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Baianas de acarajé recebem cestas básicas após campanha do CORREIO 


 

Profissionais de Madre de Deus, Feira de Santana e Salvador foram contempladas

  • Wendel de Novais

Publicado em 21/08/2020 às 05:30:00
Atualizado em 21/04/2023 às 12:30:05
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Depois de meses de aperto em meio a pandemia, 100 baianas de acarajé tiveram um alívio importante. Isso porque elas receberam, na quinta-feira (20), cestas básicas com alimentos e itens de higiene que estavam faltando na mesa de quem tira o sustento do tabuleiro. A crise atual é tida como nunca vista antes por profissionais com até 50 anos de trabalho preparando acarajé, abará e outras iguarias comercializadas nas famosas e, agora, ausentes barracas de acarajé espalhadas por Salvador e pela Bahia.  Ana Angélica do Carmo Basto, Acarajé da Tia Ana, 47 anos (Foto: Nara Gentil) A ausência das barracas nas ruas - 80% das baianas de acarajé em Salvador não podem trabalhar por fazerem parte do grupo de risco, característica que se repete no interior do estado - tem resultado na falta de alimento e de materiais  básicos de higiene e limpeza para as famílias formadas e sustentadas pelo dinheiro retirado do trabalho de quem produz, senão a mais, uma das iguarias mais importantes do estado baiano. A doação, realizada com recursos retirados da campanha de apoio às baianas do CORREIO e articulada pela  Associação Nacional das Baianas de Acarajé, Beiju, Mingau e Similares (Abam), preencheu lacunas dos armários das baianas e aliviou a pressão que é conseguir alimentos diariamente para família com a única fonte de renda parada.

Nas cestas, que custaram R$ 45,39 cada, foram inseridos itens de alimentação com arroz, feijão, farinha, sal, óleo, café, macarrão, biscoito, soja e materiais de higiene e limpeza como sabão em pó, água sanitária, pasta de dente, sabonete, detergente e papel higiênico. O conteúdo das cestas chega em momento necessário segundo Rita Santos, presidente da Abam. "As baianas estão passando por momentos terríveis sem poder fazer o que gera renda e mantém elas e suas famílias. Depois de mais de quatro meses de pausa para muitas delas, as cestas chegam na hora certa. Para muitas, as coisas estavam insustentáveis", revela.  Liliane Rodrigues, 34 anos. Trabalha como baiana há 20 anos (Foto: Nara Gentil/CORREIO) Renda familiar zerada

É claro que, além das baianas, outras profissões e negócios foram afetados pela redução do fluxo de pessoas nas ruas e a interdição de estabelecimentos comerciais. Mas, no caso específico dessas profissionais, que costumam fazer da família uma equipe que torna possível o funcionamento das barracas e ganha sua parte no lucro advindo das vendas, o baque foi ainda maior. Quando a barraca fica em casa e não há vendas, todos os familiares perdem renda também. O processo, que é executado por uma engrenagem forjada no núcleo família, afeta todos ao mesmo tempo quando é interrompido.

Esse é o caso da maioria das baianas e de Aline da Silva, 28 anos, e Kátia Santos, 39, donas do Acarajé das Irmãs, que fica na Praça Dorival Caymmi. Segundo elas, cada um da família tira o sustento fazendo parte da produção para a barraca, o que fez com que todos ficassem sem renda com a queda do fluxo de clientes por conta do isolamento. "Nossas vendas caíram muito. Não se compara com antes. Perdemos demais com tudo isso. Lá em casa, cada um faz sua parte. Um cata o camarão, outro é responsável pela compra, outro monta a barraca. Com essa crise, a renda de lá, que vem toda do acarajé, deixa de existir", declara Kátia.

Na família das duas, sete pessoas dependem da renda gerada pela barraca. Segundo Aline, mesmo com a barraca aberta, o descontentamento dos clientes com o protocolo que elas passaram a seguir também as prejudica financeiramente. "Os clientes que ainda passam por lá, estão deixando de comprar. Nós tiramos os bancos pra seguir o protocolo direitinho. Mas eles não entendem e acham que não queremos que permaneçam ali. Com isso, param de comprar na nossa mão. Ainda tem essa falta de compreensão para piorar a nossa situação", lamenta. Meire Eloísa Mascarenhas, 74 anos. 60 anos que tira o sustento do tabuleiro (Foto: Nara Gentil/CORREIO) Apesar dos meses difíceis que passaram, as irmãs mostraram muita empolgação ao chegarem no local de distribuição das cestas. "É claro que a gente tá feliz. Essas cestas vão melhorar demais as coisas em casa. Tanto tempo de dificuldade, mas sempre acreditamos que tudo ia melhorar e esse é o primeiro sinal", comemora Kátia. Já Aline agradeceu a todos que contribuíram para que a entrega das cestas fosse possível. "Só tenho que agradecer cada um que se mobilizou para realizar uma doação e ajudar com o que era possível. Deixo meu agracimento e o meu desejo que cada um seja recompensado pela atitude", disse.

Ana Angélica do Carmo, 47, que trabalha fazendo acarajé desde os 12 e reside em Feira de Santana, vive uma situação parecida com a das irmãs. "Na minha casa, são oito pessoas que dependem do trabalho de venda de acarajés. Meu marido, meus filhos, meus netos. Todos estão envolvidos de alguma forma e foram afetados por essa que é a pior crise financeira e de falta de vendas nos meus 35 anos de trabalho. Tem faltado muita coisa e estamos com sérias dificuldades para comprar o básico para nossa sobrevivência", conta Ana.

Perguntada sobre o que a cesta representava para ela, Ana disse que os itens dariam paz ao seu coração. "A sensação é de alívio. Sinto como se um peso fosse tirado da nossas costas. O momento é um dos mais complicados para todos, não só pelas baianas. Acho que muita gente sabe o que é esse peso que estou falando. Espero que muitos conheçam o alívio que sinto hoje com esse auxílio chegando pra gente", afirma.

Situação difícil no interior

Das 100 cestas básicas distribuídas, 74 foram direcionadas para baianas de acarajé que vivem em Madre de Deus e Feira de Santana.  Segundo Rita Santos, presidente da Abam, as baianas de fora da capital foram as primeiras a ser beneficiadas por terem sido as mais afetadas durante a pandemia e receberem menos auxílio dos órgãos públicos. "Do interior, recebemos os mais tristes relatos das baianas. Lá, a ajuda das prefeituras e do governo é inexistente. Aqui, as baianas licenciadas receberam o auxílio da Prefeitura que é um retorno da taxa que elas pagam e certamente é uma ajuda bem valiosa em um período como esse. Falo com segurança que as baianas do interior estão em uma situação de mais urgência", declara. As 650 baianas licenciadas receberam R$ 270 da gestão municipal de Salvador. Noélia Mascarenhas do Santos, 55 anos (Foto: Nara Gentil) Em Madre de Deus, a situação é tão complicada que cerca de oito baianos, que viviam de aluguel na cidade, precisaram entregar as residências para os proprietários e passaram a viver em uma escola cedida pela prefeitura. "Muitas das baianas lá em Madre vivem de aluguel e precisam pagar a quantia mensalmente como qualquer inquilino. Com o fluxo de pessoas baixíssimo e a maioria delas em casa por fazer parte do grupo de risco, como você consegue pagar o aluguel? Não dá! Então, os proprietários das residências acabaram solicitando a saída delas e acabaram chegando nessa situação. Muito triste tudo que elas estão vivendo", explica Liliane Rodrigues, 34, representante das baianas de acarajé de Madre de Deus. 

Pessoalmente, Liliane também foi bastante afetada pela crise que veio com a pandemia. São cinco dependentes do tabuleiro de Liliane que diz não saber o que fazer. "Tudo isso tá atingindo demais a minha família. Tanto meu marido como o meu filho trabalham comigo vendendo os acarajés. Me sinto de mãos atadas. Nossa renda foi praticamente extinta e passamos por momentos muito difíceis. Esse é o período financeiro mais complicado para mim desde que comecei trabalhar com baiana de acarajé", declara Liliane, que está no ramo há 20 anos. 

A baiana vibrou com os alimentos e materiais de higiene e limpeza que recebeu. "A gente tem que comemorar porque esse presente é o que a gente mais precisava depois de meses tão turbulentos como eu nunca testemunhei antes. Acho que é o momento mais difícil que passei e a cesta vem para diminuir o aperto que estávamos vivendo", fala. 

Grupo de risco

O impedimento de realizar o trabalho por fazer parte do grupo risco é a realidade que a maioria das baianas enfrenta segundo Rita Santos. "Só aqui em Salvador, 80% das nossas baianas são do grupo de risco da doença e não podem voltar às ruas. Uma tendência que se repete no interior. Não só por causa da idade. Pressão alta e diabetes são uma das tendências entre as baianas que correriam muito risco se retornassem", diz.

Meire Mascarenhas passa por essa situação. Com 74 anos de idade e 60 de tabuleiro, a senhora declarou que, desde o início da pandemia, não tira o pé de casa e não faz dinheiro. "No começo disso tudo, eu fui logo dentro de casa, meu filho. Aí perdi a renda com a qual me mantenho e ajudo os meus filhos e os outros parentes. Antes, a gente não tinha fartura, mas não passávamos por dificuldade. Com essa pandemia, tá difícil comprar alimento e as coisas básicas que a gente precisa para viver", conta.

A cesta básica também representa um alívio para a família de Meire. Noélia Mascarenhas, 55, que, assim como a mãe, também é baiana de acarajé, comemorou a chegada dos itens através de doação. "Estou muito contente com essa ajuda que estamos recebendo. Vem em uma hora muito necessária. Em um momento de tanta dificuldade e de pouca esperança, isso nos faz respirar e acreditar que vamos superar essa situação com o nosso esforço e a ajuda fundamental de quem se importa e ama as baianas de acarajé", destaca.

Como contribuir

Tanto as doações como a campanha não acabaram. No caso do campanha, está ganhou em elementos focados na escassez e aumento do valor do azeite de dendê. 

Linda Bezerra, editora-chefe do CORREIO, diz que a campanha do jornal é uma resposta para um período em que atos solidários são necessário, ainda mais com um patrimônio cultural do estado da Bahia. “As baianas de acarajé são um marco da nossa cultura. São mulheres que trabalham nas ruas, mas as ruas estão vazias, por conta do isolamento social.  Mas a pandemia também nos mostra que é preciso ser solidário nesse momento.  Aproveitamos o grande alcance do jornal e pedimos aos nossos leitores uma colaboração. Estamos felizes com o resultado”, afirma. Até agora foram arrecadados R$ 14 mil.

A pandemia segue e as baianas continuam impossibilitadas de exercer o seu trabalho e gerar renda para suas famílias. Por isso, cole com as baianas e ajude depositando qualquer quantia na seguinte conta bancária para que as doações sejam revertidas em cestas básicas.

ABAM - Associação Nacional das Baianas de Acarajé, Mingau, Beiju  e Similares. Caixa Econômica Federal Código Operação: 003 Ag.: 4802  Conta corrente: 000056-1 CNPJ: 02561067000120

*Sob orientação da subeditora Clarissa Pacheco