'A universidade pública está ameaçada', diz reitor da Ufba, após novo bloqueio

Desde dezembro, a energia da instituição não foi suspensa devido a uma liminar

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  • Thais Borges

Publicado em 8 de maio de 2019 às 05:00

- Atualizado há um ano

. Crédito: Foto: Betto Jr./Arquivo CORREIO

Já estava difícil. Em dezembro do ano passado, por pouco, a Universidade Federal da Bahia (Ufba) não ficou sem luz. A Coelba, que já tinha suspendido o atendimento de forma pontual em outras ocasiões, tentou interromper o fornecimento de energia em algumas das unidades. 

Na época, a dívida com a fornecedora passava dos R$ 4 milhões e, diante disso, a Ufba impetrou um mandado de segurança para impedir que a suspensão da eletricidade. A instituição já vinha sofrendo com contingenciamentos sucessivos desde 2015. No fim de abril, o Ministério da Educação (MEC) bloqueou R$ 37,3 milhões do orçamento de custeio. Agora, a situação ficou mais dramática: na sexta-feira (3), a Ufba confirmou ter sofrido um novo bloqueio de repasses. 

Agora, a instituição terá R$ 55.906.411 milhões a menos para o ano de 2019. Esse novo bloqueio – que pode configurar um corte, se não houver uma mudança até o fim do ano – aconteceu na última sexta-feira (3), justamente quando outras instituições, como o Instituto Federal da Bahia (Ifba), notaram um bloqueio na casa dos 30% em seu orçamento de custeio. 

Só que, com a Ufba, que já tinha sofrido com as restrições de verba, o percentual poderia chegar a 40% só na rubrica de funcionamento – sem contar a assistência estudantil.“Está ameaçada a universidade pública no país”, afirmou o reitor da Ufba, João Carlos Salles, ao CORREIO, na terça-feira (7).Nesta quarta-feira (8), ele participa, em Brasília, de uma reunião extraordinária da comissão de orçamento da Associação Nacional dos Dirigentes das Instituições Federais de Ensino Superior (Andifes). 

No encontro, os reitores participantes devem levantar os valores totais contingenciados gerais e traçar estratégias para reverter a situação. “Vamos procurar medidas legais, além do diálogo com o MEC, com a Secretaria de Ensino Superior, com o ministro (Abraham Weintraub)”, adiantou. No próximo dia 16, a diretoria da Andifes tem uma reunião marcada com o titular da pasta. 

Três universidades Só no custeio da Ufba, o bloqueio é de R$ 47.703.394 – essa parte do orçamento é destinada ao pagamento de contas de água, luz, telefone, internet, limpeza e vigilância. Além disso, o orçamento de investimento, que estava bloqueado em R$ 5 milhões, passou a ter um bloqueio de R$ 6,2 milhões. Isso corresponde a 42% do total.  

O caso da Ufba é delicado: assim como a Universidade de Brasília (Unb) e a Universidade Federal Fluminense (UFF), a instituição foi apontada pelo ministro Abraham Weintraub como uma das três primeiras a receber o bloqueio devido ao alegado baixo desempenho acadêmico e à suposta ‘balbúrdia’ promovida por elas. 

Depois que as duas justificativas foram criticadas por entidades que representam professores, estudantes e servidores, além de classes, como a Ordem dos Advogados do Brasil – Seccional Bahia, e viraram alvo de investigação da Procuradoria Geral da República (PGR), o MEC voltou atrás. Anunciou que o corte – de 30% – se estendia a todas as universidades e institutos federais. 

Só que, agora, novamente, as três teriam sofrido um bloqueio adicional. “Já que disseram que a gente faz balbúrdia, a nossa balbúrdia é pesquisa, ensino de qualidade e eventos discutindo temas interessantes. A gente ressignificou a palavra, nesse sentido. A universidade pode até ser chamada de terreno de balbúrdia, mas nunca seria de barbárie. A universidade é lugar de ciência, produção de conhecimento”, destacou Salles. Contas a pagar Agora, o pagamento das contas fica ainda mais ameaçado. No caso da luz, por exemplo, de acordo com a sentença, obtida pelo CORREIO, a dívida com a Coelba é superior a R$ 4 milhões e que “não teria sido paga em razão de cortes orçamentários e atraso no repasse de verbas pelo MEC”. 

No texto, a juíza Cláudia da Costa Tourinho Scarpa, titular da 4ª Vara Federal Cível, deferiu a liminar e determinou que a fornecedora não pode suspender a energia por inadimplência, em qualquer unidade da Ufba. 

A juíza cita que, caso a energia seja interrompida na instituição, que tem unidades como “hospitais públicos (incluindo maternidades), restaurantes universitários e faculdades de farmácia, nutrição, odontologia, dentre outras que prestam serviços de saúde à população”, o interesse público poderia ser “irremediavelmente ferido”, chegando a colocar em risco a vida e a saúde dos usuários dos serviços.

O reitor confirmou a situação. Segundo ele, a universidade tem tido dificuldades em alguns contratos – e a luz é um deles. Mesmo com atrasos, porém, a Ufba tem tentado racionalizar e reduzir contratos. 

Agora, com a perspectiva de um orçamento ainda menor, mais contas podem ser afetadas.“A situação que se impõe é muito grave. A nossa capacidade de resposta fica comprometida. Hoje, estamos numa grande cruzada, com mobilização para que a gente reverta isso. Porque, como bloqueio é no orçamento global, vai impactar todo o conjunto de fornecedores”, afirmou Salles. Em nota, a Coelba confirmou que a Ufba obteve uma liminar que impede o corte de energia, mas afirmou que existe uma ação judicial de cobrança contra a instituição – essa, por sua vez, ainda pendente de julgamento. 

Outro lado Através da assessoria, o MEC informou que o bloqueio foi "operacional, técnico e isonômico para todas as universidades e institutos", com um percentual de 30%. Segundo o órgão, a Ufba teve teve R$ 50.404.206 bloqueados - não R$ 55 milhões, como a instituição informou. 

Na tarde desta terça-feira (7), cerca de 200 professores da Ufba se reuniram em assembleia no PAF 1, em Ondina, e aprovaram uma paralisação geral das atividades para a próxima quarta-feira (15), em protesto contra os bloqueios no orçamento. Na mesma ocasião, os docentes decidiram parar também no dia 14 de junho, em adesão ao movimento nacional contra outras medidas, a exemplo da reforma da Previdência.

Confira o posicionamento do MEC, na íntegra:O Ministério da Educação informa que o critério utilizado para o bloqueio de dotação orçamentária foi operacional, técnico e isonômico para todas as universidades e institutos, em decorrência da restrição orçamentária imposta a toda Administração Pública Federal por meio do Decreto n° 9.741, de 28 de março de 2019 e Portaria 144, de 2 de maio de 2019. O bloqueio foi de 30% para todas as instituições.

Nesse sentido, cabe esclarecer que do orçamento anual de despesas da Educação, 149 bilhões de reais, R$ 23,6 bilhões são despesas não obrigatórias, dos quais R$ 7,4 bilhões foram contingenciados por este Decreto. O bloqueio decorre da necessidade de o Governo Federal se adequar ao disposto na LRF, meta de resultado primário e teto de gastos.

O bloqueio preventivo incide sobre os recursos do segundo semestre para que nenhuma obra ou ação seja conduzida sem que haja previsão real de disponibilidade financeira para que sejam concluídas.

Além disso, o bloqueio pode ser revisto pelos Ministérios da Economia e Casa Civil, caso a reforma da previdência seja aprovada e as previsões de melhora da economia no segundo semestre se confirmem, pois, podem afetar as receitas e despesas da União.

Cabe, ainda, destacar que, até o momento, todas as universidades e institutos já tiveram 40% do seu orçamento liberado para empenho.

A Ufba teve R$ 50.404.206 bloqueados. Vale destacar que a Universidade tem 199 milhões de reais previstos na Lei Orçamentária Anual (LOA). Desse valor, 40% foram liberados no início de 2019, para custear despesas até junho. A unidade não utilizou os recursos já  liberados para investimento e tem ainda R$ 665.337 disponíveis para utilizar até junho. Já em custeio a unidade tem disponíveis R$ 42 milhões de reais para gastar até o próximo mês.