Acadêmicos da Princesa: Micareta de Feira tinha escolas de samba, carro alegórico e samba-enredo

Em 1979, Escravos do Oriente venceu o concurso com homenagem à Escrava Isaura

Publicado em 9 de maio de 2021 às 07:00

- Atualizado há um ano

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Último dia de Micareta em Feira de Santana em 1979; ao fundo, carro alegórico (Foto: Sonia/Arquivo CORREIO) Grêmio Recreativo Escola de Samba Escravos do Oriente... DEZ! Consegue imaginar uma apuração de desfiles de escolas de samba, cheio e brilho, rivalidade e samba no pé em plena Princesinha do Sertão? Pois era mais ou menos assim que a Micareta de Feira, hoje cheia de blocos e trios elétricos, de desenrolava há algumas décadas. Na Micareta de 1979, por exemplo, o samba-enredo em homenagem à Escrava Isaura foi o grande vencedor da festa e deu o tricampeonato à Escola de Samba Escravos do Oriente.

Foram 190 pontos conquistados de um júri formado por profissionais da imprensa. O segundo lugar ficou com os Unidos do Padre Ovídio, que homenageou Maria Quitéria naquele ano. O terceiro lugar ficou com a Juventude do Samba, que lembrou o corte da cana de açúcar no Nordeste Brasileiro, mas não conseguiu segurar o ritmo nos 20 minutos de desfile na antiga Rua Monsenhor Tertuliano Carneiro, conhecida como Rua Direta, hoje Rua Conselheiro Franco, no Centro de Feira.

Teve até tentativa de trapaça aquele ano: a Escola Acadêmicos do Samba tentou tapear o júri ao reunir, bem no trecho do desfile que eles observavam, mais gente que já havia desfilado, para fazer um certo volume... Acabou recebendo uma nota mais baixa por isso e ficando em último lugar.

Os Escravos do Oriente, não. Pareciam bastante conscientes de que a vitória vinha naquele ano. “Segundo a organizadora da Escola, Mãe Socorro, os Escravos do Oriente conquistaram o segundo lugar no concurso do Carnaval de Salvador e, em Feira, pretende segurar a primeira colocação, isto é, o tricampeonato da Micareta de Feira”, dizia um trecho da reportagem publicada pelo CORREIO no dia 2 de maio de 1979.

Professor de Educação Física, radialista e pesquisador de música há 31 anos, Edilson Veloso guarda lembranças daquelas micaretas de samba-enredo. E lembra, claro, de Mãe Socorro.“Escravos do Oriente era de uma ialorixá chamada Mamãe Socorro. Eu admirava aquela mulher porque aquilo era a vida dela. Era uma briga ferrenha e com direito a tudo: o samba-enredo, as alas, os passistas, a comissão de frente, mestre sala e porta-bandeira, ala das baianas. Às vezes, homenageavam algumas pessoas de Feira, como foi o caso do ex-jogador Gilson Porto”, conta Veloso.Ele conta que, guardadas as devidas proporções, o desfile das escolas de samba de Feira se aproximava do esquema do Rio de Janeiro. “Feira de Santana tinha uma tradição muito grande escola de samba, ao ponto que vinham pessoas inclusive de Salvador, que também tinha um movimento de escola de samba. E muitos vinham não só para brincar, como para observar. Eu me lembro que foi a primeira vez que eu ouvi a palavra ‘baluarte’ do samba, como se fossem os bambas do samba”, explica.

A festa tinha mesmo muito destaque. Tudo começou em 1937, quando o coletor Maneca Ferreira, criador de carros alegóricos, ficou inconformado com o cancelamento do Carnaval por conta das chuvas na cidade. Propôs, então, que a festa fosse adiada. É claro que todo mundo queria curtir a festa e a proposta foi plenamente aceita – e ficou. De Micareme, nome original inspirado no francês, virou Micareta, numa votação popular anos mais tarde.

Nos domingos e terças-feiras da festa, as pessoas iam para a rua ver “ver o desfile”.“O desfile era uma coisa apoteótica, porque vinha o carro alegórico com as majestades – o Rei Momo, a Rainha e as princesas. E o que me chamou a atenção era que o pessoal levava tudo muito a sério”, lembra Edilson Veloso, que ainda criança foi morar justamente na Rua Direta, onde acontecia o desfile.E nem só de escola de samba vivia a Micareta de Feira: eram blocos, cordões, batucadas, as escolas e os afoxés. O desfile principal contava com o Rei e a Rainha, além das escolas de Samba. “E atrelado a isso tudo tinha o famoso Cordão do Ali Babá e dos 40 Ladrões, que era um luxo”, completa Edilson.

Em 1949, o quinzenário ilustrado Única mostrou o desfile da rainha da Micareta de Feira na capa da edição de maio daquele ano: “Embeleza a capa deste número de ‘ÚNICA’, numa pôse especial e artística da Foto Jonas, por Vivaldo Tavares, a prendada senhorinha Belzay Mascarenhas, com justiça eleita ‘Rainha da Micareta de Feira de Santana’ e que nos últimos festejos ali realizados recebeu do povo feirense as mais expressivas e entusiásticas homenagens e aplausos, figurando no carro alegórico especialmente confeccionado, em Feira, onde dominou a multidão”. Rainha da Micareta de Feira de Santana em 1949, com foto publicada no quinzenário Única, de Salvador (Foto: Hemeroteca Digital da Biblioteca Nacional) Em 1949, o mesmo quinzenário publicou duas páginas com fotos da Micareta – e lá estavam as escolas de samba, junto com afoxés e clubes – como o Inocentes em Progresso e o Cruzeiro da Vitória, ambos de Salvador, participando na festa na Princesa do Sertão. Quinzenário Única de 1949 (Foto: Hemeroteca Digital da Biblioteca Nacional) Naquela festa de 1979 que teve os Escravos do Oriente como campeões, a chuva ajudou a lotar os clubes Cajueiro, Feira Tênis e Euterpe Feirense. Nos anos 1980, nasceu o Grêmio Recreativo Escola de Samba Marquês de Sapucaí, um divisor de águas que deu um novo ânimo às escolas de samba. Mas elas perderam o brilho a partir da década de 1990. Nos últimos anos, um grupo chamado Unidos pelo Samba tenta revitalizar essa micareta das antigas.