Após deslizamento, moradores do Barro Branco recebem novas casas

Há cinco anos, barranco cedeu durante um temporal; nove pessoas morreram

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  • Gil Santos

Publicado em 11 de agosto de 2020 às 10:59

- Atualizado há um ano

. Crédito: Gul Santos/CORREIO
. por Gil Santos/CORREIO

O local que foi o cenário de um trágico deslizamento de  encosta, em  abril de  2015, ganhou um novo capítulo, ontem. A comunidade do Barro Branco, na Avenida General San Martin, no Alto do Peru, recebeu um novo conjunto habitacional. Os quatro prédios, com 120 apartamentos, foram erguidos no mesmo local da tragédia e entregues pela prefeitura.  

O conjunto habitacional construído pelo município tem área de 16 mil m², onde também foi realizada a obra de contenção. O projeto desenvolvido pela Secretaria Municipal de Infraestrutura e Obras Públicas (Seinfra) contempla não só moradias, mas um ambiente de reurbanização integrada, composto por quatro torres habitacionais e  equipamentos de lazer. O investimento da prefeitura na obra foi de R$ 12,6 milhões.

No total, são 120 apartamentos, sendo 30 em cada uma das quatro torres. Os prédios receberam nomes de flores: Açucena, Cerejeira, Lotus e Narciso, marcando assim a renovação e a nova fase de vida que se inicia para os moradores do Barro Branco.  Cada um dos  apartamentos é composto por dois quartos, uma  sala, cozinha, área de serviço e sanitário social. Segundo a prefeitura de Salvador, os cômodos atendem aos critérios básicos de moradia, acessibilidade, e de recomendações técnicas.

O prefeito ACM Neto esteve na comunidade ontem, como fez em 2015, e comentou sobre o incidente e a nova estrutura, afirmando que o "coração apertou" quando chegou ao local. "Nunca vou esquecer aquela cena e aquele sentimento. Eles vão me acompanhar para o resto da minha vida", disse, emocionado. "Antes da pandemia, quando me perguntavam qual foi meu maior desafio à frente da gestão da prefeitura, eu não tinha dúvida de responder que foi enfrentar aquela chuva de 2015, conviver com a dor e sofrimento das famílias que foram atingidas em algumas regiões da nossa cidade. Tive a capacidade de mobilizar toda minha equipe de trabalho para dar resposta", afirmou Neto.

Casas foram soterradas pela lama (Foto: Mauro Akin Nassor/Arquivo CORREIO) Recomeço

O técnico de instalações Carlos Augusto dos Santos, 54 anos, é um dos beneficiados pela ação da prefeitura. Além dele, uma de suas filhas  - que estava grávida no dia do deslizamento e que sobreviveu -, e três irmãos que tinham casas no Barro Branco receberam apartamentos no novo conjunto habitacional. São 60 moradores da região beneficiados, e as outras 60 unidades são para pessoas que moravam em outras áreas de risco de Salvador. 

Ele lembra do dia do deslizamento de terra. Conta que tinha acabado de acordar quando o sobrado em que  morava foi engolido pela lama. Ele conseguiu escapar, mas perdeu a mãe, a esposa, a filha e um sobrinho. 

"Foi tudo muito rápido. Eu tive cortes nos lábios, nas costas e nos ombros, mas minha família não sobreviveu. Foram dez anos para construir minha casa e de repente a gente perdeu tudo. É difícil esquecer tudo o que aconteceu, mas o sentimento, agora, é de saudade", contou.

 As cenas dos moradores cavando a terra com as mãos para tentar socorrer os vizinhos que tinham sido soterrados ainda estão vivas na memória de muita gente, e dificilmente serão esquecidas. Era  madrugada chuvosa de uma segunda-feira. Alguns dos moradores estavam começando a levantar para ir trabalhar quando ouviram um som forte, como se fosse um estalo. Quem olhou pela janela viu o barranco de dez metros de altura descer levando  tudo no caminho. Não houve tempo para as vítimas correrem. O acidente provocou a morte de 9 pessoas.

. Moradores ajudam bombeiros nos resgates (Foto: Mauro Akin Nassor/ Arquivo CORREIO)

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Memória A tragédia do Barro Branco entrou para a história das catástrofes provocadas pela chuva em Salvador. Durante dias a cidade parou para acompanhar o trabalho de resgate dos bombeiros. Pessoas de outros bairros formaram grupos de solidariedade para doar roupas e alimentos para quem tinha perdido tudo. Nesta terça-feira, durante a entrega do novo condomínio, a chuva voltou a ameaçar mas, desta vez, não preocupou os moradores que disseram que vão dormir mais sossegados.

A Vila Barro Branco tem também parque infantil, academia de ginástica ao ar livre, quadra poliesportiva, espaço de jogos, pista de cooper, quiosque, espaços de convivência e para plantio de horta comunitária, além de estacionamento. Toda a área conta com pavimentação, acessibilidade, saneamento, mobiliário urbano e paisagismo. O local recebeu itens de sustentabilidade, como energia solar e coleta seletiva.

O hoje vice-prefeito Bruno Reis, era secretário de Promoção Social e Combate à Pobreza na época da tragédia, que deu assistência às vítimas, e depois se tornou secretário de Infraestrutura e Obras Públicas, responsável pela construção do condomínio. Ele se emocionou relembrando o momento, que chamou de "o maior desafio da minha vida pública". "Isso aqui era tudo lama, barro, para todos os lados. Não tinha como não se sensibilizar com aquela tragédia", contou, afirmando que foi até o local logo depois do acidente.

"De lá para cá se passaram cinco anos. Primeiro investimos R$ 13,5 milhões na contenção. Quando o destino me fez voltar à Seinfra, eu disse 'Vou construir a Vila Barro Branco'. Parti para elaborar o projeto, licitamos a obra e aqui está entregue mais R$ 12,6 milhões, primeiro habitacional de Salvador exclusivo para vítimas da chuva", disse. "As noites de pesadelo, sem sono, com medo de ocorrer uma tragédia agora dá espaço para esperança".

A tragédia de abril de 2015 foi a segunda vivida pela comunidade. Em abril de 1996, outro deslizamento de terra, no mesmo local, também soterrou casas, matou 13 pessoas e deixou 300 desabrigados. 

Assim como os moradores, a comunidade foi aos poucos se reerguendo. Primeiro, foram demolidas as casas que após a tragédia de 2015 ainda estavam de pé, mas que apresentavam risco de desabamento. Em seguida, a Superintendência de Obras Públicas (Sucop), órgão vinculado à Seinfra, deu início à contenção da encosta. Ela foi entregue em duas etapas: a primeira, em março de 2017, e a segunda, em outubro de 2018. A obra custou R$ 13,5 milhões. 

E agora, os trabalhadores receberam o novo conjunto habitacional, no que eles acreditam ser o último capítulo dessa história, como concluiu uma mulher. “Não é o fim que a gente gostaria, já que o melhor seria que ninguém tivesse morrido, mas pelo menos temos a sensação de que não fomos esquecidos”.