A Ufba era uma putaria só - e como era bom

Senta que lá vem...

  • D
  • Da Redação

Publicado em 3 de maio de 2019 às 07:30

- Atualizado há um ano

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Fiz jornalismo na Universidade Federal da Bahia entre 1989 e 1993. Ou seja, quatro anos depois do fim da ditadura militar e no período em que houve o impeachment do Presidente Fernando Collor. Entrei durante um processo de intervenção promovido pelo reitor, que derrubou uma eleição democrática para escolha do diretor e jogou os calouros no meio de uma guerra. Naqueles quatro anos, enfrentamos duas greves de mais de 250 dias cada.

A situação era tão precária que aprendemos a usar o teclado do computador por um desenho que a professora levava para a sala porque não havia PC para a disciplina de "novas tecnologias". E parte das máquinas de escrever tinha problemas, até falta de fita. Fizemos um cineclube, mas não havia como consertar o projetor, que quebrava filme sim, filme não. E o professor de fotografia nos enrolava, usávamos, quase sempre, uma máquina que não tinha filme dentro. Agora, penso como ficará a Facom e toda a UFBA – cheia de professores altamente capacitados para induzir os alunos a desenvolverem senso crítico e de ética – sem os 30% que o MEC mandou retirar, para tentar impor à força uma ideologia de ultradireita, que logo será orientada pelo patrulhamento ideológico e pela perseguição.

Na Facom tinha de tudo. Amassos de alunos numa das salas do terceiro andar, cerveja na cantina (eu preferia o bolo amanteigado de Vovô, que sempre me dava diarreia), porres, mulheres beijando a boca de mulheres, homens gays, muita maconha e colegas bêbados pelos cantos. Era uma putaria só. Não foi lá que me tornei ateu. Não virei viado nem maconheiro e soube conviver com as diferenças naturalmente porque vim de uma família razoavelmente sólida, onde preconceito contra negros, viados e pobres nunca existiu. Havia apenas essas coisas e tudo mais que uma Universidade precisa ter para ser um lugar marcante em nossas vidas intelectuais e profissionais.

E qual foi o saldo disso tudo? A UFBA me fez um cidadão mais crítico em relação às questões principalmente éticas em minha profissão (penso o que discutiríamos sobre os youtubers travestidos de formadores de opinião que cobram para elogiar produtos e induzem as pessoas a comprá-los, por exemplo). Na UFBA, li pra caralho. Lá, encontrei professores espetaculares. Não só em jornalismo e cinema, como em ciências humanas, na unidade de São Lázaro. Nunca fui doutrinado por ideologias de esquerda. Fui, sim, pelo princípio básico da liberdade, da justiça e do respeito. “Viver honestamente, dar a cada um o que é seu e a ninguém ofender”, dizia Ulpiano, séculos antes de Cristo nascer, ao plantar as bases do direito.

A UFBA e todas as universidades que Bolsonaro começa a perseguir são realmente uma ameaça, quando pregam o pensamento livre. Imagine um bando de gente foda de inteligente, de alto nível intelectual, tendo que lidar com a força bruta da estupidez, da mesquinhez, do atraso, da burrice, da paranoia, do pensar restrito. As coisas vão ficar complicadas e o estrago será grande no longuíssimo prazo.

Texto originalmente publicado no Facebook e replicado com autorização do autor