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Aprovado na Unicamp, jovem da periferia precisa de ajuda


 

João Meireles criou vaquinha para que as pessoas possam auxiliá-lo a custear primeiro mês longe de casa

  • Gil Santos

Publicado em 22/03/2022 às 06:00:00
Atualizado em 19/05/2023 às 23:42:33
. Crédito: Marina Silva/CORREIO

Querer é poder? A matemática simples afirma que dois mais dois é igual a quatro. E de números o estudante João Meireles, 21 anos, entende bem. Desde criança, a área de exatas sempre foi a que rendeu melhores notas na escola. Morador da Boa Vista do Lobato, bairro da periferia de Salvador, ele partiu para Campinas (SP), na segunda-feira (21). João foi aprovado no curso de Engenharia da Computação, na Unicamp, uma das instituições mais concorridas do país. Mas ainda precisa de ajuda.

À primeira vista, essa parece ser uma conta simples. Ele estudou e foi aprovado. Ele quis, ele conseguiu. Porém, o próprio João afirma que a equação é mais complexa do que parece quando a matemática é invadida por problemas que são do campo do social. Para um jovem que teve sérios problemas de saúde, foi reprovado, não teve acesso ao ensino de escolas renomadas e não tinha dinheiro para pagar por cursinhos preparatórios, querer e estudar somente não bastou.

“Precisei de oportunidades. Tive a oportunidade de encontrar professores na rede pública que estavam comprometidos com a educação de seus alunos, que se dedicaram e ficavam felizes com as nossas conquistas. Tive a oportunidade de conseguir ingressar em uma instituição pública de qualidade que me preparou para a faculdade. E tive a oportunidade de ter uma família que me apoiou”, afirma.

Veja como ajudar com a vaquinha virtual. 

O estudante lembra que as fórmulas precisam considerar as variáveis. No início do Ensino Fundamental II, quando a família ainda morava em Simões Filho, na Região Metropolitana, o menino desenvolveu uma pneumonia, que evoluiu para um derrame pleural e resultou em 14 dias de internação e uma asma crônica que o atormenta até hoje. Ele foi reprovado na escola naquele ano.

Depois de deixar o hospital, a família mudou para o Subúrbio de Salvador, e João, o mais velho de três irmãos, foi estudar na Escola Municipal Padre Norberto, em Boa Vista do Lobato. “Depois de ser reprovado, levei um tempo para gostar da escola de novo. Estudava, mas o gosto pelo ensino só veio com o tempo e com a dedicação dos professores”, disse. Amigos se despendem de João, que partiu para Campinas para estudar (Foto: Marina Silva/CORREIO) Ifba No 9º ano a direção da escola resolveu empreender um novo projeto. João estava na sala de aula, com os outros 29 colegas de turma, quando ouviu falar pela primeira vez do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia da Bahia (Ifba). A prova era concorrida, mas a escola e os professores ofereceram uma oportunidade. “Eles montaram um cursinho pra gente. Quem estudava no matutino ficava 1h a mais na escola para assistir às aulas de reforço, e quem estudava no vespertino, o meu caso, chegava 1h mais cedo”, contou.

Apenas nove estudantes aproveitaram a chance. Sete deles foram aprovados no Ifba, incluindo nosso amigo João. Ele ficou feliz, mas, como na matemática nada é simples, havia um novo problema. O jovem queria se dedicar integralmente aos estudos, o X da questão era encontrar uma fórmula para pagar o transporte e a alimentação. Foi a vez do Instituto oferecer uma oportunidade. Foram duas bolsas, uma de auxílio transporte, no valor de R$ 199, e outra de pesquisa, de R$ 299.

“Sou muito grato ao Ifba, porque eles mudaram a minha vida. Lá eu conheci a engenharia, participei de pesquisas, de competição de robótica e fui preparado para a universidade. No primeiro dia de aula, um professor falou para a gente que assistir aula não bastava, que a gente precisava, através das pesquisas, encontrar uma forma de ajudar a melhorar a sociedade e para isso era preciso estudar os problemas da sociedade”, contou.

Esse professor morreu, em 2018. Não conseguiu ver os frutos que ele gerou, mas João garante que ele jamais será esquecido. No ano passado, o jovem foi aprovado na Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). As cotas deram a ele a oportunidade de estudar, mas a família não tinha dinheiro para pagar o transporte, ele não tinha onde ficar e nem recursos para se manter. Desistiu. 

Agora, a Unicamp o aceitou. Mais uma vez ele temeu deixar escapar a oportunidade, mas então a namorada teve a ideia de fazer uma vaquinha virtual. Com a ajuda de amigos e de desconhecidos, ele conseguiu a passagem, mas está preocupado com os primeiros 30 dias, já que o auxílio estudantil só será liberado depois de um mês, e ainda tem o problema da asma em um clima como o de São Paulo. Mesmo assim, ele resolveu arriscar.

A despedida da família no aeroporto foi emocionante, e o jovem partiu confiante, levando na bagagem coragem, dedicação e novas oportunidades. A cena lembrou as palavras de um dos maiores críticos sociais da história da humanidade. O russo Fiódor Dostoiévski (1821-1881) escreveu, em Crime e Castigo, que “para se proceder com inteligência, a inteligência só não basta.”.