Baianos premiados pela Nasa superaram 83 países: 'Não esperávamos'

Jovens venceram mundialmente com um projeto para cuidar dos oceanos; eles irão aos EUA apresentar o projeto

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  • Gabriel Amorim

Publicado em 24 de janeiro de 2020 às 05:35

- Atualizado há um ano

. Crédito: Marina Silva/CORREIO

Um empreendedor que começou no ônibus, um garoto do interior que vem a capital para estudar. Outro que sonhava em conhecer a Disney e quandro criança queria ser astronauta. Aquele que precisa trabalhar o dia todo e estudar a noite. O futuro administrador que sonha em fazer algo grande e ajudar os outros. Olhando de longe, apesar de bastante diferentes, os perfis podem se encaixar nas histórias de muitos estudantes. O feito desses cinco baianos, no entanto, é único: a equipe venceu o maior Hackathon do mundo, promovido pela Nasa – o Nasa Space Apps Challenge 2019 – e agora prepara as malas para conhecer a sede da entidade nos Estados Unidos (EUA).

Com idades entre 18 e 23 anos, a equipe formada por Antônio Rocha, Genilson Brito, Pedro Dantas, Ramon Santos e Thiago Barbosa e batizada de Cafeína, superou 2.076 projetos vindos das 230 cidades de 83 países diferentes onde etapas do evento foram realizadas, e foi uma das seis ideias premiadas na competição. O intuito da Nasa é buscar ideias inovadoras em diferentes categorias do conhecimento. Composto por três estudantes de administração, um de engenharia química e um de análise e desenvolvimento de sistemas, o grupo venceu mundialmente na categoria ‘melhor uso de hardware’ com um projeto para cuidar dos oceanos. (Foto: Divulgação) Com o nome de Ocean Ride (ou carona no oceano, em tradução livre), o projeto dos garotos criou um dispositivo para recolher partículas de micro plástico das águas, ajudando a limpá-las. Para realizar o ‘serviço’, o aparelho seria acoplado a grandes embarcações como navios de cruzeiro, cargueiros, ou plataformas de petróleo e atuaria como um ‘imã’ no mar. Como premiação, os jovens irão conhecer o Nasa Kennedy Space Center, na Flórida, nos Estados Unidos, e ter a oportunidade fazer a apresentação do projeto para a Agência Aeroespacial Americana. 

O sucesso da equipe baiana veio já no segundo ano de realização do evento em Salvador. Por aqui, foram 29 equipes formadas com os 250 jovens selecionados para participar entre os 525 inscritos no evento. Depois de vencer em casa, o Ocean Drive foi encaminhado para análise de equipes da própria agência americana e em dezembro já havia sido anunciado entre as 30 melhores ideais do mundo. Na última quarta-feira (22), a notícia da vitória chegou. 

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Representante oficial do Nasa Space na Bahia, Leka Hattori, comemorou a vitória histórica. “Um projeto brasileiro, baiano, estar entre as trinta melhores ideias de inovação do mundo já é de se comemorar. Desde já, com a resiliência necessária a todo empreendedor, estamos avançando. A Bahia pode ser um vale do silício, mesmo com as adversidade e limitações de recurso, os olhos do mundo viraram para Salvador. A gente chegou no máximo de inovação possível, muito bom poder proporcionar isso para essas mentes brilhantes que a Bahia tem”, comemora. (Foto: Marina Silva/CORREIO) Leka explica que existe um tripé que foi responsável por transformar o tão famoso Vale americano naquilo que é: o apoio do poder público, investimentos da iniciativa privada e o envolvimento da educação e das universidades.”Esse projeto que venceu não é o case de um projeto que já chegou pronto e com uma ideia muito boa apenas. Foi um projeto construído desde a base, da divulgação do evento”, conta Leka. Além da equipe baiana, outro grupo de São Paulo, venceu em outra categoria, com um projeto que envolve o cuidado com as manchas provocadas pelo óleo nas praias.

Incentivo A equipe Cafeína começou a se formar, justamente, pelo envolvimento da universidade em projetos de inovação. É que Antônio, Pedro e Genilson, os três primeiros a integrar a equipe, cursavam juntos a disciplina informática aplicada à administração, no curso de Administração da Universidade Federal da Bahia (Ufba) quando foram desafiados.“Na matéria, a professora nos provocou, perguntou se queríamos apenas aprender o básico ou ir além e nos desafiou a participar de hackathons como uma das formas possíveis de avaliação. Depois ela convidou a Leka para apresentar o da Nasa para a turma, ficamos com vontade e nos inscrevemos”, conta Pedro. 

A professora dos garotos, Isabel Sartori, conta que a iniciativa faz parte de um projeto de extensão da Escola de Administração da Ufba. “Esse é um trabalho que a gente vem fazendo, de ter professores que têm uma relação mais motivacional com os alunos no início do curso, estimular as características empreendedoras e relacionadas com técnologia. Estimulando a gente integra universidade e sociedade e a gente mostra que o aluno já pode atuar, não precisa esperar formar para atuar na sociedade”, comenta

“É uma alegria muito grande. Eles souberam se apropriar bem do conhecimento que vem desenvolvendo em sala, são estimulados a saber provocar, fazer as questões certas. O ensino geralmente é voltado a resolver problemas prontos e não tanto para os problemas da vida real. Esse é um movimento de mudança do ensino de administração, com o apoio ao empreendedorismo”, comenta o professor Horácio Hastenreiter, diretor do instituto.

“A formação de um aluno não é só estar presente em aulas e ouvir um professor, então é importante estimular a participação nesses eventos, que abrem muitas portas, e é muito bom pensar que tem estudantes de todo mundo pensando inovação”, completa o professor Osvaldo Requião Melo, coordenador dos cursos de computação da Universidade Católica do Salvador (Ucsal), de onde saiu o quarto membro da equipe. 

Desafios  A história de sucesso da equipe, inclusive, inclui superação de desafios desde a sua formação. “A gente chegou lá sem saber muito, não sabíamos nem que os temas possíveis já tinham sido divulgados. Encontramos várias equipes já formadas, com ideias prontas e agente nem equipe completa tinha. Foi tudo feito nos três dias de evento”, conta  Genilson. “Fomos procurar lá uma forma de diversificar nosso grupo, porque só com estudantes de comunicação não ia dar pra chegar muito longe”, completa Pedro. (Foto: Marina Silva/CORREIO) Foi ai que se juntaram ao grupo os estudantes da Ucsal, Ramon Santos, de engenharia química, e Thiago Barbosa, do curso de análise e desenvolvimento de sistemas. No final do primeiro dia de evento eles já tinham a ideia que queriam desenvolver o ‘ímã do mar’ e cada um foi para casa pensar em como colocar o projeto em prática. No dia seguinte, uma maratona de um final de semana, sem nem voltar para casa pra dormir, até sair vencedores. “Eu lembrei do Gerador de Van Der Graff, fiz uns testes com plástico e funcionou. Ai a gente foi pensar em como aplicar de fato”, conta Ramon. (Foto: Marina Silva/CORREIO) Depois de muitos conselhos de todos os mentores presentes no evento, a ideia foi estruturada e apresentada em um pitch - um discurso rápido de três minutos - para uma banca composta por cinco jurados. Vencida a etapa baiana, um vídeo de animação de 30 segundos apresentou, em inglês, a ideia para as equipes da Nasa.

Histórias Por trás da vitória, as histórias e trajetórias acadêmicas dos cinco garotos são bastante diferentes, mas trazem um traço em comum: a vontade de alguma forma presente de empreender. Aos 23 anos, Thiago Barbosa foi o que começou mais cedo. “Ainda com uns 14 anos eu já queria ter as minhas coisas, e comecei a trabalhar vendendo em coletivo. Nem conhecia Salvador direito, me perdia em meu próprio bairro, mas queria ter o meu dinheiro. Uma vez, trabalhando, passei em frente a Ucsal e pensei: eu nunca vou pisar aqui. Quando consegui minha mente se abriu Agora sei que posso encontrar a Nasa, o Vale do Silício”, conta ele, nascido e criado em Cajazeiras. (Foto: Marina Silva/CORREIO) “Às vezes eu sou meio sem noção, vou fazendo as coisas e não paro para pensar na grandiosidade que isso tem. Agora que tá caindo a ficha”, completa.

Para Ramon Santos, 22, morador da Capelinha, a vitória é uma ficha que ainda não caiu. “Desde quando eu me entendo por gente eu sempre quis ser alguém importante, mas não sabia como, a única coisa que eu fiz foi sempre estudar, nunca parei, e eu acho que foi isso que fez a magia acontecer”, acredita. Para continuar sempre estudando, o jovem trabalha em tempo integral e estuda a noite. “No futuro eu quero trabalhar na área de estudo de dados, dentro da engenharia, é uma possibilidade que enxergo agora”, conta.

No grupo de estudantes de administração, a história de Antônio Rocha, 19, é cheia das coincidências. “É a realização de um sonho, quando você é criança você sonha em ser astronauta e quando entra num evento como esse vê as possibilidades que são muitas. No ensino médio eu tava muito focado pra passar no vestibular, porque sabia as dificuldades que quem vem da escola pública enfrenta”. (Foto: Marina Silva/CORREIO) Criado com a mãe, no bairro de Roma, ele vai realizar um sonho de criança com a viagem. “Sempre sonhei em ir pros Estados Unidos, embarcar em um cruzeiro, e agora quero trabalhar numa ideia que usa o percuro dos barcos”, observa.

Genilson Brito, 18, escolheu administração justamente pelo desejo de empreender. “Desde pequeno eu sempre quis ser empreendedor fazer algo relacionado a inovação e achei que o melhor pra mim seria adm pelas habilidades que você desenvolve lá”, explica o jovem, natural de Amargosa que veio para Salvador para cursar a faculdade. (Foto: Marina Silva/CORREIO) “O futuro é imprevisível, mas pretendo ser bem sucedido e poder contribuir com a sociedade de alguma forma”, deseja.

O jovem Pedro Dantas, 19, escolheu o curso de última hora, “Desde pequeno eu sempre quis ser engenheiro, sempre trilhei o caminho para engenharia mas no ensino médio fui me aproximando mais de comunicação, de pessoas. e fui indo do mais técnico pra menos técnico, até chegar na engenharia de produção. Depois me questionaram se eu queria ser engenheiro ou administrador e eu percebi que administrar era o que eu queria e mudei de opção dois dias antes do prazo do Sisu”, conta.

Foi de Pedro a missão de fazer o 'pitch' e apresentar a ideia aos jurados. “Na hora de subir no palco eu olhei pro Genilson e falei: vamo confiar que a vitória é nossa. Ainda não consigo acreditar, entrevista, fotos, tô ansioso pela viagem, a gente vai apresentar nossa ideia lá, mas nosso plano é ir além e fazer dessa porta que a gente abriu um caminho muito maior”, sonha.

O caminho maior deve passar, inclusive, por uma visita ao vale do sílicio. “Fiz desse projeto uma missão tecnológica. Por uma iniciativa minha, pessoal, resolvi aproveitar que estaremos nos Estados Unidos para leva-los pra conhecer o Vale do Silício. Afinal, a Bahia tem tudo para ser como o vale de lá”, conta Leka, que agora trabalha para levantar os recursos necessários à viagem, que deve acontecer no meio do ano, durante as férias dos estudantes. 

*Com supervisão do chefe de reportagem Jorge Gauthier