Atletas relembram dia em que o Bahia bordou sua primeira estrela no peito

O Bahia bordou a primeira estrela de campeão brasileiro no peito, na edição de 1959. Curiosamente, o título aconteceu em pleno aniversário de Salvador, no ano seguinte

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  • Fernanda Varela

Publicado em 29 de março de 2021 às 13:04

- Atualizado há um ano

. Crédito: Nara Gentil/CORREIO

Os mais jovens não estavam lá, não viram nem viveram a emoção, mas batem no peito com um orgulho tão grande quanto o de quem entrou em campo e ergueu a taça. Foi em Salvador, afinal, que um time de futebol bordou pela primeira vez uma estrela de campeão brasileiro acima do seu escudo. E já adianto: o feito foi gigante. Para entrar na história, o Bahia despachou nada menos que o Santos dos craques Pelé e Pepe – O Rei do Futebol e o Canhão da Vila, respectivamente. Quem manja de futebol sabe que não é para qualquer um.

Para quem ainda não conhece essa história, é necessário voltar exatamente 61 anos no tempo para entender como foi que agulha e linha começaram a bordar a primeira estrela do Bahia. Sim, foi justamente no dia do aniversário de Salvador que o tricolor se tornou o primeiro campeão nacional da história.

“Foi um dos momentos de maior glória da minha carreira a conquista da Taça Brasil. Na época, nem era Campeonato Brasileiro. Foi um dos primeiros torneios grandes do Brasil, porque antigamente os campeonatos eram mais disputados por região. E, naquela época, o time do Bahia não tinha pra ninguém. Tanto que ganhou coisa à beça”, lembra o zagueiro Henricão, que hoje tem 86 anos e mora no Rio de Janeiro. Ele é um dos únicos jogadores do time titular que são vivos, junto ao goleiro Nadinho, 90 anos. Henricão está com 86 anos e mora no Rio (Foto: Acervo pessoal) Foi em 1959 que tudo começou. Naquele ano, foi disputada a Taça Brasil, primeira competição nacional do futebol brasileiro, mas o jogo decisivo só aconteceu no ano seguinte. Embora não se chamasse Campeonato Brasileiro, como conhecemos hoje, o torneio é considerado o ‘Brasileirão’ da época. Em 2010, a Confederação Brasileira de Futebol unificou as competições e tornou o reconhecimento oficial. 

Na época, o torneio reuniu os 15 campeões estaduais, além do campeão do Distrito Federal, que na época ainda era o Rio de Janeiro. Além do Bahia, Santos, São Paulo, Vasco da Gama, Atlético-MG, Atlético-PR, Grêmio, Sport, Rio Branco-ES, Hercílio Luz-SC, Auto Esporte-PB, ABC, Ceará, CSA e Tuna Luso disputaram a competição. O formato é diferente do atual Campeonato Brasileiro, que conta com 20 clubes, mas o que chama atenção mesmo é a quantidade de jogos percorridos para colocar a mão no tão sonhado troféu: para o Bahia, foi necessário entrar em campo 14 vezes – hoje em dia, o esquema é de pontos corridos, ou seja, quem pontuar mais nos 38 jogos da competição, leva.

A campanha do Tricolor em 59 foi impecável. Dos jogos que fez, venceu nove, empatou dois e perdeu apenas três. Foram 25 gols marcados, oito deles por Léo Briglia, que também foi o artilheiro do torneio, e 18 sofridos.

Bom, agora que você já entendeu como era a Taça Brasil, vamos entender como foi que o canto que ecoa pelos estádios, do famoso “59 é nosso”, se tornou possível. Bahia e Santos, os finalistas do torneio, duelaram por três vezes até ver quem levantaria o troféu. A primeira foi no estádio santista da Vila Belmiro e deu Bahia, que fez 3x2 com gols de Biriba e Alencar, duas vezes – o Santos descontou com Coutinho e Pepe. No segundo confronto, na Fonte Nova, não deu para parar os craques Pelé e Coutinho, que fizeram um gol cada e garantiram um triunfo por 2x0. Flâmulas usadas nas partidas da Taça Brasil de 59 (Foto: Nara Gentil/CORREIO) Ora, mas se cada um ganhou um jogo, quem levanta a taça? O regulamento previa, à época, um jogo extra, de desempate, realizado em campo neutro. Foram três meses de espera para saber quem seria o campeão, porque o Santos viajou para uma excursão pela América do Sul.

“A Taça Brasil era uma competição muito importante. Naquela época ninguém segurava o time do Santos. A gente viajava muito, excursionava e eu me lembro que quando jogamos esse jogo com o Bahia, a gente vinha de muitas competições, e o Bahia estava lá nos esperando firmes, fortes e com um bom time”, lembra Pepe, hoje aos 85 anos. Além de uma das estrelas do alvinegro naquela época, ele segue com o título de ponta-esquerda que mais marcou gols na história do futebol – 403 pelo Santos e 22 pela Seleção Brasileira, além de ser o segundo atleta que mais balançou as redes pelo alvinegro, atrás apenas de Pelé, com 1.091.

Demorou, mas o grande dia chegou. Coincidência ou não, Salvador já estava em festa mesmo antes da bola rolar. É que o jogo que definiria o campeão aconteceu justamente no dia 29 de março, quando a capital baiana completava 411 anos. Naquela noite, os finalistas, mediram forças no gramado do Macaranã, no Rio de Janeiro. Às 21h, as equipes entraram em campo – para azar do Santos, Pelé foi vetado pelo departamento médico após fazer uma cirurgia nas amígdalas e ficou fora do jogo.

“Chegamos naquele dia muito nervosos, ansiosos. Até o técnico, o time, todo mundo. Quem conseguiu acalmar a gente foi o Dr. Moisés, que era o médico da equipe. Mas, aquele homem não nasceu pra ser médico, não. Nasceu pra ser conselheiro. Acalmou todo mundo e entramos em campo mais calmos. Quando o sangue esquentou na partida, a gente esqueceu do resto. Só queríamos ganhar”, lembra Henricão.

Apesar do importante desfalque, o time paulista entrou confiante e, com 27 minutos de bola rolando, fez o primeiro gol do jogo, com Coutinho. A alegria durou pouco. O Bahia precisou de apenas 10 minutos para empatar com um gol de Vicente e mostrar que não ia dar ousadia para time nenhum jogar água no chope logo no dia de festa em Salvador.  Os times foram para os vestiários com tudo igual no primeiro tempo. Eu não era nascida, mas tenho certeza que naquele dia a terra do dendê concentrou a maior quantidade de gente roendo unha ao mesmo tempo na história dessa cidade. Na volta para o segundo tempo, nem deu tempo para os tricolores que acompanhavam o jogo em Salvador ajeitarem o radinho na orelha: aos 47 segundos, Léo Briglia virou o jogo. Estava tudo certo, mas ainda deu tempo de Alencar fazer o terceiro, aos 31 minutos. É que é o Bahia quem tranquiliza os corações, afinal, segundo os versos dos Novos Baianos.

Foi uma festa danada. Além de se tornar o primeiro campeão brasileiro da história, o Bahia ainda se tornou o primeiro clube do país que disputaria a Libertadores da América. Na volta do time para casa, o aeroporto estava lotado. Faixa do título de 59, distribuída aos atletas à época (Foto: Arquivo CORREIO) “A Bahia já é um lugar onde tudo vira festa, né? Tudo se comemora. É uma alegria só. Tem a lavagem da escadaria, tem dia de Iemanjá, dia de Nossa Senhora de não sei o que. Tudo é festa! Mas, na volta da final, quando a gente chegou, parecia Carnaval de novo. Naquele ano teve dois Carnavais. Foi muita comemoração, muita festa, muita alegria. Nas ruas, tudo era azul, vermelho e branco. E os jogadores, todo mundo conhecia. A gente era tipo celebridade. Futebol era muito diferente naquela época, mas a gente recebeu muito reconhecimento por causa da Taça”, diz Henricão com um sorriso no rosto.

O reconhecimento também veio do adversário, que sabia que naquele dia, nada impediria o Bahia de coroar a festa da sua cidade. “Era difícil ganhar do Bahia. O ataque era forte, com jogadores rápidos, de categoria, e a defesa era alta, chegava junto, era bem composta. Foi um dos melhores times que o Bahia teve na sua história, e coincidiu de cair para o Santos essa disputa final, onde acabamos perdendo. Me lembro que, na ocasião, não demos entrevistas, porque a vitória do Bahia tinha sido inteiramente merecida, não tinha o que dizer. Foi um título excelente para eles e inexpressivo para o Santos, mas o time conseguiu se reerguer e ganhar as outras competições que vieram”, lembra Pepe.

Bahia vai inaugurar museu ainda este ano Claro que a história do título de 59 é muito grande para caber em apenas duas folhas de jornal, mas ainda este ano os torcedores do Bahia terão a chance de se aprofundar e transportar a mente de volta à comemoração de 59. É que o museu do clube, que funcionará na Arena Fonte Nova, já está praticamente pronto, faltando apenas ajustes finais. A data de abertura ainda não foi definida, já que o clube ainda aguarda vistorias e algumas documentações da prefeitura e do Corpo de Bombeiros.  Todos os troféus da conquista de 59 poderão ser vistos no museu do Bahia, que deve ser inaugurado ainda este ano (Foto: Nara Gentil/CORREIO) “Esperamos estar com a documentação pronta ainda no mês de março. Estamos prontos para abrir, em relação a estrutura e possibilidade de cumprir com os protocolos de segurança, mas estamos estudando o melhor momento para isso, por conta da pandemia”, explica Luiz Telles, coordenador do museu.

A estrutura tem 840 m² e fica instalada na antiga abertura da ferradura da Fonte – popularmente conhecida pela torcida como atrás do gol do Dique. São oito espaços divididos em dois grandes blocos: um dedicado ao time e outro à torcida. No local, ficarão expostos troféus, fotografias, camisas antigas e objetos que remetem à tão conhecida fé do torcedor do Bahia.

Em um dos seus salões principais, onde ficam expostos os troféus conquistados pelo clube, os tricolores poderão conhecer um pouco mais sobre o primeiro título brasileiro conquistado pelo time vermelho, azul e branco e chegarão pertinho do troféu que marcou esse feito – ou melhor, troféus.

São cinco, mais precisamente. A grande e imponente taça prateada que todos os tricolores já conhecem está lá. Além dela, há uma em cor ouro velho, réplica do troféu entregue pela Confederação Brasileira de Desportos (CBD); outra taça entregue ao tricolor pelas mãos do então presidente Da República Juscelino Kubistschek; um troféu um pouco menor, concedido pela CBF em 2010, após unificação dos Campeonato Brasileiros; uma taça prateada que o tricolor ganhou de presente do estado de Alagoas pelo feito; e uma taça que o Esquadrão conquistou após vencer o Ceará, na final do chamado Grupo Nordeste.

Autor do livro 'Heróis de 59', o jornalista Antônio Matos conta que a luta para colher material sobre a Taça Brasil foi árdua. “Aqui temos uma história mal preservada. Tive dificuldade principalmente com fotos. No meu livro só tenho foto do jogo Bahia x Sport, e olhe que cheguei a ir em Santos para fazer pesquisa. Na Tribuna de Santos me explicaram que naquela época o fotógrafo costumava ficar com os negativos, muita coisa acabou se perdendo”, conta, ressaltando a importância do Bahia finalmente ter um museu.

Henricão também sabe que os grandes feitos marcam, mas os detalhes ficam pelo caminho. “O Bahia é um time grande e vitorioso. Merece ter um espaço para isso ser lembrado e visitado, não só pelos mais moços. Mas, para torcedores de todas as idades. O Bahia é gigante, e merece ter seus grandes momentos valorizados”. Atletas treinando à época (Foto: Nara Genti/CORREIO) Relembre 59

Ficha técnica: BAHIA 3 x 1 SANTOS (FINAL) Data: 29/03/1960 Local: Maracanã Árbitro: Frederico Lopes Gols:Coutinho 27′, Vicente 37′ / 1º T; Léo 47s ,Alencar 31 / 2º T. BAHIA: Nadinho, Beto, Henrique, Flávio e Nenzinho; Vicente e Mário; Marito, Alencar, Léo e Biriba. Técnico: Carlos Volante SANTOS: Lalá, Getúlio, Mauro, Formiga e Zé Carlos; Zito e Mário, Dorval, Pagão, depois Tite, Coutinho e Pepe

CAMPANHA NA TAÇA BRASIL: Bahia 5 x 0 CSA Bahia 2 x 0 CSA Bahia 0 x 0 Ceará Bahia 2 x 2 Ceará Bahia 2 x 1 Ceará Bahia 3 x 2 Sport Bahia 0 x 6 Sport Bahia 2 x 0 Sport Bahia 1 x 0 Vasco Bahia 1 x 2 Vasco Bahia 1 x 0 Vasco Bahia 3 x 2 Santos Bahia 0 x 2 Santos Bahia 3 x 1 Santos 

* O Aniversário de Salvador é uma realização do jornal Correio com o patrocínio da Wilson Sons, Jotagê e CF Refrigeração e o apoio da Sotero, Salvador Shopping, Salvador Norte Shopping, JVF e AJL.