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Ronaldo Jacobina
Publicado em 9 de agosto de 2017 às 06:39
- Atualizado há 3 anos
A Bahia acordou hoje mais triste. Morreu, por volta das 19h30 de ontem, o artista plástico argentino Reinaldo Eckenberger. Radicado na capital baiana há 51 anos, ele sofreu um infarto na segunda-feira e foi conduzido ao Hospital Geral do Estado, onde chegou com vida. Na manhã de ontem, após registrar uma pequena melhora, teve um segundo infarto que o levou a óbito. A pedido dos amigos, a notícia ficou restrita ao seu círculo em respeito ao companheiro do artista que só seria informado da perda na manhã de hoje.>
Um dos artistas mais brilhantes de sua geração, Reinaldo Eckenberger nasceu em Buenos Aires, em 1938 e chegou à Bahia em 1965, cidade que elegeu para viver e que, segundo ele, era o único lugar do mundo capaz de abrigar o barroquismo de sua arte.>
Apesar da paixão pela cidade, sua obra não recebeu influências afro-baianas. Manteve-se fiel ao seu estilo irreverente, crítico e divertido. Na arte e na vida. Sempre bem humorado traduzia esse estado de espírito nas milhares de peças que criou ao longo da carreira. Tudo com muito excesso, tudo muito caótico e sempre carregado de erotismo. Um dos artistas mais brilhantes de sua geração (Foto: Angeluci Figueiredo) “A Bahia hoje está de luto, é uma perda grande para as artes plásticas, para nós artistas e, sobretudo, para nós amigos desse genial artista que adotou a Bahia como sua pátria”, lamentou o colega Leonel Mattos.>
Embora pertencesse a geração de grandes nomes das artes visuais baianas, Eckenberger trilhou seu caminho à margem do glamour que marcou aquela época, distante das galerias. Pela timidez e por discordar do modus operandi do mercado de arte. Sua arte pessoal e, por vezes incompreendida, circulou mundo a fora encantando e assustando gente. Ora criando figurinos e cenografias, ora criando bonecas de pano, uma de suas marcas registradas. A opção por esta via, digamos discreta e solitária, talvez tenha sido a causa de não ter tido a mesma notoriedade de seus contemporâneos. Mas isso não o incomodava. Ao contrário. No atelier-residência no Carmo, Centro Histórico de Salvador produzia suas obras após os passeios diários pelo Taboão e pelas lojas de R$ 1,99 da vida, de onde trazia objetos inusitados que transformava em obra de arte. Sempre ao som da música clássica. Ali, transformava o universal no cotidiano dele. >
“Quero continuar fazendo o me der na cabeça. Sobrevivo da arte, mas não me curvo ao mercado da forma como ele se comporta”, confessou certa vez durante uma entrevista a este jornalista no velho casarão onde era impossível distinguir onde começava o ateliê e onde terminava sua casa.>
Quase meio século depois sem ter sua arte reconhecida como merecia, ganhou uma exposição comemorativa dos 50 anos de carreira no Brasil, no ano passado. A mostra, que reuniu mais de 500 peças, foi um sucesso absoluto pelos centros culturais da Caixa por onde passou. Incluindo Salvador e o do Rio de Janeiro, onde recebeu excelentes críticas e um enorme público.>
Batizada de Reinaldo Eckenberger – Uma Poética do Excesso, a exposição foi uma retrospectiva de sua carreira que trazia um panorama das múltiplas fases e linguagens do artista que foi premiado na primeira Bienal da Bahia e também na Bienal de São Paulo. Dentre as centenas de itens expostos estavam seus divertidos objetos híbridos, por vezes feios, mas sempre carregados de crítica, de contestação, o que o muitas vezes o afastava do público que embora, considerasse interessante, de certa forma receava conviver com aquilo.>
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Procurado pela reportagem, um dos curadores da mostra, o jornalista Claudius Portugal foi pego de surpresa. “Não sabia, difícil dizer assim, de surpresa”, lamentou. Após se refazer do susto, ressaltou a importância do artista que, segundo ele, incorporava toda a vanguarda do século 20. “A obra dele tinhas os movimentos modernistas, cubista, surrealista e até pós-modernista, o que a tornava singular, diferenciada”.>
Se para o Brasil sua obra não teve o reconhecimento merecido, alguns museus do mundo, como o Museu de Arte Bruta, em Paris, tem trabalhos do artista no seu acervo. Ao longo de sua trajetória, expôs individualmente em países da Europa como França e Alemanha, e claro, na capital argentina, sua terra natal.>
“A Bahia sempre foi ingrata com seus artistas porque não os valoriza em vida e, na maioria das vezes, nem após a morte. Eckenberger foi um desses artistas que nunca obteve o prestígio que sua arte mereceu; Ele era único, sua arte era pessoal, crítica, contestadora, absolutamente genial”, diz o artista plástico e crítico de arte Justino Marinho para quem a arte do colega não era para enfeitar, mas sim para contestar.>
Se para os colegas de ofício a perda é imensa para as artes, para os amigos, é irreparável. “Pra mim vai ser difícil não vê-lo todos os dias. Além de um artista extraordinário, Eckenberger era um amigo especial. Sempre bem humorado, brincalhão, mas sempre elegante nas suas palavras e nos gestos. Estou arrasado”, lamentou o arquiteto Paulo Vaz, seu vizinho no Carmo e dono do Cafelier, um dos lugares preferidos do artista no Centro Histórico.>