Aquele(a) artista que eu gosto vai se manifestar ou ficar em cima do muro?

E afinal, a participação de artistas engaja mesmo o voto jovem?

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  • Da Redação

Publicado em 29 de maio de 2022 às 11:01

- Atualizado há um ano

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Foto: Marina Silva/Arquivo CORREIO Entra eleição, sai eleição e a pergunta sempre volta: aquele(a) artista que eu gosto vai se manifestar ou ficar em cima do muro? A minha cantora favorita (ou meu cantor) apoia o meu candidato ou não? A participação de artistas no campo político institucional não é exatamente novidade e há continuamente uma expectativa sobre essas presenças pela capacidade de engajamento e mobilização que são capazes (ou não) de promover. 

No Brasil, artistas foram importantes agentes contra a ditadura militar e em defesa da democracia, se engajaram nas Diretas Já, se empenharam em campanhas eleitorais de diferentes partidos e candidatos(as). Participaram de showmícios, quando eleitores(as) podiam escutar suas músicas favoritas para além dos discursos. Eventos posteriormente proibidos pela Justiça Eleitoral. 

Neste ano, assistimos a uma intensa mobilização em favor dos votos dos jovens. Artistas como Anitta, Taís Araújo, Leonardo DiCaprio, Mark Ruffalo, entre outros, se posicionaram, pedindo que jovens entre 16 e 18 anos tirassem seus títulos eleitorais, já que o voto para essa faixa etária é facultativo. Resultado: segundo o TSE, entre janeiro e abril deste ano o país ganhou 2.042.817 novos eleitores com essas idades, um aumento de 47,2% em comparação ao mesmo período em 2018.   

Os exemplos não ficam restritos ao Brasil: quando Donald Trump concorreu à reeleição, fãs de kpop (pop coreano) foram ao TikTok para boicotar seus atos de campanha presenciais. A plataforma que é conhecida pelas dancinhas foi um espaço importante para a mobilização frente a um candidato reconhecido por seus comentários racistas e xenofóbicos. Muitos comícios do presidente republicano ficaram esvaziados e parte disso se deu pelo empenho dos kpoppers.

A participação política de um(a) artista não se restringe às eleições. Produtos culturais são capazes de provocar debates e presenças de artistas permitem ver disputas políticas outras que não a eleitoral-institucional. Afinal, como negar a importância, num país com índices alarmantes de LGBTfobia como o Brasil, de uma das principais artistas pop do país ser uma drag queen e uma artista travesti ter sido um dos principais nomes da edição do BBB de 2022? 

É o engajamento identitário mobilizado por esses(as) artistas que faz com que fandoms se mobilizem em torno de determinadas pautas. A cobrança pela presença dos(as) artistas, que citei no início desse artigo, indica que não é exatamente a declaração de voto que importa, mas as pessoas que se identificam com eles(as) e podem se engajar afetivamente e politicamente em determinadas questões. 

Mais do que o posicionamento pessoal, essas presenças permitem entender que a política não é ambiente restrito a estratégias e contas racionais, nem tampouco está circunscrita às institucionalidades, mas que está atravessada por afetos e se desenrola no cotidiano. Afetos sendo compreendidos enquanto engajamentos que passam pelas identidades.  Pabllo Vittar, Anitta, Linn da Quebrada e tantas outras artistas têm mobilizado pessoas que partilham com elas modos de ver e estar no mundo, que se sentem atravessadas por determinadas pautas e experiências.

O destaque que dei a essas artistas não se dá de modo aleatório. Analiso que, desde as manifestações de Junho de 2013 - para além daquilo que foi intensamente discutido sobre o questionamento do modo verticalizado de fazer política institucional -, há em cena a presença (visibilidade e ação) de artistas pertencentes às minorias políticas. 

Mulheres, negras e negros, LGBTQIAP+ que, há décadas, estão à frente das reivindicações políticas no Brasil, se tornam ainda mais presentes nos cenários midiático e político atuais. Não é coincidência a eleição destacada de candidaturas de minorias nas eleições municipais de 2020, mesmo que em número ainda insuficiente na comparação com o que hegemonicamente define a política brasileira (masculina e branca). É, nesse contexto, que um yukê acaba tendo mais força do que determinadas palavras de ordem. 

*Thiago Ferreira é doutor em Comunicação e Cultura Contemporâneas pela UFBA e pesquisador associado ao Centro de Pesquisa em Estudos Culturais e Transformações na Comunicação.