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Nelson Cadena
Publicado em 17 de junho de 2021 às 05:00
- Atualizado há um ano
O escritor e folclorista Antônio Vianna que nos legou belas crônicas das festas juninas, em artigos publicados nos jornais, no primeiro trinténio do século XX, reunidos no livro ‘Casos e Coisas da Bahia’, alertava para o sumiço dos berradores de São João, assim denominava os clamadores que madrugada adentro acordavam os vizinhos com a tradicional cantiga “Acorda João”. Os ditos berradores sumiram, assim como as rezadeiras, e cederam espaço inicialmente aos cantores de modinhas. Paralelo às transformações musicais que resultaram no nosso tradicional forró, a culinária se impôs como um dos mais fortes componentes das festas de junho.
A culinária foi relevante nas festas da Conceição da Praia, por mais de um século, menos presente em outras festas populares. Nas festas juninas foi diferente. A culinária se impôs e passou a ser a alma da festa. Podemos dizer que as festas juninas conquistaram os baianos pelo estômago. Dentre as festas populares é a única que nos oferece um kit de intenso prazer: música, dança agarradinho, cores, cheiros, moda, culinária, fora os elementos lúdicos da fogueira e dos fogos de artificio, do inocente traque à temida espada. Nas festas juninas nasceram compadrios e casamentos.
Retomando o fio da meada, as crônicas de Antônio Vianna, o folclorista descreve a culinária das festas, naquela época, com itens da cozinha de origem africana, que não mais fazem parte do cardápio junino: ”Desde pequeno sigo inalterável a tradição. A luta pela aquisição do milho verde, manhã cedo de véspera. Do milho e do coco para a canjica. Das laranjas doces. Da filtração do Jenipapo em licor dourado e saboroso. Da taioba, da língua de vaca para o efó. Dos quiabos tenros para o caruru. Do peixe para a moqueca, quase ao rubro do azeite de dendê e pimenta. Dos preparativos do munguzá. Da pamonha. Dos bolos de carimã e de milho verde. Do vatapá com castanhas de caju...”.
Vianna, prossegue numa narrativa de suas lembranças de infância e adolescência: ... ”Do arremate dos balões e vestimentas de papel, para enchimento das sortes de estalo e de quadrinhas de disparate. Da escolha dos fogos. Vindos de Maragogipe e outros pontos em baú de folha, vendidos na minha infância nos Arcos de Santa Bárbara e nas feiras, sob as vistas dos fiscais da Câmara, e nas casas comerciais do Braga na Piedade, do Júlio Alves, do João Bispo, e do Arsênio dos Santos Pereira. Nos Cobertos. Nesta houve pavoroso incêndio em que morreu carbonizado o saudoso médico Dr. Job de Carvalho”.
Então, descreve a cultura urbana dos fogos e das fogueiras: “Ao entardecer lembra-me o tempo em que os bondes suspendiam o tráfego às cinco horas para não atrapalharem a construção de fogueiras na via pública. Foi o bonde elétrico que acabou com isso... No Castro Neves e no Sangradouro, no Cabral e em Santo Antônio Além do Carmo o fogo campeava. Eram os redutos de fogueteiros profissionais e de curiosos... Os fogos cruzavam os ares, as ruas, penetravam nas casas, os quartos, indo estourar até debaixo das camas. Os combatentes aproximavam-se e, abraçados, punham o foguete acesso à boca, convictos de que não ficariam desmoralizados por uma falha na fabricação”.
Fogos e fogueiras e os sabores de junho que incendiaram e incendiam corações.
*Nelson Cadena é publicitário e jornalista, escreve às quintas-feiras