Bahia tenta recuperar R$ 9,6 milhões investidos em respiradores que não vieram

Operação prendeu três suspeitos de fraude; Bahia receberia 60 dos 300 equipamentos comprados pelo Consórcio Nordeste

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  • Gabriel Amorim

Publicado em 1 de junho de 2020 às 17:51

- Atualizado há um ano

. Crédito: Tiago Caldas/CORREIO

Deflagrada para investigar fraude na compra de respiradores pelo Consórcio Nordeste, a Operação Ragnarok, coordenada pela Secretaria da Segurança Pública da Bahia (SSP), cumpriu nesta segunda-feira (1º) 15 mandados de busca e apreensão, além de três prisões temporárias. Além da Bahia, as ações ocorreram em outras três unidades federativas: São Paulo, Rio de Janeiro e Distrito Federal. 

As investigações da operação, que foi batizada em referência à última batalha de deuses antes do fim do mundo, segundo a mitologia, começaram há cerca de 20 dias, depois que 300 respiradores comprados pelo Consórcio Nordeste - grupo formado pelos nove estados da região - não foram entregues e a empresa contratada se negou a devolver os mais de R$ 48 milhões investidos.

Os detalhes da operação foram apresentados em coletiva de imprensa virtual pelo secretário da SSP, Maurício Barbosa. No encontro, também estavam presentes o procurador-geral do Estado, Paulo Moreno, e a coordenadora do setor de Crimes Econômicos e Contra a Administração Pública, a delegada Fernanda Asfora. 

A compra dos respiradores foi firmada no dia 8 de abril com a empresa HempCare. O contrato previa a entrega dos 300 equipamentos em dois lotes de 150 máquinas, um a ser enviado no dia 18 do mesmo mês e o outro no dia 23. Nenhum dos prazos foi cumprido e, quando o Consórcio solicitou a devolução do dinheiro pago, a empresa se negou a fazer o ressarcimento.

Desses respiradores, 60 unidades seriam trazidas à Bahia e cada um dos demais estados receberia 30 máquinas.O investimento foi feito de forma proporcional ao adquirido por cada estado e o respirador tinha valor unitário de aproximadamente R$ 165 mil. A Bahia teria investido, então, cerca de R$ 9,6 milhões.  

“O Consórcio nos acionou alegando que havia indícios de que não se tratava de uma situação de descumprimento contratual, mas sim de uma fraude, diante não só do descumprimento de prazos, mas das justificativas que vinham sendo dadas pela empresa contratada, se recusando a devolver o recurso e alegando que o dinheiro havia sido usado para aquisição de equipamentos nacionais”, explica Maurício Barbosa. 

Segundo a delegada titular do inquérito e coordenadora do setor de Crimes Econômicos e Contra a Administração Pública, Fernanda Asfora, foram justamente as justificativas da empresa que chamaram atenção e fizeram com que uma investigação fosse iniciada.

“Eles alegaram que os equipamentos haviam sido importados de uma empresa chinesa e, ao longo desse processo, à medida em que os prazos foram sendo descumpridos, eles passaram a alegar que a empresa chinesa não havia entregue a mercadoria porque todos os ventiladores apresentaram defeito. Isso chamou a atenção e as investigações já se iniciaram com foco na existência ou não da negociação com a empresa chinesa”, explicou Fernanda. 

Ultrapassados os prazos de entrega dos dois lotes, o Consórcio fez diversas tentativas para reaver o dinheiro e recebeu diversas promessas e novos prazos de entrega, que nunca foram cumpridos. As investigações apontam que as mesmas pessoas tentaram aplicar o golpe em entidades de diversos setores no país.

A HempCare passou a alegar o uso dos recursos para compra de equipamentos nacionais. Neste momento, uma segunda empresa entrou em cena: a Bio Energy, que fabricaria respiradores nacionais em Araraquara, no interior de São Paulo. “O consórcio recebeu uma comunicação dessa segunda empresa, dizendo que a primeira havia adquirido junto a eles os ventiladores, que estariam prontos para serem entregues, e que serviriam ao cumprimento do objeto do contrato firmado com o consórcio, o que não foi aceito, já que não havia nenhuma tratativa com essa segunda empresa”, detalhou a coordenadora. 

As investigações apontam ainda para a possibilidade de intenção do uso do valor pelas empresas para a fabricação dos aparelhos nacionais, o que não teria chegado a acontecer.

“Houve a intenção de montar um parque industrial para fabricação de respiradores nacionais, mas não houve avanço nas negociações para esse propósito. Além disso, durante o período, descobrimos se tratar da mesma empresa envolvida nas investigações, que estava atuando como se já tivesse respiradores prontos quando, na verdade, estava vendendo respiradores que não são homologados pela Anvisa e sequer estavam produzidos”, destacou o secretário da SSP sobre outra negociação realizada pelo Governo do Estado, que não avançou. 

Investigações Com os 15 mandados cumpridos nesta segunda, a operação culminou na apreensão de documentos, além da quebra de sigilos bancário, fiscal e telefônico de investigados. Foi realizado, ainda, o bloqueio e sequestro de mais de 150 contas, para que o recurso gasto possa ser rastreado. Os sócios das duas empresas foram presos temporariamente. As prisões têm validade de cinco dias e podem ser prorrogadas por mais cinco. Se o inquérito for finalizado nesse período, a justiça pode solicitar que as prisões sejam convertidas em preventivas, com um prazo de duração maior.  

No Distrito Federal, foi presa a sócia fundadora da HempCare, Cristiana Prestes Taddeo, e um outro sócio da mesma empresa. Já no Rio de Janeiro, ocorreu a prisão de Paulo de Tarso, sócio da Bio Energy. Os investigados são esperados na Bahia para que prestem depoimento no inquérito. “A investigação não se encerra aqui. A partir de agora serão feitas análises do material apreendido e as oitivas dos investigados, tanto os que foram presos quanto os demais”, explica Asfora. 

Além do inquérito policial, um procedimento administrativo foi instaurado com a finalidade de apurar irregularidades praticadas pela empresa “Tanto o estado da Bahia quanto o consórcio sempre procuram se cercar de todos os cuidados necessários antes da celebração de qualquer contrato, e foi o que aconteceu também com esse. O valor foi pago antecipadamente diante de uma mudança em procedimentos comerciais, e essa modalidade está prevista em lei, não é uma novidade. Tomamos todas as medidas necessárias, precisamos agora ter muita cautela com as informações coletadas. O que interessa, nesse momento, é recuperar esse dinheiro que foi subtraído lamentavelmente, ao que tudo indica, por uma organização criminosa”, declarou o procurador geral do estado Paulo Moreno, responsável pelas investigações civis e administrativas. 

Equipamento nacional Uma das três pessoas presas na operação, a sócia da empresa HempCare, Cristiana Prestes Taddeo, justificou o não cumprimento do contrato por conta de defeitos apresentados pelo fornecedor no equipamento. Em entrevista à TV Bahia, concedida por telefone na última sexta-feira (29), a empresária chegou a afirmar que devolveria o dinheiro.

“Cancelei (os equipamentos importados) no dia que o Pará recebeu os respiradores quebrados, que era o dia do meu embarque (para a China). Quando aconteceu aquilo, eu liguei na China e cancelei, porque eu pensei que, se esses respiradores chegarem quebrados aqui, eu iria para a cadeia. A gente vai devolver o dinheiro para eles, infelizmente. Eu queria devolver respirador, que é o que eles estão precisando. Mas se eles querem o dinheiro, ok. Vamos devolver o dinheiro”, afirmou. 

Cristiana disse ainda que decidiu investir nos equipamentos nacionais que, por serem mais baratos, seriam mais vantajosos ao consórcio. Ao invés de 300 unidades, a empresa teria oferecido a entrega de 480 máquinas ao grupo de estados. “Eu resolvi investir no Brasil e hoje a gente tem o melhor respirador nacional para UTI. É nosso e é muito mais barato que o importado. Eu cancelei a compra do importado, investi nessa empresa e o consórcio cancelou, não quer receber. Eu não consigo entender o porquê”, disse 

A investigada acrescentou ainda que não acredita ter havido erro e que a mudança no objeto do contrato foi comunicada informalmente ao governo. “Não teve erro nenhum, de nenhum lado. Talvez, na minha ingenuidade, eu deveria ter feito um adendo ao contrato colocando que eu estava entregando respiradores nacionais  Essa comunicação de respiradores nacionais foi feita informalmente”, alegou. 

Passo a passo da operção 8 de abril - celebração do contrato com a HempCare para a compra de 300 respiradores pelo Consórcio Nordeste. O investimento total passa de R$ 48 milhões e a Baha receberia 60 máquinas  18 e 23 de abril -  Prazos para entregas de dois lotes de 150 respiradores em cada e que não foram cumpridas. HempCare se nega a devolver o recurso e diz ter investido em empresa brasileira.  Bio Energy -  Depois da não entrega dos equipamentos, governo recebe comunicado da segunda empresa informando que a compra de equipamentos nacionais teria sido feita com eles e que os equipamentos estavam prontos para entrega. Investigações apontam que esses equipamentos não existem e que também não são homologados pela Anvisa. Operação Ragnarok - SSP é acionada pelo consórcio para investigar possível fraude. Operação cumpre 15 mandados de busca e apreensão realizado apreensão de documentos em quatro estados.  Prisões - Além dos documentos, a operação realizou três prisões temporárias dos sócios das empresas, além da quebra de sigilos  bancário, fiscal, e  telefônico de investigados. Foi realizado, ainda,  o bloqueio e sequestro de mais de 150 contas para que o recurso gasto possa ser rastreado *Com orientação da subeditora Clarissa Pacheco