'Achava que ia morrer', diz jovem que passou 10 dias internado com covid-19

Pessoas com idades entre 20 e 39 anos representam cerca de 41% dos infectados desde o início da pandemia

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  • Carolina Cerqueira

Publicado em 31 de março de 2021 às 05:45

- Atualizado há um ano

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No dia 17 de março de 2021, João Victor de Souza, repositor de frios de um supermercado, foi o paciente número 2.021 a superar a covid-19 no Hospital Espanhol, em Salvador. O jovem, que tem apenas 24 anos e nenhum fator de risco, é um exemplo de que é possível vencer a batalha contra a doença, mas também deixa o alerta de que o vírus não escolhe idade. Ele precisou receber oxigênio e enfrentou 10 dias de internação. 

“A gente pensa que não vai acontecer com a gente ou que vai ser só uma gripe. Mas, não é assim. Passar por isso que eu passei foi assustador. Muito assustador! Achava que ia morrer a qualquer momento e o desespero só piora tudo”, desabafa João Victor. Ele conta que ficou com mais de 50% do pulmão comprometido e teve muita dificuldade para respirar. 

No dia 11 de março, quando chegou ao Hospital Espanhol, transferido da UPA de Arembepe, em Camaçari, onde mora, foi direto para a UTI. “Quando eu cheguei lá, nem sabia onde eu estava, então isso de estar longe de casa e da família, em outra cidade, também me deixou muito assustado. É muito ruim ficar longe de todo mundo, foi uma experiência muito solitária, muito horrível, que, com certeza, vai me marcar para o resto da vida”, diz João. 

“Tinha um jovem do meu lado que parecia ser até mais novo do que eu. Ele estava muito nervoso, querendo o celular para falar com a filha. Não conseguiram acalmar ele e tiveram que intubar. Eu vi ele ser intubado, tudo isso de madrugada, foi muito assustador. São muitos aparelhos e todos eles fazem muito barulho. A gente não entende o que é aquilo, não sabe o que está acontecendo e não consegue dormir. Os enfermeiros chegaram a colocar tapumes do lado da minha cama para eu não ver o que estava acontecendo com as pessoas”, acrescenta. 

O alívio só veio no último dia 17. A alta, ou melhor, a vitória, foi motivo de festa para a equipe médica. No quarto, João Victor recebeu a visita do musicoterapeuta do hospital, Marcos Barbosa. Cantando e tocando violão, o profissional acompanhou João até a entrada, onde o jovem se juntou à alegria e empolgação da mãe, da tia e também de outros profissionais de saúde da unidade, que seguravam balões compondo o número 2.021.    João Victor recebeu alta no dia 17 deste mês e foi o paciente número 2.021 a se recuperar da doença no Hospital Espanhol (Foto: Divulgação) João Victor se recuperou, mas nem todos os jovens infectados tiveram a mesma sorte. Os casos graves de covid-19 em jovens entre 20 e 39 anos, que representam cerca de 41% da população infectada, não entram mais para as estatísticas de ocorrências raras. Segundo dados divulgados nesta terça (30) pela Secretaria de Saúde da Bahia (Sesab), o número de mortes mensais de baianos nesta faixa etária sofreu um aumento de 447% no comparativo de março deste ano com novembro de 2020. 

Sozinha, a faixa etária de 30 a 39 anos teve uma elevação de 553% no comparativo das mortes ocorridas em novembro de 2020 e março de 2021. Já os jovens entre 20 e 29 anos tiveram um aumento de 250% no mesmo período. “Por serem a base da pirâmide da força de trabalho, naturalmente estão mais expostos a infecção, porém, ao não utilizarem a máscara, se recusarem a manter o distanciamento social e não higienizarem as mãos com frequência, agravam a situação”, afirma o secretário da Saúde da Bahia, Fábio Vilas-Boas.

O secretário ainda alerta para a sobrecarga do sistema de saúde que esse aumento pode causar. "Essa faixa etária entre 20 e 29 anos representa um grande contingente populacional. Mantendo-se essa taxa de transmissão entre os jovens, o número de pessoas precisando de UTI será superior a nossa capacidade de ofertar leitos", destaca.

Sequelas da doença A estudante Laila Soares, de 21 anos, assim como João Victor, também viveu o medo que a covid-19 traz. Ela foi infectada em julho do ano passado, quando os casos graves entre os jovens ainda eram escassos e, até hoje, enfrenta as sequelas deixadas pela covid. Laila conta que a doença já começou com uma febre alta, muita sede e cansaço. “Nunca tive nenhum problema de saúde, não tenho comorbidade, então já fiquei bastante assustada. Com pouco tempo eu já estava com muita dificuldade de respirar, com capacidade de falar reduzida, batimentos acelerados, parecia que eu tinha corrido uma maratona”, relata.

Laila teve que ir para o hospital duas vezes durante a infecção, mas não precisou ficar internada. “Eles me liberaram porque eu tinha oxímetro em casa e pediram para eu ficar acompanhando. Eu pedi desesperadamente para não me internarem porque eu estava com muito medo. Na época, o médico foi bem enfático e disse que tinham jovens sendo internados e que eu também poderia precisar ser, que era para eu ficar atenta a todos os sintomas e voltar caso tivesse qualquer alteração”, diz ela. 

Mas, ficar em casa não foi sinônimo de tranquilidade. “Eu estava isolada no quarto mas com muito medo de contaminar as outras pessoas da minha casa que, inclusive, tinham problemas respiratórios. E eu sentia muita dor no peito, no corpo todo. Muita dor mesmo e estava sempre cansada. Não conseguia dormir, acordava durante a noite sem conseguir respirar direito e muito assustada”, conta. “Foi desesperador, eu achava que iria morrer porque nunca tinha passado por nada perto daquilo que eu estava sentindo. E todas as pessoas mais novas que eu conhecia e que já tinham tido a doença foram assintomáticas ou só perderam o paladar”, acrescenta.

Aos poucos, a oxigenação foi melhorando e Laila foi considerada curada. Mas, o que parecia ser a linha de chegada era, na verdade, o início de mais uma batalha: lidar com as sequelas. Mesmo oito meses após ter tido a doença, a estudante conta que o cansaço permanece até hoje e que ainda não consegue praticar exercício físico ou, até mesmo, subir alguns degraus com tranquilidade. Além disso, sua memória também foi afetada. 

“Nos primeiros dias pós-covid, parecia que a minha memória era constantemente apagada porque eu simplesmente não lembrava do que eu tinha feito no meu dia, não sabia se as coisas tinham acontecido no mesmo dia ou no dia anterior, estava tudo muito confuso. Hoje eu sinto que minha memória ainda não é a mesma, eu tenho dificuldade para assimilar algumas coisas e ainda não consigo fazer muito esforço, nada de exercício físico. Tem sido bem difícil lidar com essas limitações que a covid me impõe até hoje. Parece que com o tempo vai melhorando, mas ainda não sei se, de fato, vou voltar ao meu normal”, diz Laila.

Explicação Professora da Universidade Federal da Bahia (Ufba), a médica infectologista Jacy Andrade aponta os fatores que podem estar causando o aumento do número de jovens infectados e de casos graves na faixa etária entre 20 e 39 anos. “Isso está acontecendo não só aqui em Salvador. É no Brasil todo. São pessoas jovens que estão se infectando mais, em parte pela característica do vírus de maior transmissibilidade das variantes, mas também porque os jovens estão circulando mais, fazendo aglomerações. No geral, os idosos estão mais em casa e já começaram a ser vacinados. Tem a questão do vírus e do comportamento da população”, advertiu a especialista.  

Para o secretário estadual de saúde, Fábio Vilas-Boas, a vacinação também está modificando o cenário do vírus. “Existe uma inflexão do número de óbitos nas faixas etárias mais altas e isso é resultado, ainda que incipiente, da vacinação. É preciso que o Ministério da Saúde acelere o envio de doses, garantindo a imunização da população o mais rápido possível”, ressalta Vilas-Boas. Segundo a Sesab, desde o início da pandemia, já morreram mais de 15 mil baianos e o mês de março de 2021 é o mais letal para todas as faixas etárias, exceto para quem tem 80 anos ou mais.

*Com orientação da chefe de reportagem Perla Ribeiro