Bahia é o terceiro estado que menos consome água no país

Índice é comemorado por especialistas, mas não leva em consideração as residências sem acesso à rede de água tratada

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  • Daniel Aloísio

Publicado em 23 de julho de 2020 às 05:15

- Atualizado há um ano

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Na lista dos consumidores mais conscientes, os baianos estão no topo quando o assunto é água. É que de acordo com a Pesquisa Nacional de Saneamento Básico (PNSB) 2017, anunciada nesta quarta-feira pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), a Bahia é o terceiro estado que menos consome água no país.  

No total, são 338,1 litros utilizados por dia em cada economia ativa do estado, isto é, em cada edificação atendida pelos serviços de abastecimento de água. Na Bahia, 90% das economias ativas, ou 3,84 milhões, são residências domiciliares.  

A quantidade de água consumida diariamente por cada economia ativa da Bahia só é maior do que em Goiás (308,4 litros por dia) e Pernambuco (302,3 litros por dia). No Brasil como um todo, o consumo médio diário estava em 420,1 litros por dia. Já Amapá, Pará e Rio de Janeiro são os estados com maior consumo.    (Fonte: IBGE) Considerando que cada residência tem, em média, três moradores, o consumo diário de água por pessoa na Bahia, em 2017, ficava em 112,7 litros por dia. Esse é um valor menor do que a média brasileira, de 140 litros por dia, para cada habitante, e aproximadamente igual ao recomendado pela Organização da Nações Unidas (ONU) de 110 litros por dia. “Esse valor atingido pela Bahia é um dado positivo, pois indica que estamos no índice recomendado. Existem pesquisadores que recomendam um consumo de água até menor do que 110 litros por dia e reduzirmos os gastos é um desafio para um futuro sustentável”, disse a professora Marion Ferreira, do Instituto Federal da Bahia (IFBA), mestre em engenharia ambiental e urbana.  Perdas  O diretor de Águas do Instituto Estadual do Meio Ambiente e Recursos Hídricos (Inema), Eduardo Topázio, também comemorou o valor atingido pelos baianos, mas lembrou da existência de pessoas que vivem em residências que não recebem água tratada regularmente. “Temos muito consumo que não é registrado e, por isso, não entra no registro formal de saneamento”, disse. 

 Ainda de acordo com a pesquisa do IBGE, na Bahia, 47,2% dos 2,6 milhões de metros cúbicos de água que entravam na rede de distribuição diariamente não chegavam a ser consumidos. Esse índice de perdas é acima do verificado no Brasil como um todo (38,9%) e na média da região Nordeste (44,5%).  Rompimento de tubulação provocou vazamento no Dique do Tororó, em Salvador, em abril de 2018 (Foto: Evandro Veiga/Arquivo CORREIO) A Empresa Baiana de Águas e Saneamento (Embasa), que atende a 368 das 417 cidades do estado, explica que há dois tipos de perdas: as chamadas reais, quando se tem problemas na tubulação e reservatórios, e as aparentes, quando os próprios usuários fraudam o sistema, com ligações clandestinas. "Estima-se que as perdas aparentes representem em torno de 30 a 50% das perdas totais, a depender do sistema de abastecimento. A estimativa é que o consumo das ligações irregulares seja cerca de 80% maior do que as ligações ativas regulares", explica a empresa.

Só em 2017, dos 4,97 milhões de domicílios que existem na Bahia, 1,13 milhão (22,7%) não se configura como economia ativa, ou seja, não é atendido pela rede legal da Embasa ou de qualquer outra prestadora de serviço. São mais de três milhões de baianos que não tem sequer o consumo de água registrado, seja por viverem em locais com ligações clandestinas ou por não serem atendidos pelo sistema de saneamento.  De acordo com a Embasa, o consumo de água está associado ao número de habitantes por domicílio e também às atividades desenvolvidas nas regiões, aos hábitos e à cultura dos moradores. "Na Bahia, que tem grande parte do seu território inserido no semiárido, existe uma variação nos hábitos de consumo conforme a disponibilidade hídrica. Assim, o consumo nas regiões litorâneas é maior do que no semiárido. Em geral, os dados de consumo registrados são, na realidade, inferiores ao consumo efetivamente realizado, por diversos fatores, como a ocorrência de fraudes e a submedição do consumo (dado que os hidrômetros tendem a medir o consumo para menos, com o passar do tempo de uso)".

O Distrito Federal e alguns estados brasileiros já conseguiram levar rede de água para mais de 90% da população, como é o caso de São Paulo, Paraná e Minas Gerais. Outros, no entanto, principalmente os da região Norte do Brasil, possuem mais casas sem acesso a água tratada do que com acesso. Confira o ranking no gráfico abaixo. A Bahia ocupa a 13ª colocação.  (Fonte: IBGE) Desigualdade  Nas listas dos estados com mais consumo de água e com mais domicílios sem acesso a rede de água, o Amapá é líder. Para a professora Marion, é o reflexo da desigualdade na distribuição desse bem comum. “Tem pessoas que têm acesso fácil à água e com grande quantidade. Quem tem dificuldade de acesso, prioriza o racionamento. Esse sistema de distribuição não é igual para todos”, afirmou.  

Isso não acontece só no Amapá. “Salvador tem uma oferta de água quase completa, a quase toda população. No interior, essa não é a realidade, principalmente na zona rural, onde é preciso se utilizar de poços, cisternas e outros artefatos”, disse. Segundo a Pesquisa Nacional de Saneamento Básico, em 2017, só oito municípios baianos tinham suas áreas rurais integralmente abastecidas por rede de água e apenas um tem coleta de esgoto em toda a área rural. Sobre essa realidade, a Embasa explica que sua atuação é voltada prioritariamente para a área urbana, "embora haja o atendimento de localidades rurais, quando existe viabilidade técnica para isso". 

Mesmo na capital baiana, quem tem oferta de água precisa ainda lidar com as irregularidades no abastecimento. Na casa da estudante Vanessa Costa, em Fazenda Coutos, há dois tanques que armazenam o líquido para os momentos quase semanais de falta de água. “Já tivemos que ajudar os vizinhos que não possuem essa estrutura”, relembra.  “Tem o lado bom, que é a preservação de um recurso natural, que está escasso. As pessoas de classe social mais alta têm um consumo maior de água, pois utilizam piscina, jardins, veículos que precisam ser lavados. Já vi dados que indicam que o consumo per capita dessas pessoas chega a ser de 600 litros por dia aqui em Salvador, o que é absurdo”, afirma a professora Marion. Campo Alegre de Lourdes    Das 417 cidades da Bahia, uma não possuía qualquer rede de abastecimento de água em 2017: Campo Alegre de Lourdes. O CORREIO não conseguiu contato com a prefeitura da cidade e a assessoria da Embasa disse que o município passou a ser abastecido pela empresa em 2019. 

Na Bahia, quatro em cada 10 cidades (37,2%) não tinham uma residência sequer com esgoto coletado. A estimativa é que 38% de todos os domicílios baianos tivessem efetivamente seu esgoto coletado. Ou seja, a cobertura era a metade da verificada no abastecimento de água, e seis em cada 10 residências (62,0%) não tinham o esgoto coletado. 

Os dados da Pesquisa Nacional de Saneamento Básico, no entanto, mostram também que a Bahia tem avançado tanto no abastecimento de água quanto na coleta de esgoto. Em comparação com a última pesquisa realizada em 2008, o número de municípios baianos com abastecimento de água por rede geral passou de 414 para 416, e a cobertura domiciliar do serviço avançou de 67,4% para 77,3% das residências no estado.  

Já o número de cidades com coleta de esgoto no estado passou de 214 para 262, entre 2008 e 2017, o maior crescimento absoluto registrado em todo o país, no mesmo período. O percentual de domicílios baianos com coleta de esgoto também se ampliou, de 28,7% em 2008 para 38,0% em 2017. 

* Com orientação da chefe de reportagem Perla Ribeiro.