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Kátia Borges
Publicado em 30 de agosto de 2020 às 05:00
- Atualizado há 2 anos
Quando tudo ainda era mato na internet, conectar-se convidava a uma experiência quase transcendental. Conseguir o sinal desafiava a nossa compreensão sobre a impermanência das coisas – nada garantia que o acesso fosse durar mais que cinco minutos. E haja paciência para recomeçar a operação do zero: ligar para a companhia telefônica, colocar o fone no gancho, rezar para dar certo.>
Daí vinha o zumbido, um “vai, não vai” que parecia eterno, até que finalmente surgissem, subindo na tela cinzenta do computador de mesa, os primeiros números e letras. Bingo! Amar era uma conexão discada, como diz o título do livro de Saulo Dourado que, entre encontros e desencontros de adolescentes, tem a história dessa capinagem tecnológica como pano de fundo. Tomo de empréstimo.>
Sim, porque já somos históricos, baby. Nós, os dinossauros, que compramos os primeiros computadores de mesa no começo dos anos 90 e que ainda hoje temos adoráveis amigos que seguem analógicos. “Eu, você, nós dois, já temos um passado, meu amor...”. E ele envolve, desde a era mesozoica, dezenas de disquetes coloridos nas gavetas, nos quais não cabe sequer um arquivo MP3.>
Mas como pareciam velozes as configurações dos primeiros modelos de computadores de mesa, com seus 200 Mhz e 48 MB de memória Ram. Não dominava, e não domino ainda, esses termos tecnológicos definidores da capacidade dos aparelhos. Meus passeios no território, hoje capinado, urbanizado e poluído, da internet é tão distraído quanto as caminhadas que faço na Praça da Igaratinga.>
Se tenho alguma dúvida, peço conselhos ao meu afilhado de 7 anos. Ele costuma pesquisar na internet os preços dos brinquedos, antes de enviar para mim prints e links por mensagem de texto com aqueles que gostaria de ganhar de presente. Aprendi, por exemplo, que o comércio de games desafia os entraves do isolamento. Descem direto nos consoles. Santa tecnologia, Batman!>
Penso nos meus amigos que morreram antes dos anos 2000, que nunca conheceram esse universo de infovias populosas e tráfego de dados. Qual seria a frase que Guilherme escolheria para colocar no perfil do Facebook? Aquela da canção dos Smiths que ele me disse logo que nos conhecemos? Um verso de Florbela Espanca, maybe. O trecho de uma das letras que escrevia para sua banda de rock?>
E Rachel? O que estaria compartilhando em suas redes? Poemas, textos profissionais, memes? Quem sabe, o vídeo do Whitesnake da música que adivinhamos no bar da praia, quando ganhamos uma garrafa de vinho. Is this love. Fazia frio, a chuva inundou a barraca de camping. Penso em Adal e em como foi curta a sua passagem, hoje página-memorial que acumula mensagens de aniversário a cada julho.>