México parou por duas semanas, enquanto ocorria o trabalho de busca por desaparecidos nos escombros, os moradores da cidade começaram a utilizar bicicletas para levar os víveres dos centros de distribuição até os necessitados. Especialista respondeu perguntas da plateia após palestra Efeito fênix

O avatar da ave mitológica que renasce das próprias cinzas serve para demonstrar como o conceito de cidade resiliente ou resiliência urbana nasceu. A discussão sobre de que forma as cidades poderiam se recuperar mais depressa após grandes choques começou justamente depois do terremoto de 1985 no México, revelou Pablo Lazo. 

Segundo ele, o conceito de resiliência adotado para o planejamento urbano foi emprestado da medicina, que já pesquisava de que forma o organismo pode se tornar mais forte diante de situações de ameaça à vida.

Além das duas tragédias mexicanas, Lazo listou durante sua palestra, os quatro dias de inundação em Santa Fé, Argentina, em 2002, depois que duas semanas de chuvas intensas provocaram o transbordamento dos rios Paraná e Salado, o que resultou no deslocamento de 50 mil pessoas de suas casas. Assim como aconteceu nas duas situações no México, Santa Fé também não tinha, na época, um planejamento resiliente.

O especialista lembrou ainda que não são apenas as cidades da América Latina que carecem desse olhar, mas que problemas também ocorrem em países desenvolvidos que pecam no planejamento de estratégias. Foi o caso de Houston, no Texas (EUA), que no ano passado, durante o furacão Harvey, sofreu inundações e perdas econômicas significativas por falta de preparação da cidade para lidar com choques e tensões.

“No começo dos estudos sobre resiliência nas cidades se imaginou que o conceito se aplicaria apenas a grandes catástrofes como terremotos, furacões e inundações. Mas existem outras situações em que um planejamento para a resiliência é necessário, como na ocorrência de choques e tensões”, acrescentou Pablo Lazo.

Como exemplo do que seriam esses choques e tensões ele citou mais uma vez a Cidade do México, recordista mundial de congestionamentos, segundo o especialista. “Levamos duas horas para fazer trajetos de 10 a 15 quilômetros na Cidade do México e já existem estudos que mostram os efeitos mentais na população desse desgaste no trânsito. O planejamento resiliente também procura abordar esse tipo de tensão crônica e contínua no dia a dia das cidades”, ensinou.

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Entendimento sistêmico

As cidades são formadas por diversos componentes e, de acordo com Pablo Lazo, as estratégias de resiliência, para darem certo, além de focar nos olhares de todos os atores sociais, também precisam enxergar a simbiose entre todos os sistemas da cidade. “Transporte, mobilidade, lixo, água, energia, zoneamento, é preciso entender que os sistemas são interconectados e que qualquer alteração em uma parte desse sistema, mexe com os demais”, complementou

Em busca de expandir esse conceito de planejamento sistêmico e resiliente em todo o mundo, em 2014 a Fundação Rockefeller iniciou o programa 100 Resilient Cities (100RC – Cem Cidades Resilientes), uma rede que contempla cidades de todo o mundo e da qual Salvador faz parte. 

Pelo programa, a capital ganhou, no ano passado, uma Diretoria de Resiliência, que integra a Secretaria Municipal de Cidade Sustentável e Inovação (Secis). Atualmente, a diretoria trabalha na criação do plano de Resiliência Urbana de Salvador, com previsão de ser lançado no fim do ano. Pablo Lazo é consultor da iniciativa na cidade, pela Fundação Rockefeller e, de acordo com ele, a capítal ganhou no compartilhamento de informações com as outras integrantes da rede.

“Na América Latina, a troca de conhecimentos, ideias e informações é muito produtiva. Há 10 anos, esse compartilhamento era mais difícil, porque não havia tecnologia e nem havia programas internacionais que estão criando essas redes de cidades”, disse. Lazo também participou de um debate com o outro palestrante do turno da manhã, Rogério Oliveira Salvador resiliente

Ainda segundo Pablo Lazo, o trabalho da Diretoria de Resiliência de Salvador tem nove meses, período em que a equipe responsável buscou reunir diversos setores para entender onde estão e quais são os choques e tensões da cidade. Um desses entendimentos é que a questão da desigualdade social na capital, por exemplo, está relacionada com a economia, a educação e a necessidade de uma infraestrutura urbana inteligente.

Lazo enumerou três questões na transformação de Salvador para a resiliência: 

1 - A chave para esse futuro resiliente está na contribuição da sociedade civil. Segundo ele, é preciso trabalhar pela perspectiva da comunidade;

2 - Salvador tem de desenvolver sua vocação para a inteligência urbana e um exemplo que ele levou para a plateia do Agenda Bahia foi a de um vendedor de água de coco e cerveja no Rio Vermelho, que coloca um aviso para seus clientes de que aceita cartão. “Esse vendedor sabe que para o negócio dele andar ele tem de atender esse ponto, isso é uma solução simples e inteligente”.

3 -  Para enfrentar as desigualdades pela ótica da resiliência e tornar Salvador mais humana, é preciso um ‘olhar soteropolitano’ sobre as questões da cidade e na integração das cadeias de valor da capital, visando uma transformação econômica.“Transformar Salvador para um futuro mais humano requer o entendimento de que essa mudança começa pela transformação na economia”Dialógo com os negócios sociais

As estratégias de resiliência urbana apresentadas por Pablo Lazo dialogam com o incremento dos negócios sociais, tema da conferência de Rogério Oliveira no seminário Sustentabilidade do Agora. 

Após suas apresentações individuais e de responderem perguntas da plateia, separadamente, em suas respectivas áreas de atuação, Lazo e Oliveira, moderados pela jornalista Flávia Oliveira, da GloboNews, participaram de um debate.

Juntos, os dois especialistas demonstraram que um planejamento urbano resiliente repercute diretamente no desenvolvimento econômico. E, para a economia crescer, é preciso que iniciativas inovadoras sejam estimuladas. Sendo que os negócios sociais são uma forma bastante inovadora de empreendedorismo, pois focam na geração de lucro que é reinvestido no crescimeto das comunidades.

Questionados sobre de que forma os futuros profissionais podem participar dessa revolução que prevê cidades resilientes e pontuadas por negócios que geram valor econômico traduzido em valor social, os dois palestrantes defenderam que o segredo está na educação. 

Pablo Lazo enfatizou a interdisciplinaridade necessária, por exemplo, aos cursos de urbanismo, pois as cidades são estruturas e pessoas. "O entendimento  do território humano das cidades passa pela interdisciplinaridade. Os cursos de urbanismo precisam contemplar isso", disse.

Já Rogério Oliveira defendeu que a educação seja mais valorizada que os índices de escolaridade. "Existe uma diferença entre escolaridade e educação. É preciso educar as pessoas para a inovação", afirmou.

O Fórum Agenda Bahia 2018 é uma realização do CORREIO, com patrocínio da Revita e Oi, apoio institucional da Prefeitura de Salvador, Federação das Indústrias da Bahia (Fieb), Fundação Rockefeller e Rede Bahia.