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Da Redação
Publicado em 27 de setembro de 2020 às 06:30
- Atualizado há 2 anos
Boate encerrou atividades há mais de dois anos (Foto: Arquivo CORREIO) Algumas das maiores perversões do soteropolitano neste século foram alcançadas na esquina entre a Avenida Octávio Mangabeira e a Rua Goiás, no bairro da Pituba. Ali se podia sentir como o mundo, em luzes neon e gelo seco, oferece a sensação de aconchego, feito à medida dos sonhos e dos mais estranhos desejos humanos.
Com o nome pinçado do Olimpo grego, e abertura no começo do ano 2000, aquele espaço abrigou a Eros Night Club, um empreendimento definido no alvará de funcionamento e nos cuidados para não chocar a tradicional família baiana como “casa de show noturna” – ainda que esta classificação conte apenas meia verdade dos fatos.
Há poucos dias, o antigo prédio começou a ir abaixo, no repique acelerado de uma retroescavadeira. Antes da demolição, a Eros já tinha suspendido permanentemente suas atividades, após entrar em franco declínio, por ampla concorrência e problemas administrativos envolvendo o antigo proprietário.
“No meu período de estudante ali era o destino certo para o fim das noites, principalmente às quintas-feiras. Chegávamos lá às 2h da manhã e sempre tinha umas meninas seminuas em cima do palco. Tinham outras tantas para uma boa conversa, querendo uma boa bebida. Nunca paguei por nenhuma delas. Muita gente, assim como eu, ia apenas pelo ambiente e pela resenha”, conta um administrador, de 34 anos, pedindo que sua identidade seja preservada. Reprodução de vídeo publicado nas redes sociais que mostra momento de demolição (Foto: Reprodução) Entre jovens solteiros (ou nem tanto), os relatos se multiplicam, sempre à sombra do anonimato.
“O diferencial da Eros era a localização. Muitas casas de show são em locais desertos, por conta da discrição. Mas, por conta disso, muita gente tem medo de ir, porque são ruas sem saídas e escuras. A Eros ficava de frente para a praia, mas sua entrada era por uma porta lateral. Juntava duas coisas. Segurança e a pessoa que queria se aventurar na noite não ficava exposta”, relata um advogado, confesso ex-frequentador, de 43 anos.
Para as meninas que pegavam no batente, as quatro letras que compunham o nome Eros encontravam fácil substituição em uma sigla, com mesma quantidade de dígitos: Fies. A boate era encarada por muitas como um crédito de financiamento estudantil no intuito de quitar a faculdade e pagar as despesas do período. É difícil mensurar quantas profissionais da área médica, de exatas, humanas ou artísticas estão hoje no mercado após breve ou demorada passagem no quadriculado palco da orla da Pituba.
Em 2010, há uma década, portanto, este mesmo CORREIO entrevistou uma das acompanhantes da Eros, uma estudante de enfermagem, de então 24 anos. Ela contou que tinha entrado naquele circuito para pagar a mensalidade de R$ 850. Cobrava R$ 150 por vinte minutos de espetáculo. “Tô nisso há um ano. Só quero juntar uma grana para me formar”, disse, na ocasião. Início de noite tranquilo na Eros, antes do seu fechamento (Foto: Alexandre Lyrio/Arquivo CORREIO) Amor e sexo Na imprevisibilidade da noite, no entanto, os objetivos financeiros poderiam facilmente se esvair entre copos de uísques e doses inflacionadas de cerveja (bebidas alcoólicas eram cobradas a preços extorsivos). Não era incomum nascerem paixões entre as meninas e a sedenta clientela – amores intensos de apenas uma tórrida noite; chamas infinitas enquanto duravam, definiria o poetinha.
“Faz uns anos que desci pra lá com a galera da firma, esticando uma confraternização de final de ano, e a filha do chefe, que era estagiária na empresa, colou junto. Em determinado momento da noite, ela subiu no palco pra dançar com uma das garotas da casa. Resultado: a puta se apaixonou por ela, na mesma hora! Prova disso é que um coroa, achando que a filha do meu chefe também trabalhava na casa foi se engraçar com a menina e a puta partiu pra cima dele. Confusão da porra. Logo em seguida, as duas foram embora juntas”, conta um comunicador, de 36 anos.
O amor encapsulado em roupas minúsculas, maquiagem extravagante e requebrado sinuoso tinha seu preço. Um alto preço! Quem desejava levar uma das meninas da Eros para seu regozijo particular precisava tirar a cobra do bolso e separar o dinheiro da moça, a comissão da casa e ainda saldar o pagamento de um dos quartos, mantidos nos fundos da boate.
“Era lá pra coisa de R$ 300, R$ 400 por hora. A depender da moça, podia chegar até R$ 500. Claro que sempre tinha espaço para a lábia. Mas o preço nunca morria abaixo dos R$ 300. Os jovens geralmente só iam lá para beber e olhar as meninas. Não tínhamos dinheiro pra levar nenhuma delas para os quartos”, diz o advogado não identificado. Foto: Antonio Saturnino/Arquivo CORREIO Um corte geracional e geográfico orientava os olhares de interesse. Enquanto os jovens, sempre duros, não tinham dinheiro para bancar o luxo; coroas e gringos faziam o carnaval da ampla escolha e preferência.
“As meninas tinham a malandragem da noite. Quando viam vários jovens juntos, com apenas uma cerveja long neck na mão, sabiam que dali não ia sair nada. Se tinha gringo na casa, todas elas disputavam. Elas não desperdiçavam a dança e o bom papo, só iam naquilo que achavam que era garantido”, conta um representante comercial.
Durante a Copa de 2014 no Brasil, no twitter, o famoso jornalista e escritor cearense Xico Sá receitou aos atletas da Espanha, após estrear na Fonte Nova tomando um sapeca-iaiá da Holanda, que fosse a Eros Night Club para “esfriar a cabeça”. Na opinião do jornalista, apenas as meninas da Eros poderiam mitigar os efeitos do sugestivo placar de 5 a 1, ajudando os atletas da seleção (com uma) espanhola. No Twitter, famoso escritor Xico Sá receita aos jogadores da Espanha que esfriem a cabeça na Eros (Imagem: Reprodução) Crime e castigo Mas não só de rosas e botões viveu a Eros em quase duas décadas de luxúria, balé erótico e hormônios pulsantes. Em 2010, a casa foi cenário de um crime brutal envolvendo Kléber Menezes, ex-vocalista da banda É o Tchan!, e um policial militar, morto após sacar a arma e se atracar com o artista. Três anos antes, uma das garotas da Eros foi assassinada em Via Ipitanga, após deixar a boate para um programa e ser perseguida por homens em um carro.
Nem estes episódios violentos afastaram a freguesia. No Olimpo de Eros, sexo, dinheiro, amor, morte, prazer e perversão conviveram juntos naquela casa de frente para o mar. Uma esquina com saída para o pecado.
Na batida da retroescavadeira, uma legião se despede anônima, sem poder se manifestar o que verdadeiramente viveu naquele espaço. As atividades da Eros nunca couberam em um simples alvará.