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Baianidades estampadas: Marcas apostam na cultura local para conquistar clientes


 

Empreendedores descobriram que a cultura baiana poderia ser uma excelente fonte de inspirações

  • Carmen Vasconcelos

Publicado em 17/02/2020 às 06:00:00
Atualizado em 20/04/2023 às 20:27:04
. Crédito: Divulgação/Lucas da Conceição Cavalcante

No alto da sua sabedoria de buda nagô, Dorival Caymmi cantava que “tudo, tudo na Bahia faz a gente querer bem”. Partindo dessa máxima, alguns empreendedores locais descobriram que a cultura baiana poderia se tornar uma excelente fonte de inspirações para os mais variados negócios. Da moda à gastronomia, nesse caldeirão, as marcas seguem firmes, mostrando o que as baianas têm de melhor para os clientes, sejam residentes ou  estrangeiros. 

Baianos da gema, o casal Tatiane Magalhães e José Paulo de Queiroz Júnior estavam vivendo uma demissão quando decidiram que iam espairecer um pouco antes de voltar para a labuta e buscar uma alternativa para investir o valor da rescisão contratual. “Apesar da situação, decidimos comprar algumas lembranças para os familiares e amigos e desse gesto surgiu a ideia de investir no nosso estilo bem baiano de ser e assim nasceu a Tamo Junto Parceiro(TJP) – Vestindo baianidade”, conta Tatiane. 

Ela diz que o segredo do sucesso das camisetas, bonés, vestidos e shorts reside justamente na aposta de expressar a cultura em toda a produção. “Nós baianos temos muito orgulho da cultura local, dos dias ensolarados, da felicidade e receptividade do povo e dessa criatividade que aparece no falar”, justifica. Para Tatiane, os clientes se sentem representados nas estampas que ressaltam expressões como ‘não aperte minha mente’, ‘quem vai é coelho’, ou ‘oxente”.“Nossos produtos dizem muito da gente, é como se fosse um espelho, um reconhecimento, e por isso agrada tanto”, defende  Tatiane.Laços de ancestralidade O artista plástico Wilton Bernardo acredita que a utilização das frases ditas nos cotidianos das ruas é uma proposta genial. “Essa identidade nunca precisou se ver em grandes veículos de comunicação ou grandes campanhas publicitárias, justamente porque não há necessidade de convencer absolutamente ninguém”, garante, lembrando que as pessoas só precisam ter a oportunidade de visualizar essas criações para se apaixonar. 

Há 13 anos, quando concluiu a formação superior, a cultura baiana foi a inspiração para a atuação profissional e, mais tarde, para a criação da própria marca. “Eu não possuía informação sobre as minhas origens, mas o convite da marca Seja Mito (era apenas Mito na época) para desenvolver uma coleção com ilustrações de Orixás, que vestiriam os músicos de Mariene de Castro no show de lançamento do primeiro álbum (2002) mudou tudo isso”, lembra. Na época, além da produção exclusiva, a loja passou a comercializar aquela produção e a ideia de investir na cultura local ficou clara na para os empreendedores. 

“O valor da marca Laço Afro está no que a marca vende como valorização, celebração da cultura negra ou afro-brasileira, e não é camiseta, nem caneca e nem chaveiro. Nestes 13 anos, aprendi e redefini muitas coisas, mas o valor da marca é a única coisa que já tinha sedimentado e acredito ser crucial para a longevidade de um empreendimento”, afirma Wilton.   

Cara de Bahia A Soul Dila nasceu em 2008. Na época, os sócios criadores da marca perceberam que os soteropolitanos vestiam culturas externas, que faziam referência a outros locais praianos, como Rio de Janeiro. “Nessa época, a nossa cidade atravessava um momento de desvalorização e acreditávamos que nossa cultura tinha muito que contar e ser mostrada através dos nossos produtos”, rememora Danilo Góis. 

Hoje, a clientela da marca é composta por um público que se identifica com os conceitos de positividade e otimismo, tão presentes nos soteropolitanos e baianos. “Isso cativa quem é daqui e também quem  é de fora da Bahia. No réveillon, por exemplo, vi uma mensagem postada por uma pessoa de fora que dizia: ‘Desejo em 2020 que todos tenham um amigo baiano’. Então acho que isso resume muito como essa baianidade seduz”, completa. 

Embaixadora Ibero-Americana de Jovens Empresários e consultora do Sebrae, Flávia Paixão é enfática em esclarecer que, para criar qualquer negócio, é preciso estar conectado com uma ideia ou um sentimento que recupere tradições, hábitos, costumes e histórias.

“Para empreender, o negócio precisa apresentar soluções não apenas para o idealizador, mas para um grupo de pessoas”, diz a consultora, ressaltando que o reflexo da cultura trazido por essas marcas justifica suas existências. 

Para os empreendedores, o segredo de ter a Bahia e a cultura local como foco no negócio está no respeito às origens e a uma tradição aguerrida e, por isso mesmo, não se furtar em pesquisar, além de manter a força de vontade, alegria e leveza no negócio. Alexandre Rodrigues deixou Salvador para morar na Irlanda, mas provou que marca de dendê não sai e levou a tradição do abará para a Europa (foto: Arquivo Correio/Evandro Veiga) Relato    Alexandre Rodrigues

"Mancha de dendê não saí e eu provei isso quando deixei Salvador e fui realizar o sonho de fazer intercâmbio na Irlanda. Na verdade, a cultura africana sempre me atraiu muito. Inicialmente, por influência da religião, quando comecei a ter mais contato com a culinária típica e em encontro de amigos e familiares sempre aconteciam elogios para as comidas que eu preparava, principalmente as baianas. Depois de um ano desempregado, com trabalhos informais e que pagavam menos do que era devido, resolvi ouvir os conselhos e arriscar a venda. Bom, deu certo. Hoje estou realizando o sonho do intercâmbio e muito disso foi proporcionado pelo Abará do Delí. 

A baianidade não está só no dendê. Ela está no riso espontâneo, no amor pela boa comida, no prazer que sentimos quando alguém experimenta e podemos notar em seus rostos a sensação de felicidade. Porque ser baiano é isso. Hoje, por estar fora do Brasil, estou construindo um novo público, ainda tímido. Aqui em Dublin,  apesar de ter muitos brasileiros, nem todos conseguiram conhecer esse sabor baiano, afinal, somos um país gigante e nem todos tiveram a oportunidade de experimentar nossas delícias baianas. Mas não tem quem resista a um boa comida como a nossa. O valor do Abará do Delí está na tradicionalidade. Em tempos de gourmetização de todas as coisas, o Abará do Delí aposta na tradição, como bom baiano que é.O aprendizado é a principal parte de qualquer processo. Estar aqui tem me feito aprender a trabalhar com a diversidade e como o que pensamos ser tão particular é tão multicultural. Encontrar produtos tão específicos, trabalhar sem todo o equipamento, improvisar, reinventar sem perder a originalidade cultural, tudo isso tem sido uma experiência incrível. Enquanto isso, vamos aumentando o networking e torcendo para que funcione. A Bahia é um lugar de força, resistência e que acolhe, como colo de mãe, comida de vó, sorriso de criança, tudo isso num só".  

Invista em identidade

Soluções coletivas  Antes de abrir qualquer negócio,  responda à questão: como o meu negócio ajudará ao mercado onde estou inserido?

Pesquisa Não se poupe em investir o tempo necessário para pesquisar sobre o produto ou serviço onde  pretende  atuar. As fontes dessa pesquisa podem ser variadas.

Sem preguiça  Ao contrário do que prega conceitos antigos e preconceituosos, a Bahia sempre foi espaço de um povo trabalhador. Por isso, se a cultura local é seu foco, saiba que o trabalho precisa ser incansável.

Simpatia  Como trabalhar duro na Bahia nunca foi sinônimo de tristeza, aproveite a  inspiração e seja generoso na simpatia e na alegria. A simpatia baiana é um ótimo cartão de visita a ser aproveitado. 

Valorização do natural  Quando a cultura local é o gancho para o empreendimento, não esqueça de olhar para as expressões culturais com um olhar de curiosidade constante. Busque ver o natural como um estrangeiro e divulgue esses aspectos para o público-alvo