Após cheia do Rio Cachoeira, 82 famílias se alojam em baias de animais em Itabuna

As 242 pessoas começaram a ser retiradas do Parque de Exposições na quinta (30); cidade tem 30 mil pessoas afetadas

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  • Da Redação

Publicado em 31 de dezembro de 2021 às 05:10

- Atualizado há um ano

. Crédito: (Foto: Globoplay/Reprodução)
Cidade de Ubaíra por (Foto: Fernando Vivas/GOVBA)

Com a casa destruída e sem ter para onde ir. Essa é a realidade de milhares de pessoas que perderam o lar nos últimos dias por conta das fortes chuvas que atingem a Bahia. Em Itabuna, cerca de 242 pessoas de 82 famílias buscaram abrigo no Parque de Exposições da cidade, quando o nível do Rio Cachoeira subiu e alagou boa parte do município. Desde de sexta-feira (24), o grupo está vivendo em baias que comportam animais durante exposições. A prefeitura começou o processo de transferência de parte dessas pessoas na quinta-feira (30). 

Tailane Reis, de 27 anos, é uma dos muitos que procuraram, por falta de alternativa, se estabelecer nas baias. A casa em que ela, o marido e o filho de quatro anos moram foi atingida pela enxurrada na sexta-feira da semana passada. A moradora conta que não recebeu auxílio do poder público e teve que, por conta própria, conseguir um barco para retirar alguns móveis de casa. A maioria das pessoas que se alojou no Parque de Exposições Antônio Setenta é de vizinhos da rua de Palha, que fica nas margens do rio.

Quando começou a amanhecer no dia seguinte ao Natal, ela ficou sabendo que o Parque de Exposições, perto do local onde mora, estava recebendo desabrigados e foi com a família para lá. “A gente não tinha para onde ir, perdemos quase tudo, não tenho possibilidade de voltar para a minha casa. Eu não estou aqui porque quero e, sim, porque não tenho para onde ir”, desabafa. As famílias dela e do marido também se estabeleceram no parque nos últimos dias.  Entre adultos, crianças e idosos, cerca de de 242 pessoas ficaram abrigadas no Parque de Exposições de Itabuna  (Foto: Globoplay/Reprodução) Só depois que o grupo realizou um protesto na quarta-feira (29), a prefeitura de Itabuna começou a se movimentar para tirar as famílias de lá, segundo Tailane. “Tivemos que chamar a atenção ou não iríamos sair daqui”, diz. No dia seguinte, a gestão municipal e a Secretaria de Saúde do Estado da Bahia (Sesab) realizaram uma operação conjunta para transferir os moradores que se alojaram no parque e também outras pessoas que estavam abrigadas debaixo do viaduto Paulo Souto. 

De acordo com a prefeitura, há muitos anos, famílias que residem em áreas ribeirinhas dos bairros Maria Matos (rua de Palha), Urbis IV e Nova Itabuna são transferidas para abrigos nos períodos de cheia do rio. Nesses momentos, as baias eram limpas e recebiam lonas para receber os desabrigados e desalojados no parque. 

Porém, como as chuvas do Natal foram as mais fortes registradas em 54 anos, o grupo ficou isolado no local, devido a obstrução de um trecho da BR 415. A secretária estadual de Saúde Tereza Paim e o prefeito Augusto Castro estiveram no parque na quinta-feira para orientar as famílias a serem transferidas para um abrigo montado na Universidade Federal do Sul da Bahia (UFSB), mas muitos ficaram receosos. 

Segundo Tailane, a energia da faculdade estava desligada e na quinta-feira ela foi até o local para ver se valia a pena fazer a mudança. “Fiquei insegura, mas vi como a faculdade está e pretendo ir amanhã (sexta-feira, 31). Preciso tirar meu filho daqui. A prefeitura disse que vai limpar a faculdade e ligar a energia”, explica ela.

Tereza Paim afirmou que o Parque de Exposições não possui as condições sanitárias adequadas. Entre os riscos citados, estão resíduos de animais, pulgas, carrapatos e excesso de umidade. O local também recebeu profissionais da saúde, que realizaram a vacinação contra Hepatite A, Influenza, antitetânica e covid-19.  Famílias sob viaduto nas BRs 101 e 415 recebem assistência da prefeitura na quinta-feira (30) (Foto: Ascom/Prefeitura de Itabuna) A cabeleireira e artesã Samara Ribeiro, de 39 anos, é uma das pessoas que se recusa a sair do alojamento improvisado. Apesar dos riscos, ela afirma que não vai para a UFSB porque é proibido que ela leve os três porcos que conseguiu salvar durante a enxurrada. Além disso, ela, que teve a casa e o comércio do marido destruídos, afirma que no abrigo da faculdade é necessário cumprir regras como não sair do local depois das 18 horas. 

“Já não basta tudo que estamos vivendo e ainda precisamos cumprir regras em abrigos? Eu que não vou ficar aprisionada”, afirmou. Samara também afirma que a faculdade é longe do lugar onde reside e que não quer ficar longe dos seus animais. Além dela, o marido, duas filhas e crianças e outros parentes estão abrigados no parque. Ela disse ainda que, no final da tarde de quinta-feira cerca de 15 famílias já haviam deixado o local.

Gravidade em Itabuna

A situação começou a ficar crítica em Itabuna na madrugada de sexta (24) para sábado (25). Com a chuva torrencial que atingiu o município do sul da Bahia, o nível do Rio Cachoeira subiu nove metros e causou muitos estragos na cidade. Pelo menos 600 famílias chegaram a ficar desabrigadas ou desalojadas. 

Segundo o balanço da Secretaria de Promoção Social e Combate à Pobreza (Semps) divulgado na quinta, a cidade tem 30 mil pessoas afetadas pelas inundações, o que representa 14% do total de moradores. A prefeitura também divulgou que concederá um Auxílio Enchente Municipal no valor de R$ 3 mil para todas as famílias atingidas. Segundo o prefeito Augusto Castro, doações via Pix para a Defesa Civil do município vindas de várias regiões do país e um aporte da gestão totalizaram R$ 6 milhões. Um projeto de lei foi enviado à Câmara de Vereadores para aprovação da proposta. A cidade acumulou em dezembro 372,5mm de chuva, segundo o Instituto Nacional de Meteorologia (Inmet).

O valor supera o acúmulo de precipitações de agosto, setembro e outubro, que é de 253,4mm. A previsão é de que o céu continue encoberto nos próximos dias em Itabuna, mas sem chuvas tão fortes, de acordo com o Centro de Previsão do Tempo e Estudos Climáticos do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (CPTEC/INPE).

Mais uma morte é confirmada; Bahia tem 151 cidades em situação de emergência

Na quinta-feira (30), mais um óbito relacionado às chuvas foi confirmado pela Defesa Civil do Estado (Sudec). Um homem de 45 anos, não identificado, se afogou no distrito do Rio do Baço, na zona rural de Ilhéus. Com esse falecimento, o número de vítimas fatais em decorrência das chuvas no estado subiu para 25.  Resgate feito pelos Bombeiros e PM dos pacientes do Hospital Costa do Cacau em Ilhéus na segunda-feira (27) (Foto: Camila Souza/GOVBA)  O número de municípios com decreto de situação de emergência, que havia caído na quarta-feira (29) para 132, aumentou novamente. Agora são 151, ainda de acordo com a Sudec. A quantidade de feridos também aumentou, o grupo soma 517 pessoas (antes eram 434). Os desabrigados já somam 37.035 e, os que não podem voltar para suas casas são 54.771 no estado. O número total de atingidos é de cerca de 643 mil. 

As localidades com vítimas fatais são: Ilhéus (3), Amargosa (2), Itaberaba (2), Itamaraju (4), Jucuruçu (3), Macarani (1), Prado (2), Ruy Barbosa (1), Itapetinga (1), Aurelino Leal (1), Itabuna (2), São Félix do Coribe (2) e Ubaitaba (1).

Dário Meira sofre com o desabastecimento 

A situação em Dário Meira, no centro-sul baiano, segue muito complicada por conta das chuvas que atingiram a região nos últimos dias. Apesar do nível do Rio Gongogi ter diminuído, o Riacho do Meio, que passa pela cidade, ainda está alto, o que continua preocupando moradores. Mais da metade dos 9 mil habitantes da cidade está desabrigada, são cerca de 4.700 pessoas. O município de Dário Meira na quinta-feira (30) (Foto: Aline Eça) Como grande parte do comércio foi afetado, Dário Meira sofre agora com o desabastecimento de mantimentos, água mineral e remédios. “O comércio perdeu tudo. Estamos comprando alimentos de fora da cidade e recebendo doações. Todas as farmácias também foram afetadas, não temos estrutura nenhuma na cidade”, afirma o prefeito William de Alemão. 

A cidade também está passando pelo desabastecimento de água, o que dificulta a limpeza de residências e de vias públicas. A energia, que havia sido desligada pela Coelba por questões de segurança, há cinco dias, retornou na quinta-feira (30). Segundo o prefeito, cerca de 90% da cidade ficou alagada. 

Voluntários que foram até a cidade na quinta-feira levar doações relataram que a população está, aos poucos, começando a limpeza de suas casas, graças a diminuição do nível da água. Para isso, faltam produtos de higiene e limpeza. Com a falta de medicamentos, os voluntários afirmam que muitos moradores reclamam de dor de cabeça e barriga, além de pressão alta. 

“A situação é a mesma de antes, mas sem tanta água. Estamos vendo os móveis destruídos, as pessoas tirando as coisas de casa. As pessoas tão conseguindo comer com as doações, mas ainda falta água”, afirma a advogada Aline Eça, que mora em Ipiaú e esteve em Dário Meira. 

Previsão do tempo

Depois da chuva extrema que atingiu diversas regiões da Bahia desde a segunda quinzena de novembro, o ano deve terminar com mais sol e menos chuva no estado. Apesar disso, algumas localidades seguem com alerta de chuva forte. Em Porto Seguro, Ilhéus e Salvador devem ser registradas rápidas pancadas de chuva nos próximos dias. Em geral, a região sul terá predomínio de sol até o início da semana que vem. 

Em Juazeiro, poderão ocorrer pancadas de chuva e raios a partir desta sexta-feira (31). Na cidade de Dário Meira, que começa a contabilizar prejuízos com a diminuição do nível da água, a previsão é que aconteçam algumas leves pancadas de chuvas isoladas, até o dia 3 de janeiro. As informações são do Climatempo.

Governo federal nega ajuda da Argentina e Rui Costa rebate

Após a recusa do governo federal em receber ajuda humanitária da Argentina para enfrentar os estragos causados pelos temporais na Bahia, o governador Rui Costa mandou um recado para líderes internacionais no Twitter na quinta-feira (30): “Me dirijo a todos os países do mundo: a Bahia aceitará diretamente, sem precisar passar pela diplomacia brasileira, qualquer tipo de ajuda neste momento”. 

Na quarta-feira (29), o governo federal recusou ajuda humanitária da Argentina para enfrentar os estragos causados pelos temporais no estado. O presidente Jair Bolsonaro, em suas redes sociais, alegou que a ajuda oferecida era “muito cara”. Bolsonaro também ressaltou que o Brasil está aberto a doações e que, inclusive, recebeu barracas de acampamento, cobertores, lonas e purificadores de água da Agência de Cooperação do Japão (JICA).

A negativa pegou de surpresa o governador, que já havia agradecido a ajuda e pedido celeridade no processo. Segundo ele, os argentinos ofereceram o envio imediato de uma missão com dez profissionais especializados nas áreas de água e saneamento, logística e apoio psicossocial. 

O CORREIO procurou o governo estadual para entender como vai funcionar a ajuda direta e sem intermédio da gestão federal, nas doações para as regiões sul, sudoeste e extremo-sul da Bahia, mas não obteve retorno até a finalização desta edição.

Ativista Greta Thunberg faz apelo pelo “SOS Bahia”

A ativista sueca Greta Thunberg, conhecida mundialmente pelas suas ações em favor da causa ambiental, fez uma postagem, na manhã de quarta-feira (29), em apoio às vítimas das chuvas na Bahia. Ela compartilhou, no Twitter, uma reportagem da agência Reuters e destacou um trecho sobre o número de mortos e a situação, que foi classificada como “pior desastre da história do estado”. 

Greta, que tem 18 anos, e o presidente Jair Bolsonaro já protagonizaram trocas de farpas em outras ocasiões. Em setembro, em sessão virtual presidida pela Comissão de Meio Ambiente do Senado, a ativista responsabilizou o governo federal brasileiro pela potencialização da destruição da Floresta Amazônica. Já em 2019, o presidente chegou a chamar Greta de “pirralha”, quando rebateu declaração dela sobre a morte de índios no Maranhão.

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Onde doar

As doações para as regiões do interior do estado continuam chegando. As Voluntárias Sociais da Bahia, que recebem alimentos, água, materiais de higiene e limpeza, já somam mais de 40 toneladas de doações enviadas. O local de arrecadação é o Palácio da Aclamação, no Campo Grande. Já o Corpo de Bombeiros totalizou 620 toneladas de doações até quinta-feira (30). Todos os quartéis da Força estão recebendo doações.

O Governo da Bahia disponibiliza uma chave Pix para que doações em dinheiro sejam realizadas. A conta bancária do Banco do Brasil tem como número de agência 3832-6 (setor público) e conta número 993.602-5, identificada como BA Estado Solidário. Para depósitos via PIX, os doadores devem usar o CNPJ da Sudec - Superintendência de Proteção e Defesa Civil do Estado: 13.420.302/0001-60.

Todos os shoppings de Salvador e o Parque Shopping, em Lauro de Freitas, estão recebendo doações de mantimentos para serem enviados ao sul, extremo-sul e sudoeste da Bahia. A Ordem dos Advogados da Bahia (OAB) também está recebendo doações na rua Portão da Piedade, 16.   O Tribunal Regional do Trabalho da 5ª Região (TRT5-BA) e a Associação dos Magistrados do Trabalho da 5ª Região (Amatra5) realizam a campanha de doações “Solidariedade aos Desabrigados pelas Chuvas na Bahia”. A doação pode ser feita na rua Bela Vista do Cabral, 121.