Acostumada a multidões, cantora italiana conta como é estar em casa há 2 meses

Artista que adotou Bahia como segunda casa conta sua rotina de isolamento no país, um dos mais atingidos pela pandemia do novo coronavírus

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  • Ronaldo Jacobina

Publicado em 25 de abril de 2020 às 10:00

- Atualizado há um ano

. Crédito: Divulgação

Uma das mais importantes cantoras da música italiana da atualidade, Fiorella Mannoia, 66 anos, está cumprindo quarentena há dois meses no seu apartamento em Roma, na Itália.

A artista que há 15 anos passa temporadas de descanso na Bahia, terra que adotou como sua segunda casa, conta com exclusividade ao CORREIO, sua rotina de isolamento e a situação vivida pelo seu país, um dos mais atingidos pela pandemia do coronavírus.

Acostumada a gigantescas plateias, a cantora tem vivido sua rotina de isolamento com o marido, o percussionista e arranjador italiano Carlo Di Francesco, e seus gatos de estimação.

Esta semana, o governo anunciou que vai começar a flexibilizar o isolamento, mas ela acredita que não será de uma vez e que a área do showbizz será a última a voltar a realidade. 

CORREIO: Você está confinada em casa há cerca de dois meses. Como tem sido sua rotina?  Fiorella: Faço todas as coisas em casa: limpar, cozinhar. Ouço música, leio livros que não tive tempo de ler na “outra época”, e todos os dias faço uma live no Instagram, falando com as pessoas, de maneira leve, ou cozinhando com uma colega cantora, com alegria. A televisão dá notícias de morte e, como somos pessoas do espetáculo, continuamos fazendo isso, falando de música, cantando e lendo obras de Eduardo Galeano. (Foto: Divulgação) Quando você se deu conta da gravidade da situação e sentiu a necessidade de se isolar? Antes de o governo determinar, já entendi que ficar em casa era a única maneira de me preservar.  

Como tem se virado? Meu marido vai ao supermercado uma vez por semana, não vejo televisão, só um noticiário por dia. É a única maneira de manter a saúde mental.

Do que mais tem sentido falta? De contato humano. De coisas pequenas, tomar café na cafeteria, comer em um restaurante com amigos, da minha família, falta das coisas simples. 

Tem algum caso da covid-19 na sua família? Felizmente não, mas tenho amigos que perderam os pais. 

E os italianos, como vêm lidando com o confinamento? A gente só se deu conta do perigo muito tarde. Quando começamos a ver as notícias de muitos mortos entendemos que deveríamos ficar em casa. Agora ficamos.   

Você estava em turnê pelo país quando a pandemia chegou. Tem aproveitado esse isolamento para fazer música?  No primeiro momento não queria pensar em trabalho. Agora estou pensando em escrever.   (Foto: Divulgação) Como tem sido sua relação com a música? Ótima! Tenho ouvido muita música. A música é vida e nós precisamos sentir-nos vivos. 

A imprensa brasileira fala que o crescimento de casos e, consequentemente de mortes, na Itália, foi porque as autoridades italianas demoraram de adotar medidas restritivas como o isolamento social. Você concorda com isso? Nós fomos os primeiros depois da China. Ninguém foi preparado para isso, não tinha um protocolo, não tinha nenhuma experiência. Ingenuamente, no início, se achava que fosse um problema ligado, sobretudo à China. Erramos. Agora outros países, como o Brasil, têm a nossa experiência que podem usar. Mas muitos governos ainda hoje preferem proteger a economia ao invés da vida humana! 

Como o governo italiano vem se comportando com questões sociais e econômicas como a perda de empregos, assistência aos carentes, garantia de renda aos desempregados e aos trabalhadores informais? Eles estão discutindo isso. Nosso problema é a burocracia, o câncer do nosso país. Vá ser tudo muito complicado. Eles dizem que farão sim, vamos ver como.

A Itália vem reduzindo o número de mortes. Você acha que o isolamento social foi a causa? Sim, temos que ficar em casa.  

O que mais lhe chocou nesse momento que estamos vivendo?  A nossa fragilidade.  A nossa conscientização de que somos todos ligados nesse curto-circuito global. Pela primeira vez nos percebemos não mais como EU, mas como NÓS. Todos frágeis, perdidos, sozinhos, e agora que não podemos mais nos tocar, nos abraçar nem nos odiar, descobrimos que precisamos uns do outros. Esse microscópico inimigo (o vírus) conseguiu nos fazer sentir, pela primeira vez, moradores de uma única casa, a nossa: A TERRA.  

O que lhe surpreendeu positivamente? A generosidade do meu povo. 

Acha que as pessoas se tornarão melhores? No início nos olharemos com desconfiança. Vai demorar para nós abraçar de novo. Espero que tudo isso nos ensine a mudar o nosso estilo de vida. Porque o vírus é democrático, não conhece etnia, religião, classe social etc, mas quem que vai pagar o preço mais alto é a população mais pobre. 

Que conselhos você daria para os brasileiros que ainda estão circulando nas ruas? Fique em casa. Pela sua vida e pela dos outros.  

Tem planos de voltar à Bahia? Quando tudo acabar, quero voltar a olhar esse mar maravilhoso, ficar na rua com a maior riqueza do Brasil: o seu povo. 

Qual a primeira coisa que você gostaria de fazer quando tudo isso acabar?  Comer uma moqueca na República de Aninha Franco.

O governo italiano vai flexibilizar o isolamento. Qual a sua expectativa?  A área do espetáculo, certamente será a última a voltar a vida normal. Estamos, nós artistas, lutando para sensibilizar o governo para dar algum tipo de ajuda a essas pessoas que dependem da arte para sobreviver. São músicos, bailarinos, pessoal de bastidor, que estão todos sem trabalho. Um fracasso total.