Baianas são destaque em premiação nacional sobre futuro da moda

Carol Barreto foi eleita como Personalidade de Moda; já a Liga Transforma, de Lourrani Baas, faturou a categoria Design Sustentável

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  • Vinicius Nascimento

Publicado em 20 de dezembro de 2021 às 06:00

- Atualizado há um ano

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Carol Barreto tem uma trajetória que foi menos contada do que deveria: primeira baiana a montar desfile em Paris, formou inúmeras alunas e alunos em quase todos os cursos de moda que existem em Salvador. Cria de Santo Amaro da Purificação, ela é criadora do Modativismo, ateliê-escola que trabalha na formação de pessoas negras na moda com valorização de movimentos negros e luta por igualdade racial e social. Essa mulher, negra e baiana, foi vencedora do Prêmio Fashion Futures, realizado pelo Instituto C&A, na categoria Personalidade de Moda.

A premiação rendeu R$ 20 mil a Carol Barreto, que também vai receber treinamento por meio de um programa de desenvolvimento de liderança. A premiação selecionou 4 iniciativas e 1 personalidade para receberem, ao todo, R$ 180 mil reais para pensar o futuro da moda.

O trabalho de Carol é longevo e internacional. São quase 25 anos de carreira e seu currículo sempre trouxe para as passarelas a relação entre moda e ativismos feminista e antirracista. Assim, levou seus desfiles para  Dakar, Paris, Luanda e galerias de arte em cidades como Chicago e  Nova York, nos EUA, Totonto, no canadá e  Cidade do México.

Tudo isso começou lá em 2001, quando fez seu primeiro desfile, ainda estudante de Letras na Universidade Estadual de Feira de Santana (Uefs), convidando pessoas do movimento estudantil para fazer um desfile questionando aparências. Ali, levou para passarela pessoas negras, gordas, LGBTQIA+ e mostrava que existe um outro caminho para a moda.

“Quando criança, minha mãe assinava revistas e no meu imaginário ficavam só aquelas mulheres loiras, princesinhas. Situações de representação em que era impossível de me ver. Eu sempre soube qual o meu lugar enquanto mulher negra e do Recôncavo, por isso sempre levo mensagens para o meu trabalho”, afirma. 

Em 2014, Carol fez uma parceria com a artista visual Ju Fonseca e levaram para a Dragão Fashion Week a Coleção Fluxus, homenageando o trabalho do fotógrafo J.D. Ojeikere, na série Hairstyle, que registrou as tranças tradicionais da Nigéria em 1968. Criaram, a partir disso, roupas e elementos de styling para mostrar que o cabelo de mulheres negras é elemento de linguagem. Oda Taylor com look de Carol Barreto no Afro Fashion Day (Foto: Nara Gentil) O problema, na hora do desfile, foi o seguinte: só teve duas modelos negras, numa equipe de 20. Era o mínimo de 10% de um acordo feito para passarelas basileiras. Aquilo foi marcante para Carol. Em 2021, o look foi reeditado e integrou a passarela do Afro Fashion Day. Ela vestiu a modelo Oda Taylor.

Mesmo com todo esse trabalho, dentro e fora das passarelas, Carol custou a acreditar que seria vencedora da premiação, que teve 323 inscrições. A dúvida não é por Carol duvidar de si mesma. Durante sua trajetória, teve a visibilização de seus trabalhos negados pelo noticiário local e nacional: mesmo conseguindo feitos como ser a primeira brasileira a ser convidada para a Black Fashion Week em Paris e a única mulher negra a fazer um desfile na Cidade-Luz.

“Chego lá [em Paris], vou para o estúdio da TV France com meus vestidos passando no telão e amigos que trabalham dentro da televisão não conseguiram pautar isso em seus veículos aqui no meu país. Nossas potências são invisibilizadas de uma maneira educativa. A branquitude se diz inclusive. Hoje temos uma grande inserção fora e não temos aqui localmente”, pontua.

Por conta disso, a reação ao saber que teve 41% dos mais de 36 mil votos foi de surpresa. “O pessoal informou na live que a pessoa que ganhou teve 41% e eu tive certeza que não era eu. Eu não sou famosa, sou de bastidores mais do que front. O que chega de resultado é 10% do que construímos nos bastidores e o anúncio de meu nome foi uma surpresa impactante”, conta.   

Também baiana, Lourrani Baas é destaque na premiação

Na categoria Design Sustentável, a Liga Transforma Moda Sustentável foi a ganhadora de R﹩ 30 mil e o apoio para desenho de desenvolvimento de seu negócio. A organização, localizada em Salvador (BA), tem o objetivo de fomentar articulações estratégicas no mercado da moda, da beleza e de outros segmentos para captação de resíduos têxteis e, a partir disso, levantar investimentos de capital para aplicação em práticas de impacto social em prol do protagonismo feminino de mulheres em vulnerabilidade e risco social.

A Liga Transforma foi parceira do último Afro Fashion Day. É uma iniciativa criada pela baiana Lourrani Baas, e a sua premiação fez com que a Bahia fosse o grande destaque, levando o maior número de premiações em 2021. 

"A sensação de vencer o prêmio foi maravilhosa, incrível. É surpreendente ser vista como o futuro da moda sustentável. Sempre acreditei que o bonito, o belo, está em todos os olhos e corpos e ver a minha criação, através de minha startup, está sendo reconhecida é uma alegria muito grande. Uma menina do interior da Bahia, adolescente gorda, que sempre viu a moda como inacessível, estar vendo esse movimento de renovação da moda é incrível", disse Lourrani.

Para o próximo ano, a Liga Transforma vai fazer lançamentos mensais de roupas feitas com retalhos de tecidos e pretende consolidar parcerias com marcas locais e nacionais. 

Além de Carol e Lourrani, as iniciativas Daterra Project, pernambucana, que desenvolve tecidos sustentáveis a partir do reaproveitamento de resíduos têxteis de confecções de jeans em Riacho das Almas (PE), o Ateliê TRANSmoras, de Campinas (SP), e a Las Comas Confecção Comércio e Serviços, de São Paulo (SP) foram as outras iniciativas vencedoras.