Ana Marcela, a irmã mais nova de toda a Bahia

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  • Gabriel Galo

Publicado em 5 de agosto de 2021 às 05:20

- Atualizado há um ano

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Quem hoje pouco sabe da Travessia Mar Grande-Salvador não consegue imaginar o frisson que era a competição na virada do século. O evento atraía todas as grandes mídias, extensas reportagens eram feitas. Edvaldo Valério era o grande expoente. Aos comuns, os 45 minutos a uma hora de ferry boat fazem com que se tenha a nítida certeza de que quem cai na água pra nadar de Itaparica até a velha cidade da Bahia é meio atrapalhado das ideias. 

Pois no começo dos anos 2000, um fenômeno surgiu. Ainda com 9 anos, Ana Marcela, a menina-prodígio, estampava capas de jornal, encartes de esportes e o que mais surgisse. Foi entrevistada por toda a nata do jornalismo baiano. Alexandre Lyrio conta da entrevista que nunca foi ao ar, ele ainda foca sofrendo com o equipamento precário da TV. Daniela Leone, então, era acompanhante dedicada, que sempre puxava o fio de conversa com Ana Marcela.

Os feitos da nadadora logo ganhariam proporções mundiais. Porque ainda recém-adolescente, passou a dominar a Travessia não apenas entre as mulheres, mas entre todo mundo. Era número 1 disparada, indiscutível. Ela e Allan do Carmo comandavam a nova geração que pedia passagem a Valério e se estabeleciam como superadores do próprio mestre.

E nessa base, os baianos estão há quase duas décadas ouvindo falar de Ana Marcela.

O que se criou, então, foi uma relação de proximidade um tanto incomum. A jovem que cruzava a Baía de Todos os Santos, filha de Iemanjá, menina que é das águas, trazia consigo sonhos e mitologias à mente do povo. E de tanto vê-la, em ainda tão tenra idade, com tanto destaque, baiana retada, criou-se laços de proximidade de toda a gente com Ana Marcela.

Quando o infinito da Baía de Todos os Santos se tornou pequeno para ela, não havia limites de até onde poderia chegar. Em 2008, com apenas 16 anos, chegou a Pequim com expectativa de medalha. O quinto lugar deu a impressão de que o domínio da soteropolitana seria inevitável. E realmente foi. Campeã mundial em sequência, tanto dos 10 quanto dos 25 mil metros, faltava algo na galeria de conquistas: a sonhada medalha de ouro nos Jogos Olímpicos.

Em 2012, sequer se classificou; em 2016, alcançou um decepcionante – para os padrões dela – 10º lugar. Até que em Tóquio, enfim, bateu na linha de chegada com todas atrás de si. Ana Marcela teria a medalha de ouro em Jogos Olímpicos para chamar de sua.

Em Salvador, e por todo canto onde baianos estão, a celebração foi incontida. O gatilho de anos de reportagens solidificando no nosso inconsciente a relevância de Ana Marcela explodiu em alegria. Foi como se alguém da nossa própria família tivesse alcançado a glória maior do esporte. A irmã mais nova de toda uma geração de baianos subia ao ponto mais alto do pódio.

Na entrevista pós-feito, Ana Marcela exibia serenidade ímpar e cansaço nenhum. “Bora mais 10 mil aí? Quem topa?” poderia provocar as adversárias. Nadou como se a Baía de Tóquio fosse, na verdade, a Baía de Todos os Santos onde se formou nadadora, impulsionada pelos estímulos de sua gente com intimidade unilateral, largando em Mar Grande e recebendo os louros da vitória no ponto de chegada salvador. Brocou demais, maninha.  

Gabriel Galo é escritor e nunca nadou 10km de uma vez na vida – e provavelmente nem vai.