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Fernanda Santana
Publicado em 9 de fevereiro de 2020 às 05:30
- Atualizado há 2 anos
Miguel não estava pronto. Ainda assim, acordou a mãe de surpresa, às 4h. Aline ficou assustada ao sentir a calcinha encharcada. A bolsa d’água preenchida pelo chamado líquido amniótico, que protegia o bebê, havia acabado de romper. Miguel, aos sete meses, precisava nascer o quanto antes. A estimativa da Secretaria de Saúde da Bahia (Sesab) é de que, a cada dez bebês nascidos no estado, um seja prematuro como Miguel.>
O bebê veio ao mundo às 8h, com 2,1 quilos e 47 centímetros – dois centímetros menor e 400 gramas mais magro que a média. Numa maca já no hospital, Aline Araújo Liberato, 40 anos, lembra de ouvir a obstetra falar para outra outra médica: “Vamos agir rápido”.>
Ao nascer, em 2017, Miguel passou apenas alguns segundos nos braços da mãe e foi levado para a Unidade de Terapia Intensiva (UTI) Neonatal. No ano passado, foram 20.842 partos prematuros - 196.432 bebês nasceram em nove meses, o tempo necessário para o desenvolvimento completo.>
Qualquer bebê que nasce com menos de 37 semanas é prematuro. Abaixo de 32 semanas, a prematuridade é considerada extrema; entre 32 e 35, moderada, como foi o caso de Miguel e é o mais comum nos hospitais, segundo a Sesab; e tardia, de 35 a 37. Fora do útero antes do tempo, os bebês chegam ao mundo sem estarem prontos. Os órgãos e o sistema ósseo e nervoso ainda estão em formação. >
Para ser considerado aborto fetal, o bebê precisa pesar pelo menos 500 gramas quando acontecer a interrupção da gravidez.“Dentro do corpo, ele [o prematuro] recebe tudo através do cordão umbilical. Mas fora, é arriscado, porque ele não está mais protegido e o desenvolvimento vai acontecer de outra forma”, explica a pediatra Ana Paiva. Por isso, os bebês prematuros são levados o quanto antes para incubadoras do UTI. A ideia é recriar o ambiente uterino da mãe. A temperatura é mantida, em média, a 36,5ºC, e a umidade administrada por médicos e enfermeiros. Somente quando o bebê consegue regular a própria temperatura é que ele pode, enfim, ir para seu primeiro berço – mas ainda num hospital. Prematuro ou não, os bebês passam por problemas como a perda de peso depois do nascimento. >
Depois de nascer, o prematuro precisa sobreviver. >
A cada 30 segundos, uma morte Cada semana de gestação é um período específico de desenvolvimento do bebê. A cada sete dias, tudo é diferente. Nas primeiras quatro, o sistema cardiovascular começa a se formar e, nas 28, começam a apresentar movimentos de braços e pernas, por exemplos. Só a partir das 40 semanas o bebê está completamente desenvolvido – se passar dos nove meses, o nascimento é pós-dativo. “Ele não quer sair de jeito nenhum”, brinca a médica Ana.>
Os ossos de Miguel pareciam desconjuntados e ele sequer conseguia movimentar o pescoço. “A capacidade de se desenvolver fora da barriga é diferenciada. Você não pode comparar os estágios de desenvolvimento de bebês prematuros e normais. Ele é mais lentificado”, explica a pediatra Jurema Amâncio, também mãe de um prematuro. O pequeno Miguel, 2 anos, nasceu prematuro de sete meses (Foto: Arisson Marinho) A médica sugere um cálculo: se um bebê nasceu com sete meses, aos dois meses de vida, é como se ele tivesse acabado de nascer e assim por diante. Segundo a Associação Brasileira de Pais, Familiares, Amigos e Cuidadores de Bebês Prematuros, a cada 30 segundos, um bebê morre em consequência do parto antecipado. Nem o Ministério da Saúde, nem a Sesab informaram taxas oficiais de mortalidade de prematuros. >
As gêmeas de Fátima Dultra, 40, nasceram há sete anos, numa gestação de apenas seis meses. As duas pesavam pouco mais de um quilo, tinham 40 centímetros e passaram 40 dias na UTI. “Me assustava o baixo peso e alguns reflexos que elas não tinham. Elas não conseguiam nem mamar, mas insisti até que, uma semana depois, elas começaram”, lembra a mãe. De 2016 a 2019, a Associação Brasileira de Pais, Familiares, Amigos e Cuidadores de Bebês Prematuros constatou que os bebês prematuros chegavam a ficar dois meses internados para conseguir se habituar com a nova vida. Mas não há consenso científico para a pergunta: por que alguns bebês nascem antes do previsto? >
Mistérios A prematuridade costuma ser associada a fatores que, não necessariamente, nem em todos os casos, provocam um parto antes do tempo. A gestação de Miguel, por exemplo, passou sem intercorrências. “Tinha viajado para 15 dias direto – viajava por mais de 15 cidades. Tudo com relatório médico, não parecia ter risco”, lembra Aline, sobre a semana anterior ao parto.>
Os fatores de risco mais citados pelas médicas ouvidas foram a idade das mães, o uso contínuo de medicação na gravidez sem prescrição, situações estressantes e a pressão alta desenvolvida na gestação. Quando a pressão que o sangue faz contra as paredes dos vasos sanguíneos é maior que o normal significa, no caso das gestantes, que o corpo apresenta uma reação inflamatória aos hormônios placentários, explica a médica Jurema Amâncio É como se o corpo recusasse a presença do bebê. >
No caso de situações estressantes, é possível que a liberação excessiva de adrenalina e endorfina causem uma desregulação hormonal. Gestações de gêmeos também são mais arriscadas, já que os bebês compartilham o mesmo espaço no útero e podem dividir, também, a mesma placenta e a mesma bolsa. Os bebês prematuros podem apresentar de problemas neurológicos a cardíacos ou não apresentar problema algum. >
A mãe de Miguel, Aline, é também pesquisadora no campo da neurociência e dos processos neurobiológicos do desenvolvimento da leitura. Ela sabia que, o quanto antes o filho fosse estimulado, maiores as chances de ele apresentar bom desenvolvimento. Desde o nascimento, foi acompanhado por uma neuropediatra e, no dia a dia, os pais incentivavam a coordenação e os impulsos de Miguel. “Todos os bebês precisam ser estimulados. Nunca abri mão disso”, diz Aline.>
Estágios da prematuridade: Qualquer bebê que nasce com menos de 37 semanas é prematuro Abaixo de 32 semanas, a prematuridade é considerada extrema Entre 32 e 35 semanas, é moderada Entre 35 e 37 semanas, tardia>
Elementos que podem levar a um parto prematuro: Pressão alta desenvolvida na gravidez Anemia e infecção urinária Uso abusivo de medicamentos Idade avançada da mãe Estresse>
Prematuros têm maior risco a vírus da pneumonia É a partir de março que começa a circular na região Nordeste o vírus sincicial respiratório (VSR) - um dos principais agentes de infecções do sistema respiratório de crianças que mamam e menores de 2 anos. Pouco conhecido da população, o vírus é o causador, nos prematuros abaixo de 35 semanas, de bronquiolites e pneumonias - doenças responsáveis pela maior parte dos internamentos.>
Bebês prematuros têm maior risco para infecção grave por VSR - já que seus pulmões e o sistema imunológico não são totalmente maduros. >
Para evitar as complicações causadas pelo vírus em bebês prematuros, o Ministério da Saúde disponibiliza para nascidos com menos de 28 semanas o palivizumabe - medicação que já traz o anticorpo contra o agente pronto. A medicação é de alto custo - uma ampola, que pode ser dividida por até duas crianças, a depender do peso - sai por R$ 5 mil. >
“O Ministério da Saúde compra e distribui para as secretarias estaduais. Há um fluxo por estado. Os planos de saúde são obrigados a liberar a medicação - entrou na lista de imunização que deve ser disponibilizada pelos planos desde janeiro de 2018, segundo a ANS [Agência Nacional de Saúde Suplementar]”, explica o pediatra neonatologista e diretor da Sociedade Brasileira de Imunizações, Renato Kfouri, também, presidente do Departamento de Imunizações da Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP). >
Nas crianças prematuras nordestinas, a orientação é de que a primeira dose seja aplicada um mês antes do início da circulação do vírus - a partir da segunda quinzena de fevereiro. Em 2017 - ano do último levantamento na Bahia - foram 585 internações por bronquiolite causada por VSR. No mesmo ano, foram 442 internações causadas pelo VSR. Não há números atualizados.>
“A população deve ficar ciente sobre a importância desse direito. Bebês com menos de 28 semanas no 1º ano de vida devem tomar as cinco doses. Prematuros de 28 a 32 semanas devem receber se nasceram nos 6 meses que antecedem a sazonalidade do vírus (a partir de setembro)”, explica Licia Moreira, membro do Departamento Científico da SBP. Os médicos lembram que mesmo em alta médica, bebês prematuros devem receber a imunização. Pais de bebês prematuros podem saber mais sobre a oferta da medicação em http://bit.ly/InfoPali.Colaborou Mariana Rios>