Até 1960, a festa do Rio Vermelho era da elite oficialmente católica

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  • Nelson Cadena

Publicado em 1 de fevereiro de 2019 às 10:00

- Atualizado há um ano

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Os dois maiores acervos fotográficos da Festa de Iemanjá no Rio Vermelho, os de Pierre Verger e o de Marcel Gautherot, e mais os registros das revistas semanais (Cruzeiro e Manchete) das décadas de 1940 e 1950 nos revelam muito mais do que a qualidade dos fotógrafos. As imagens, em todos os planos possíveis - abertos e fechados - nos mostram exclusivamente o povo humilde da Bahia, fazendo fila para a entrega dos presentes e acompanhando a saída dos saveiros e outros barcos com os balaios de flores, muitas flores e outros mimos para a Rainha das Águas.

Significa que a classe média e os endinheirados não participavam do evento. Por que? A festa não era de Iemanjá e sim de Nossa Senhora de Santana, com duração de até duas semanas, abrangia apresentações de bandas militares e filarmônicas, serestas, leilões, apresentação de ternos e ranchos, atividades esportivas, eleição da rainha, desfile de carros alegóricos, desfile de pranchas de bonde, fogos de planta e de artifício e muito mais. O presente a Iemanjá era o lado, inicialmente clandestino, e a partir de 1937 - depois do célebre Congresso Afro-Brasileiro realizado em Salvador - motivo de curiosidade, mas, ainda ignorado pela conservadora família baiana.

Hildergardes Vianna, folclorista, contou em uma de suas memoráveis crônicas das restrições que seu pai lhe fazia em relação a frequentar certos espaços da Festa de Nossa Senhora de Sant’Ana. Um desses espaços era provavelmente a praia do presente à Iemanjá. Existia a repressão familiar e a do governo, que custou a admitir e legalizar os cultos afrodescendentes. O presente a Iemanjá era um evento menor - sem nenhuma divulgação na mídia - da festa dos veranistas do arrabalde, a Festa de Santana. As duas maiores revistas baianas, Renascença e Única, publicavam em fevereiro várias páginas com fotos da festa, nenhum registro de imagem do presente à Iemanjá.

Na década de 1960 é que efetivamente a classe média chega perto e se incorpora ao evento que deixa de pegar carona na festa de Santana para ser um evento exclusivo do Povo de Santo da Bahia. Sem nenhum sincretismo aparente. E se digo aparente é por que não poderia existir data mais sincrética do que 2 de fevereiro, no dia se comemora a Purificação de Nossa Senhora, uma das datas mais importantes da igreja católica no mundo ocidental. Exemplificando que em 2 de fevereiro se celebra o culto a Nossa Senhora da Luz, Nossa Senhora das Candeias e Nossa Senhora da Purificação.

A música e a literatura encarregaram-se de atrair para a festa essa classe média desconfiada e tradicional, através de Dorival Caymmi, que em 1957 popularizou os versos “Dia 2 de fevereiro/É dia de festa no Mar/Eu quero ser o primeiro/A saudar a Iemanjá”, e de Jorge Amado com seus escritos e sua permanente cruzada em favor das nossas raízes culturais. Os órgãos de turismo também fizeram a sua parte.

E se era bom para os turistas, por que não seria para os baianos? Da classe média e de todas as classes.