Apenas seis bairros de Salvador não têm casos de covid-19; subnotificação preocupa

Dois bairros com mais de cinco mil habitantes não registraram doentes, mas moradores contestam

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  • Daniel Aloísio

Publicado em 17 de junho de 2020 às 05:00

- Atualizado há um ano

. Crédito: Nara Gentil/CORREIO

Dos 163 bairros de Salvador oficialmente reconhecidos em lei, somente seis não têm casos de coronavírus: Aeroporto, Centro Administrativo da Bahia (CAB), Porto Seco Pirajá, Ilha de Bom Jesus dos Passos, Jaguaripe I e Mangueira. Os dois últimos chamam a atenção por ultrapassarem a marca, respectivamente, de cinco e 12 mil habitantes. 

Se comparadas as realidades de Jaguaripe I e Mangueira com a do Retiro, por exemplo, que tem 262 habitantes e 14 casos confirmados, a discrepância dos dados fica evidente. No Retiro, o coeficiente de incidência da covid-19 é de 53,44 casos para mil habitantes, o maior de Salvador.  

Com seus 12 mil habitantes, segundo o censo 2010 do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), a Mangueira está localizada na Cidade Baixa de Salvador, entre Massaranduba, Bonfim, Ribeira e Caminho de Areia. Já Jaguaripe I faz parte da região de Cajazeiras. Ao contrário do que muitos pensam, o local não abriga a praia de Jaguaribe e não fica na orla da cidade.

>> Podcast: Quais são os bairros de Salvador sem nenhum caso de covid-19

Para a pesquisadora Patrícia Lustosa Brito, membro do grupo de pesquisa GeoCombate Covid-19, da Ufba, duas hipóteses podem explicar a situação dos dois bairros, todas relacionadas com a subnotificação: “Quem tem alta renda tem mais acesso aos testes. Por isso, há menos subnotificação para essa população. Tanto a Mangueira como Jaguaripe I não são bairros de rico. Provavelmente, as pessoas de lá dependem do Sistema Único de Saúde”, disse.  

A outra hipótese da pesquisadora é o fato de que, segundo os dados da Secretaria Municipal de Saúde (SMS), a soma dos casos registrados nos bairros de Salvador não corresponde ao total de casos registrados na cidade. No último levantamento feito em 15 de junho, a capital tinha registrados 20.467 casos. A soma dos casos dos bairros, no entanto, é de 17.724. Isso significa que quase 3 mil casos ainda não possuem bairros identificados.  “Onde esses casos estão? Essa é a grande pergunta. O ideal mesmo era que a gente soubesse as ruas, para termos mais precisão na análise dos dados. Tudo isso deveria ser publicado numa planilha online e aberta, o que não é o caso atual. Nós pesquisadores queremos ajudar”, disse a professora Patricia.  A médica infectologista da SMS, Adielma Nizarala, concorda com a hipótese da testagem. “Quanto mais se testa, mais descobre casos. Não dá para testarmos a população toda agora, pois o custo é alto, mas a prefeitura tem se esforçado, como já ocorre nos bairros com medidas restritivas”, disse.  

Realidade  Mesmo os dados mostrando a situação privilegiada da Mangueira e Jaguaripe I, moradores dizem que a realidade é diferente. “Minha sogra e sua neta estão com o coronavírus, em isolamento. Tem pessoas que a gente conhece que pegaram a doença e outras até que já morreram”, garantiu o aposentado Luis Carlos, 69 anos, há 12 morador da Mangueira. 

Para ele, esse erro acontece porque o bairro é considerado uma localidade de Massaranduba, que possui 214 casos de coronavírus. “Na realidade, a Mangueira é uma parte da Massaranduba. Eu moro, por exemplo, numa rua cujo trecho é considerado Mangueira. Mas o documento da casa diz que é na Massaranduba”, afirmou.   

Essa confusão pode afetar o registro dos dados nos bairros, como admitiu a médica da SMS. “Estes casos podem estar entrando na estatística de um bairro maior, que o engloba. Os casos, portanto, existem. Só não se sabe de onde ele pertence. Isso pode realmente estar acontecendo”, disse Adielma. Ela explicou ainda que, quando uma pessoa é testada, o profissional da saúde preenche um formulário e informa vários dados, como o endereço do paciente, conforme o que foi dito pelo próprio doente.  Jaguaripe, na região de Cajazeiras, também não tem casos notificados (Foto: Nara Gentil/CORREIO) Fronteiras 

Os 163 bairros de Salvador foram definidos num Projeto de Lei de 2017 que levou em conta o trabalho 'O Caminho das Águas em Salvador', elaborado por pesquisadores da Ufba e técnicos da Prefeitura e do Governo do Estado. “Não se trata de um problema de reconhecimento ou pertencimento ao bairro, pois consultamos os moradores e eles delimitaram junto conosco”, disse Beth Santos, que coordenou o trabalho. 

Em Jaguaripe I, por exemplo, os moradores entrevistados se reconhecem como membros do bairro e não levantaram o problema que ocorre na Mangueira. “Moro aqui há 20 anos e é Jaguraripe mesmo”, disse o morador Joselito Fernandes, 52.  

Sem se identificar, funcionários do posto de saúde do bairro disseram que lá ainda não teve caso de coronavírus registrado. No entanto, Joselito denuncia que o isolamento social não tem sido muito cumprido. “Na rua principal do bairro, o comércio não para. Conheço um moto-taxi daqui que foi infectado”, avisou.   

Jaguaripe I faz divisa com sete outros grandes bairros de Salvador: Cajazeiras VIII, Fazenda Grande I, Fazenda Grande II, Fazenda Grande III, Fazenda Grande IV, Nova Brasília e Jardim Nova Esperança. Esses dois últimos possuem sozinhos 235 casos registrados, ambos com coeficiente de incidência acima de 5 casos por mil habitantes.  “É uma questão de tempo para o vírus estar em todos os bairros de Salvador. Existem estudos que mostram que, para cada caso descoberto, há entre seis a sete que não foram identificados. É importante que as pessoas fiquem em isolamento, usem máscara e cumpram todas as medidas necessárias”, disse a infectologista da SMS.  Para a pesquisadora Beth Santos, a ausência de população ou o número pequeno de moradores explica o fato de não haver casos registrados no Aeroporto, CAB e Porto Seco Pirajá (único desses que tem habitantes, 72, no caso). Pessoas podem até ter se infectado no local, mas o registro vai para o bairro de moradia.  

Já a ilha de Bom Jesus dos Passos tem pouco mais de mil moradores. “Mas a população da ilha costuma ser flutuante. É preciso ver, atualmente, quantas pessoas estão de fato no local”, disse Santos.

Confira os 10 bairros com menos casos de coronavírus: 

1º lugar: Aeroporto  Casos: 0  População: 0 

2º lugar: CAB  Casos: 0  População: 0 

3º lugar: Porto Seco Pirajá  Casos: 0  População: 72 

4º lugar: Ilha de Bom Jesus dos Passos  Casos: 0  População: 1.465 

5º lugar: Jaguaripe I  Casos: 0  População: 5.487 

6º lugar: Mangueira  Casos: 0  População: 12.310 

7º lugar: Ilha dos Frades  Casos: 1  População: 733  Incidência por mil habitantes: 1,36  Recuperados: 0 

8º lugar: Moradas da Lagoa  Casos: 2  População: 16.189  Incidência por mil habitantes: 0,12  Recuperados: 0 

9º lugar: Boa Vista de Brotas  Casos: 3  População: 2.964  Incidência por mil habitantes: 1,01  Recuperados: 2 

10º lugar: Santa Luzia  Casos: 3  População: 7.702  Incidência por mil habitantes: 0,39  Recuperados: 1 

Confira os 10 bairros com mais casos de coronavírus: 

1º lugar: Pituba (já passou por medida restritiva de isolamento social)  Casos: 625  População: 65.160  Incidência por mil habitantes: 9,59  Recuperados: 223 

2º lugar: Brotas (Já passou por medida restritiva de isolamento social e voltará a ter a partir dessa quinta-feira)  Casos: 597  População: 70.158  Incidência por mil habitantes: 8,51  Recuperados: 224 

3º lugar: Pernambués (já passou por medida restritiva de isolamento social)  Casos: 465  População: 64.983  Incidência por mil habitantes: 7,16  Recuperados: 145 

4º lugar: Fazenda Grande do Retiro (Passa por medida restritiva de isolamento social)  Casos: 425  População: 53.806  Incidência por mil habitantes: 7,9  Recuperados: 139 

5º lugar: Liberdade (já passou por medida restritiva de isolamento social)  Casos: 405  População: 41.802  Incidência por mil habitantes: 9,69  Recuperados: 136 

6º lugar: São Marcos (Passa por medida restritiva de isolamento social)  Casos: 393  População: 28.591  Incidência por mil habitantes: 13,75  Recuperados: 129 

7º lugar: Itapuã (Passa por medida restritiva de isolamento social)  Casos: 379  População: 66.961  Incidência por mil habitantes: 5,66  Recuperados: 108 

8º lugar: Cabula (já passou por medida restritiva de isolamento social)  Casos: 333  População: 23.869  Incidência por mil habitantes: 13,95  Recuperados: 111 

9º lugar: Uruguai (já passou por medida restritiva de isolamento social)  Casos: 305  População: 30.370  Incidência por mil habitantes: 10,04  Recuperados: 122 

10º lugar: Beiru/Tancredo Neves (Passa por medida restritiva de isolamento social)  Casos: 301  População: 50.416  Incidência por mil habitantes: 5,97  Recuperados: 85

* Com orientação da chefe de reportagem Perla Ribeiro