As estrelas do futebol e o Morro do Escravo Inácio

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  • Paulo Leandro

Publicado em 28 de outubro de 2020 às 05:00

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Tão logo cessem os efeitos da pandemia, se um dia comemorarmos juntos este gol de placa, poderia guiá-los ao topo do Morro do Pai Inácio, onde tantas vezes já subi e outras tantas passei, vindo de Lençóis, de manhãzinha, quando lecionava em Seabra.

Não nos é dado pelos olimpianos nem pelas divindades com cara de bicho do Egito o direito de ignorar tratar-se do lugar da plena beleza, mas desta vez, o objetivo do nosso turismo seguro seria uma reflexão sobre o valor doado às estrelas pelo torcedor.

Lá, teremos oportunidade da melhor compreensão do ser-torcedor, contemplando o céu da noite diamantina, de cima do pedregulho sagrado, de onde teria atirado-se o escravo Inácio, fugido dos capangas de seu senhor, apenas por ter amado a filhota do indigitado.

Veremos, então, quantas estrelas a estralar na grande frigideira da noite, umas cadentes, outras nascentes, todas reflexos brilhantes da condição inseparável de fenômenos astrais a tornar misteriosa a inclinação pela vida, limitando-se a ciência a cultuar o ululante.

Consiste na percepção da miudeza a chance de abandonarmos a ilusão de sermos centro do universo. Verifiquemos ter sido o Santos, adversário de domingo, o mesmo da primeira estrelinha, no dia santo – desculpo-me por redundar – de 29 de março de 1960.

O todo sem a parte não é todo, assim como o ‘futilbol’ sem o Bahia sangraria essência suficiente para tornar-se numa substância distinta. Mas, ao subir o Pai Inácio e olhar ao céu, perceberia o tricolor, objetivamente, a dimensão de suas estrelas diante do Kosmo.

A racionalidade, condição divina, poderia abrir a trilha para a terceira das estrelinhas, hoje símbolo de legitimação da honra de um clube, sucessora da coroa de louros de Olympia.

Mais uma vitória do Bahia sobre o Santos vai gerar fantasia da doação do sentido de força e enargueia – vividez intensa da percepção de clareza incontornável do mundo pelos sentidos.

Seis séculos antes de Cristo, Simônides já antecipava-se ao conceito telúrico da banda A Cor do Som, em seu aforismo, por todos conhecido: “pintura é poesia silenciosa: poesia é pintura falante”.

Preservar a si próprio e amar o destino, qualquer seja ele, dosando o sofrimento, argamassa da fortaleza interna, é decisão temperante, diante do inevitável: as coisas acontecem!

O amanhã espreita, as moiras fiandeiras a tecê-lo, algumas vezes intercedendo, como no alimento envenenado oferecido ao Monstro Tifão para garantir o triunfo de Zeus, divindade maior e imanente em cada um de nós.

Bellintani cuida das chances de dar mais recursos a Mano Menezes, a procurar reforços, enquanto o Gigante sofre carga pesada da série de sete jogos sem vencer, distanciando o Decano da Série A em 2021 e aproximando-se arriscadamente da C.

Dos acontecimentos não nos livramos, embora se possa agir com indiferença, ao escaparem do controle, como é comum no futilbol: haveria de se combinar os lances com o adversário, na lucidez lógica do pensador Garrincha, séc. XX d.C. 

Está na dimensão de nossa significância, erguendo as vistas ao céu da Chapada, a chance de voltarmos a crescer, com resignação e trabalho: o Bahia, buscando ampliar enfeites; o Vitória, interrompendo a rota para o submundo.

Paulo Leandro é jornalista e professor doutor em Cultura e Sociedade.