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Nelson Cadena
Publicado em 28 de março de 2020 às 14:30
- Atualizado há um ano
Em 4 de abril de 1686, os baianos detectaram os primeiros casos de febre amarela em Salvador. O Padre Vieira em carta ao Conde Castanheira identificou a doença como “um novo gênero de peste, nunca visto nem entendido dos médicos”. Dois homens que estavam na companhia de uma prostituta foram as primeiras vítimas. A doença, que já se manifestara no Recife desde o dezembro anterior, pegou desprevenidos os agentes de saúde, que eram naqueles idos o Hospital de São Cristovão, pertencente à Santa Casa da Misericórdia, o único da cidade, e os médicos particulares que, no geral, atendiam aos pacientes em casa praticando sangrias.
A febre amarela era doença de branco, assim a descreveu o historiador Rocha Pitta e provavelmente tinha razão, parecia poupar mulatos, negros e índios. Como foi uma doença que se alastrou a partir do Porto de Salvador, o público contaminado inicialmente era o de viajantes estrangeiros, marujos, tripulantes de barcos, homens brancos na sua maioria. Transcorrido algum tempo atingia outras camadas da população. O que se sabe é que a epidemia foi em parte contida nos seus efeitos graças à solidariedade de uma viúva, Francisca de Sande, herdeira de parte da fortuna de seu pai, Francisco Fernandez do Sim, potentado do açúcar, um dos homens mais ricos do Brasil, ex-Provedor da Santa Casa da Bahia.
Francisca de Sande residia em um enorme sobrado da Avenida Sete, suponho eu que nas proximidades de São Bento, que era o bairro nobre da cidade naqueles idos. Quando a epidemia de febre amarela explodiu, o Hospital, que contava com apenas três enfermarias, não dava conta e não dispunha de espaço para o isolamento recomendado pelos médicos, para evitar a propagação. Dona Francisca, que de longas datas já praticava a caridade, tomou a decisão de auxiliar no combate à doença transformando sua residência em um hospital alternativo que montou às suas custas com camas, roupas, equipamentos e uma farmácia.
Todos os dias, saia de sua casa na companhia de um séquito de escravos para recolher doentes que se aglomeravam nos corredores do Hospital da Misericórdia e os levava para sua residência onde manteve, enquanto a epidemia durou, médicos, enfermeiras e também cozinheiras para preparar as canjas de galinha. No quintal fez um galinheiro para abastecer a cozinha. Se não há exagero nas estatísticas, a febre amarela causou 900 óbitos em Salvador e no Recôncavo.
O Rei de Portugal reconheceu o trabalho da enfermeira Francisca e lhe agradeceu através de uma Carta Real a sua generosidade. E o poeta Gregório de Mattos, não ficou insensível à obra de Dona Francisca e lhe dedicou estes versos: “Havia um novo hospital/Onde se admirou notável/ O zelo de uma senhora/Francisca de Sande/Mostrando como enfermeira/O desvelo em toda a parte/E administrando a mezinha/ A quem devia de dar-se/Consolando a quem gemia/Animando os circunstantes/Tolerando o sentimento/ De que assim não acertasse/Não reparando nos gastos da fazenda/Que eram grandes/Porque só quis reparar vidas/Por mais importantes”
Nelson Cadena é colunista do CORREIO, publicitário e pesquisador
Opiniões e conceitos expressos nos artigos são de responsabiidade dos autores