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Nelson Cadena
Publicado em 27 de dezembro de 2019 às 05:00
- Atualizado há 2 anos
Ano Bom era como os baianos do século XIX se referiam ao Ano Novo. Convenhamos que uma expressão mais alvissareira, um conceito embutido de que a virada do calendário representava um período de bonança. O mesmo conceito valia para o Natal por muitos referido até hoje com a expressão de Boas Festas. Quase um slogan.>
O Ano Bom na Bahia tinha uma característica muito peculiar: o hábito de se dar presentes aos familiares, vizinhos e amigos, conforme nos relata o cronista Alexandre José de Mello Moraes Filho - Tio Avô de Vinicius de Moraes- homenageado em Salvador com o nome de uma rua na Fazenda Grande do Retiro onde residiu, um sobrado em ruinas está lá aguardando alguma providência de restauro pelo poder público há pelo menos trinta anos.>
Mello Moraes Filho relata que “Após a meia noite as famílias baianas reuniam-se em torno de uma mesa farta com vinho da melhor qualidade, queijos do reino, presuntos, figos, ameixas e doces e o prato principal que as vezes era oferta de um vizinho, ou, parente”. O prato principal bem podia ser um leitão ou um marreco e como era presente o dono da casa recebia a oferta com um lacinho de fita amarrado nas asas, no caso das aves, e um cartão de visitas com dizeres do tipo “Boas saídas e melhores entradas lhe desejo”. Os ricos se presenteavam entre si com colchas da Índia, aparelhos de jantar da China, baixelas de prata, cavalos de montaria, e alguns presenteavam os amigos com escravos adolescentes.>
O cronista detalha o inusitado regalo: “além de todas essas ofertas, estava nos hábitos darem-se escravos como presente de Ano- Bom. Assim como um molequinho, uma moleca, um casal de negros novos, obsequiava-se os meninos, as moças, ou os chefes de família”. Os escravos ofertados faziam-se acompanhar de um portador com um bilhete do tipo “Como lembrança do Ano Bom ofereço-lhe essa parelha de negros de cadeira, pedindo desculpa de não ser coisa suficiente”.>
Os menos abastados também presenteavam-se no Ano Bom, é claro, dentro de suas modestas possibilidades: “A criola, ou, mulata, da casa menos rica, seguia com um pão-de-ló, um bolo inglês, um pastelão numa salva modesta, coberta com uma gaze cor- de- rosa, com um tope de flores artificiais no centro, atravessado por um cartão ou um escrito”. Até quando perdurou esse costume de presentear parentes e amigos no Ano Novo não sabemos.>
O fato é que os costumes foram mudando, o fim da escravidão estabeleceu novos padrões comportamentais e uma nova estratificação social e a virada do ano foi se transformando. Recebemos a influência Europeia, em especial de Paris, nosso modelo civilizatório__ e passamos a celebrar o réveillon com fogos de artificio e todo o contexto.>
Contudo, uma tradição se manteve: a celebração do Ano Bom com a procissão marítima do Bom Jesus do Navegantes na manhã de 1º de janeiro, procissão esta cujo registro mais antigo é uma nota do jornal Correio Mercantil__ dirigido pelo pai de Mello Moraes Filho__ de 1840, cujo texto, com a expressão “primeira vez”, parece confirmar ter sido o marco inicial da festa religiosa. E o hábito de dar presentes definitivamente desapareceu. A influência, inicialmente do Papai Noel Nórdico e após do Santa Claus americanizado e sua referência de presentear as crianças e mais o impulso do comércio transferiram as ofertas para o período do Natal. >