A revista organismo – as literaturas brasileiras contemporâneas

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  • Da Redação

Publicado em 16 de junho de 2019 às 14:00

- Atualizado há um ano

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A história das revistas na Bahia é rica e diversificada. Há algumas pesquisas fundamentais sobre elas, como a de Ivia Alves sobre a Arco e Flexa e a recém-defendida pesquisa de Katia Borges sobre a revista Mapa. Se é fato que poderíamos ter um número mais expressivo de pesquisas dedicadas à produção das revistas baianas como Código e Semiótica, por exemplo, é também fato que já temos um caminho aberto para fazê-las.

A revista organismo busca se inserir nessa genealogia, não marcando apenas uma continuidade, mas também uma ruptura em relação a essas publicações. Não temos uma edição fixa, representando um grupo e uma tradição estética específica. Nossa pretensão é cartografar o contemporâneo da literatura brasileira em suas múltiplas inscrições, pois não acreditamos que o contemporâneo deva duplicar a ficção de unidade que povoa a literatura brasileira, se inscrevendo a partir de um grupo ou de um conjunto estático de procedimentos estéticos.

É nesse sentido que abrimos a revista para a edição itinerante a cada número e que chamamos o leitor para reeditá-la a cada exemplar e ao final da coleção. A ideia é que essa multiplicidade e esse rizoma que é o contemporâneo possam sê-los na tensão de seu múltiplo. Sem conchavos, sem unidades fictícias, sem ambições de autoridade, nem academicismos, mas com consciência ético-estética. Cada número traz sua proposta do que seja esse contemporâneo, expondo seu recorte visual do campo da literatura brasileira.

A partir dessa engrenagem é necessário assinalar duas coisas: a revista organismo se insere na tradição das revistas locais à medida que dialoga intensivamente com seus pares, mas rompe com elas quando não os toma como baliza do contemporâneo, nem mira o local como ponto organizativo de uma ética ou de uma estética. A revista busca, antes, a partir da periferia que somos, somar e somatizar o cenário amplo das literaturas contemporâneas brasileiras, em seus múltiplos diálogos: negros, homoafetivos, canônicos, sulistas, transgeneros e negro-feministas etc. Interessa-nos tudo que é e não é nosso. Por isso colocamos o local sempre em diálogo com o periférico, com o negro, com o canônico, com a diáspora, interessados que somos nos múltiplos rizomas que constituem o que chamamos de “nosso”.

A revista organismo tem, portanto, inscrito seu lugar enunciativo e vivo, no movimento dos corpos pelo espaço, não no próprio espaço. O espaço só nos interessa com corpo: espaço que se movimenta e que se transporta, espaço em trânsito. Essa é a revista organismo, que, em síntese, dialoga com a tradição das revistas brasileiras ao mesmo tempo que não. Falamos da periferia da literatura, no sentido em que enunciamos de um espaço não central, na tradição brasileira, mas também, no sentido em que toda diversidade, na história nacional, sempre foi escanteada e marginalizada. Mas, também, falamos de um lugar central para uma perspectiva diversa da literatura brasileira.

O que se chama periferia é o outro centro, o lugar do diverso, de tudo que não coube no projeto branco de hegemonia do capital, dos campos artísticos ou da urbanização das cidades. E está inscrito na literatura brasileira desde Maria Firmina dos Reis e Lima Barreto, passando por Carolina Maria de Jesus e chegando a Conceição Evaristo e Ricardo Aleixo. Por isso falamos das margens, não para propor um fechamento sobre elas, gesto colonial de nossa tradição literária, mas uma abertura, um esgarçamento, uma fratura. Assim, nossa intenção é ampliar as redes de diálogo, transitar os rizomas e seguir um caminho indefinido na busca de uma literatura cada vez mais diversa, múltipla em seus espaços, sujeitos e propostas ético-estéticas, que produzam sociabilidades e subjetividades, sem os fascismos e os maquinismos de morte que operam nos discursos de unidade.

Em suma, não nos interessa figurar na narrativa da literatura brasileira, como anexo: modernismo pernambucano, modernismo baiano, modernismo gaúcho, nem que os adjetivos não nacionalizantes, como literatura negra, literatura periférica, continuem funcionando como apêndices no quadro geral da literatura brasileira. Essas “regionalizações” servem, predominantemente, para afirmar um centro, uma hegemonia, e arbitrar hierarquizações que quase nunca têm a ver com a literatura. Estamos disputando o contemporâneo em tempo real, para negar o velho e conhecido delay que nos é atribuído na tradição canônica, e assim não figurarmos, daqui a duas décadas, como os poetas do contemporâneo cearense, ou baiano. Estamos no campo da literatura brasileira, repito: somando e somatizando. Cartografando seus rizomas e visibilizando o circuito de suas intensidades.

Jorge Augusto é Doutorando em Literatura e Crítica da Cultura – UFBA, onde integra a coordenação do grupo de pesquisa Rasuras. Atua como pesquisador na área de Literatura Brasileira, nas áreas de decolonialidade, modernismo brasileiro e literatura negra.

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