Alagamentos no Parque São Cristóvão chegam ao terceiro dia

Moradores estão ilhados; segundo a Seman, o problema é causado pela abertura de comportas da barragem Joanes II

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  • Wendel de Novais

Publicado em 22 de abril de 2022 às 17:37

- Atualizado há um ano

. Crédito: Paula Fróes/CORREIO
. por Paula Fróes/CORREIO

Há quatro anos a autônoma Elenise Pereira, 41 anos, monta o que ela mesma chama de 'casa de boneca', na Rua Bate Coração, no Parque São Cristóvão. Uma residência arrumada, com móveis e eletrônicos de primeira que ela e o marido batalharam para comprar e ainda lutam para pagar. Há três dias, no entanto, a água, que não costumava aparecer mesmo com muita chuva, invadiu a casa, estragou móveis e causou um prejuízo ainda incalculável para ela.

Nessa sexta-feira (22), quando a água baixou, Elenise tentava tirar a lama que ficou. Emocionada, relatou dias de desespero. "Tem três dias que eu não sei o que é dormir, só consigo chorar. É a primeira vez que enche, não estávamos esperando. Perdi coisas que vou ter que lutar para recuperar. Foi um desespero, tentei salvar as coisas, mas não deu. Ninguém estava esperando porque só aconteceu por causa da barragem, antes não tinha isso", conta a autônoma.

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A barragem citada por ela é a de Joanes II, localizada entre os municípios de Dias Dávila, Camaçari e Simões Filho. De acordo com a Secretaria de Manutenção da Cidade (Seman), a enchente ocorre devido a um rompimento do cabo de uma das quatro comportas da barragem, que fez o nível da água subir, afetando rios da região e um canal que fica próxima à Rua Norte 2, perto de onde Elenise mora. Ainda de acordo com a secretaria, o reparo no cabo que causou a abertura da comporta já foi feito e os níveis da barragem já estão baixando, devendo atingir valores normais dentro das próximas horas.

A elevação do nível da água e os 180 mm que caíram nos últimos três dias fizeram o canal transbordar, levando água para ruas e casas nas imediações. "A gente colocou o sofá em cima de um bloco, colocamos o hack em cima da cama. Mas as coisas pesadas não teve como. A água invadiu os guarda-roupas, danificou outras coisas. Ela pegou uma altura boa aqui", lembra Elenise.

Embasa responde A Embasa, que administra a barragem Joanes II, nega que o alagamento seja causado pela abertura das comportas, que é um procedimento padrão de segurança da empresa. "Desde que começou a chover na semana passada, as comportas dessa barragem foram abertas e a vazão de água que sai delas é menor do que a vazão da própria calha do rio que passa pelo bairro de São Cristóvão. A Embasa não comunicou a abertura das comportas de Ipitanga 1 à Defesa Civil de Salvador, porque a barragem não atingiu nível de alerta e porque a vazão liberada pelas comportas de Ipitanga não são determinantes para provocar alagamentos nas áreas a sua jusante", disse, através de nota. 

Ainda segundo a Embasa, as barragens e todos os procedimentos existem para evitar alagamentos e não o contrário. "Vale ressaltar que as duas barragens [Joanes e Ipitanga] funcionam como amortecedores de enchentes nas áreas ribeirinhas a jusante. No entanto, quando a enchente ultrapassa a capacidade de amortecimento dessas barragens, é preciso liberar a água do rio para evitar risco de acidentes com impactos muito piores", completa.

Tiago Max, superintendente da Defesa Civil de Lauro de Freitas, cidade que também tem sofrido com os alagamentos, afirmou que o problema é causado pelo nível do Rio Joanes. “A questão é o grande volume de água que nós estamos recebendo de outras cidades, que está deixando o nível do Rio Joanes muito alto. Então, o nosso Rio Ipitanga que corta a cidade e deságua no Rio Joanes, não está conseguindo fluir. Se o rio não consegue escoar, ele vai ocupar as áreas marginais”, relatou, em nota.

Mais problemas O volume de água que invadiu as ruas também afetou a casa de acolhimento Resgate de Cristo, que abriga 30 pessoas, entre idosos e deficientes, que foram retirados de situação de rua. Por lá, onde a casa é mais alta, a água só não invadiu, mas inundou a varanda e deixou quem estava dentro ilhado por três dias, como conta Lucas Cardoso, diretor do local:"Foi por pouco. A varanda ficou cheia de água, os móveis estragaram, e tudo que estava ao redor virou rio. Ficamos assustados, sem saber como tirar eles de dentro. Para conseguir entrar ou sair, tivemos que fazer um caminho de blocos, já que tínhamos que levar mantimentos para dentro", conta ele.Apesar de não ter ferido ninguém, a enchente acirrou problemas que a casa já enfrenta ao passar por uma pandemia. "Agora, as coisas ficaram ainda mais difíceis. Já vínhamos passando por dificuldades para comprar cestas básicas e ganhamos mais uma questão com os prejuízos nos imóveis. É uma soma de fatores que, infelizmente, nos prejudica", diz o diretor, salientando que a casa recebe doações via PIX pelo número (71) 98650-9484.  Chuva alagou bairro por três dias (Foto: Paula Fróes/CORREIO) Filme repetido Ainda em São Cristóvão, na Baixinha de Mussurunga, que fica mais abaixo da região do canal, também houve alagamentos. Por lá, a água invadiu casas já na última segunda-feira (18). Uma situação que, diferente da contada no Parque São Cristóvão, não é nada nova. É isso que relata a trancista Camila Alves, 26, que viu seu salão e sua casa inundados mais uma vez. 

"É um problema recorrente. Entra ano, sai ano e fica no mesmo. No fundo, passa um rio e ele não tem limpeza e drenagem adequadas. Além disso, a população não ajuda, joga lixo, faz casa perto do rio e não tem como a água descer", explica ela.

Camila conta que, desta vez, não perdeu nada porque já está preparada para as inundações quando a chuva vem, mas informa que esse não é o caso de outros vizinhos. "Graças a Deus, hoje eu não perdi nada porque já tenho poucas coisas aqui justamente por isso. Sabendo desse problema, tenho o mínimo para conseguir suspender quando a água chegar. Porém, muitas famílias aqui perderam", afirma ela, que já perdeu diversos itens em enchentes anteriores.

Grávida de 9 meses, Leane Paixão, 30, relata o mesmo sobre a situação da Baixinha de Mussurunga. Nos últimos dias, ficou impossibilitada de sair por causa do nível da água na porta de casa. "Moro aqui desde criança e esse filme se repete. Só recebemos promessas e nada se resolve. Uma semana com essa água na porta da gente. E é esgoto, não é chuva. Sempre alagou, mas cada ano vai piorando. Suspendi minha casa para me proteger, mas já teve época de perder tudo", completa. 

Procurada para falar sobre a situação da localidade, a Seman informou que realiza a limpeza e a drenagem do Rio do Bispo, que corre atrás da Baixinha, de forma anual. No entanto, não soube informar qual foi a última vez que o serviço foi feito por lá. 

*Com orientação da chefe de reportagem Perla Ribeiro