Bahia, minha preta...

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  • Da Redação

Publicado em 23 de maio de 2019 às 05:00

- Atualizado há um ano

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Desde cedo, os versos de Caetano, imortalizados na voz de Gal, não saem das minhas ideias... “Bahia, minha preta, como será se tua seta acerta o caminho e chega lá?”. Amanheci com a notícia de que a população baiana está se dizendo preta, se dizendo mais preta do que branca. Que a Bahia é o único estado brasileiro em que a população que se autodeclara “eu sou preta, trago a luz que vem da noite”, como bem canta Mariene de Castro, é mais representativa do que aquela que se diz branca. Mais de 1 em cada 5 baianos é preto. É, Ana Maria Gonçalves, minha Bahia está se descobrindo preta. Mais uma vez, o berço do Brasil segue dando, como bem diz Gilberto Gil, régua e compasso para o resto do país, a tua seta tá acertando o caminho pra gente chegar lá.

Há quem ache ainda hoje que melhor ser tido como pardo, cor de envelope de carta, do que preto. Não faz uma semana que estava debatendo com atendente do SAC que, sem me consultar, tacou no meu cadastro “pardo”. A contragosto dela e do curso que ela fez na Secretaria de Segurança que ensina como reconhecer a cor do outro, fiz com que ela mudasse a minha para preto. Mais do que cor da pele, do que a quantidade de melanina explicita em minha epiderme, ser preto é uma questão identitária, é como eu me identifico, é uma postura política da qual a cor parda não dá conta. E parece a “Bahia, minha preta”, de 2012 para 2018, voltou a ter essa consciência despertada.

Quando é o outro que diz a nossa cor, sempre estivemos encabeçando as estatísticas mais perversas, do analfabetismo ao desemprego, da fome à morte por falta de atendimento, da mortalidade infantil ao extermínio da juventude negra, da situação de rua ao encarceramento, e por aí vai. Chegar à universidade é exceção. E ainda tem quem torça pelo fim das cotas. Só evocando Bia Ferreira pra dizer em alto e bom tom: “COTA NÃO É ESMOLA”. Sendo preta, os poderes públicos vão precisar enxergar e reconhecer a cor da população baiana em suas ações. Não vai ter como institucionalizar a ideia equivocada de que “aqui no Brasil não existe isso de racismo”.

Políticas, programação e ações afirmativas, de reparação, de igualdade (e devia ser equidade) racial não são esmolas. São formas de assegurar à população preta os meios necessários para que aconteça aquilo que a deputada Érica Malunguinho chama de “reintegração de posse do nosso quilombo”. E isso assusta a branquitude que tem medo de perder seus privilégios, por isso que ainda somos acuados nos dizendo pretos e assumindo os nossos perfis azeviches.

Pra finalizar elevando a autoestima preta, e pra não dizer que não falei de estética, como bem nos lembra Juracy Tavares: “Negro lindo é pleonasmo”.

Chicco Assis é pesquisador e gerente de Equipamentos Culturais da Fundação Gregório de Mattos (FGM)

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