Agradeço. Aceito. Acredito

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  • D
  • Da Redação

Publicado em 8 de janeiro de 2019 às 13:21

- Atualizado há um ano

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Dia 6 de janeiro. Dia de Santos Reis. Dia da gratidão. Assim marca muitos calendários...

Em mim trago outro marca. Aliás, marcas. Algumas visíveis, outras profundas. Há exatamente 1 ano, um tiro disparado por uma dupla de jovens ladrões violentou meu corpo, resvalou no coração (aurículo direito), varou o pulmão direito de cima para baixo até se alojar num vácuo de gases encausadas entre o diafragma e o fígado.

Uma longa lista de ajudas salvaram minha vida:

1 - a rapidez com que meu amigo Aminthas me levou para o IFJ (maior emergência de Fortaleza), me manteve acordado, orientado enquanto tentava me acalmar diante do absurdo do sangue jorrando pelo tórax;

2 - a agilidade e competência da equipe médica em intervir imediatamente, com as presenças providenciais de Plin Plin, amigo anestesista que estava comigo no momento do tiro e também é da equipe daquele hospital, e de Natália, noiva de meu sobrinho, enfermeira de lá, pude receber todos as intervenções médicas necessárias (dupla cirurgia - laparotomia e toracotomia);

3 - os cuidados da equipe do Hospital Montiklinikum, para onde fui transferido no dia seguinte e onde permaneci por 22 dias, 17 dos quais na UTI, enfrentando grave infecção imediatamente após a cirurgia e depois duas intercorrências de embolia pulmonar, causadas por trombose venosa profunda, que teve que receber um filtro na veia cava para aumentar a segurança contra novas embolias e outras possíveis complicações. Preciso destacar que enfermeiros (Liduína, maravilhosa), técnicos em enfermagem, fisioterapeutas, fonoaudiólogos, técnicos em radiologia, TODOS da equipe são qualificados em tratar o paciente com atenção, me olhavam nos olhos, me chamavam pelo nome, havia um cuidado que não era mero protocolo;

4 - a liderança dos cuidados médicos pelo humano incrível que é Dr. Juvencio Paiva Camara Junior, a quem nunca conseguirei expressar toda a gratidão que tenho pela presença e pela acompanhamento estrito de meu caso, agindo com rapidez e assertividade em cada intercorrência;

5 - a corrente de orações, preces, promessas, vibrações, intenções de tantos familiares, amigos, colegas, conhecidos, ex-alunos, tanta gente que de algum modo vibrou positivamente em meu favor e desse modo - pela crença que tenho em energia - sustentou minha vida e me ajudou nessa dolorosa travessia.

Obrigado a cada um. Aos que pude agradecer, reafirmo aqui. Aos que não, digo agora. Obrigado. Não posso marcá-los aqui. São incontáveis mas o que importa é que sabem que estão comigo.

Além disso, ficaram muitas coisas. O tiro me mudou. Óbvio. Uma bala (que ainda está dentro de meu corpo) não atravessa a carne de alguém sem efeitos, sejam efêmeros ou que permanecem sabe-se lá por quanto tempo mais. Fui completamente tomado pela precariedade da vida. Somos um sopro de nada. Nenhuma certeza, nenhuma verdade, nenhum apego de nada valem naquele instante em que a morte nos olha de frente.

Quando saí do coma após 6 dias e me vi entubado, com drenos, fios e toda a parafernália médica me "prendendo” a vida, o primeiro pensamento foi: estou vivo. Só tenho o aqui e agora. Então, decidi: esse momento terá a qualidade que eu der a esse instante. Assim, fui o melhor paciente que eu poderia ser para mim, não reclamei de nada, não achei nada ruim, acolhi cada procedimento e cuidados clínicos como a melhor coisa que poderia me acontecer. Sinceramente. Amorosamente. O objetivo era assegurar que eu vivesse, então, do que reclamar? De uma picada de injeção? Dos remédios dados de hora em hora? Das coletas para exame? Dos banhos dados na maca? Das necessidades fisiológicas realizadas sempre com a ajuda de terceiros? De meu corpo não me pertencendo? Nada disso importava. Eu queria viver. E aqui estou, com muita paciência e serenidade para as coisas que importam mas sem gastar um segundo com bobagem, sobretudo salamaleques e convenções. Danem-se. Tenho sido mais dialógico e procurado ouvir mais, mas também sou mais intransigente com os valores que defendo, pois foram esses valores que sustentaram a confiança que estabeleci com todos que cuidaram de mim. Sobrevivi e sigo em frente. Cicatrizes enormes marcam meu corpo e me lembram quem fui, onde estou e quem posso ser.

Agradeço a vida. Aceito o que aconteceu comigo. Acredito na humanidade.

Sérgio Sobreira é professor da Ufba.

Texto originalmente publicado  no Facebook e replicado com autorização do autor