Bandidos desistiram de atirar em Jony Torres após encontrarem crachá de jornalista

Polícia caça dois integrantes da facção Bonde do Maluco (BDM)

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  • Bruno Wendel

Publicado em 19 de junho de 2019 às 18:15

- Atualizado há um ano

. Crédito: Reprodução

Os bandidos que assaltaram o jornalista Jony Torres desistiram de atirar nele após encontrarem o crachá de identificação funcional da TV Bahia dentro do carro da vítima. Os ladrões trancaram o repórter na mala do próprio carro e atearam fogo no veículo, na noite desta segunda-feira (17), na zona rural da cidade de Esplanada, região Nordeste do estado.

De acordo com o delegado João Paulo Gomes do Nascimento, responsável pela investigação, os dois criminosos envolvidos no caso são ligados à facção Bonde do Maluco (BDM) e pretendiam atirar no jornalista porque acreditavam que se tratava de um policial.

“Os criminosos queriam o celular dele. Como não encontraram, um deles iluminou o rosto de Jony com uma lanterna e disse que o conhecia, que ele era policial, e os dois estavam decididos a matá-lo. Jony disse que era jornalista e um deles revistou o carro e encontrou o crachá funcional. Se não fosse isso... Polícia e bandido não se batem”, declarou o delegado. 

Jony escapou da morte por pouco. Ele conseguiu sair da mala do carro antes das chamas consumirem seu veículo, um Nissan Tiida. Na manhã desta quarta-feira (19), ele usou as redes sociais para comentar o episódio. “Terror psicológico dos assaltantes ainda me tira o sono”, disse.

Até o momento ninguém foi preso, mas Nascimento disse que já tem pistas dos criminosos. “Quando abordou o jornalista, a dupla disse: ‘sou do Bonde, sou do Bonde’, fazendo referência ao Bonde do Maluco. Então, estamos apurando. As investigações estão avançadas. O Serviço de Inteligência da 2ª Coordenadoria do Interior (Coorpin/Alagoinhas) e da Polícia Militar passou o dia todo em campo, em busca dos suspeitos”, declarou o delegado. 

Jony foi abordado pelos bandidos na localidade de Gameleira, um lugar que fica no centro de regiões dominadas por duas facções: a BDM e a Katiara. “Atualmente, os dois grupos estão desordenados, pois algumas lideranças foram presas e outras mortas”, disse o delegado. 

Violência A crueldade dos bandidos foi comentada pelo delegado. “O que nos chama a atenção é o tamanho da violência. O jornalista não oferecia nenhum tipo de risco. Talvez pelo fato de a vítima não ter na hora o que eles queriam, o celular, decidiram matá-lo. A vida para estes criminosos não vale nada. Quantas vezes a gente vê casos em que pessoas inocentes são mortas por nada, mesmo entregando seus pertences, bandidos atiram a troco de nada”, disse Nascimento.

Especialista em segurança pública, o coronel Antônio Jorge Ferreira Melo demonstrou preocupação e classificou os criminosos como psicopatas. “Estou preocupado com a humanidade. Está cada vez mais comum aflorar esses instintos atávicos. Não houve reação. Foi comprovado que ele não era policial, pois não estava armado e tinha a identificação funcional. Entende-se, se fosse policial, devido à guerra entre a Polícia e bandido, haveria uma lógica para tal situação. Isso é um caso patológico, psiquiátrico, porque pessoas como essas não há como qualificá-las de outra forma. Essas atitudes são traços de psicopatia. Um psicopata sabe o que está fazendo e não tem remorso. Essa total desconsideração pelo outro, nenhum traço de empatia. Colocar uma pessoa no porta-malas e depois pôr fogo em carro é muito cruel”, declarou Melo, professor e coordenador do curso de Direito do Centro Universitário Estácio Bahia.

Crime O crime foi cometido por dois homens que estavam numa moto. Segundo o jornalista, um deles aparentava ser adolescente, mas foi o mais velho que comandou toda a ação.  O jornalista conta que o assalto durou, aproximadamente, 30 minutos. Ele foi confundido com um policial.

"Ele achou que me reconheceu por ser policial e começou a dizer: 'nós é bonde do maluco, porra, nós vai lhe matar. Cadê o celular, porra? Eu dizia pra ele: velho, eu sou jornalista, não sou polícia. Tenho dois filhos para criar. Um deles ainda disse: 'eu também não tive pai para me criar'", informou Jony.

Para ele, foi mais uma violência psicológica do que física. Segundo ele, os dois assaltantes aparentavam estar embriagados e drogados. "Eles só queriam o celular, na hora do nervoso, nem lembrei que tinha deixado na fazenda e falei que devia ter caído no carro", conta. O jornalista entregou a carteira com R$ 400, mas mesmo assim os ladrões ficaram irritados.

Jony contou ao CORREIO que precisou ir resolver um problema na fazenda de última hora e saiu, por volta das 18h30, para fazer um lanche em um posto de gasolina na BR-101. Para chegar até o local, trafegou por uma estrada de terra de cerca de 3 km. Quando estava voltando, precisou diminuir a velocidade por conta de uma linha férrea que tem na região e foi nesse momento que o jornalista foi abordado pelos assaltantes.

"Eles entraram no carro e me fizeram dirigir com uma arma apontada para a minha cabeça até uma plantação de eucalipto. Lá, me colocaram deitado no chão e começaram a exigir o celular. Mas eu estava tão nervoso, que nem me dei conta de que tinha esquecido na fazenda e disse que devia estar caído no chão do carro, como não acharam, decidiram me matar. Me botaram no porta-malas do carro e disseram: 'vou lhe matar porra'. Fiquei achando que me dariam um tiro, mas ele ainda disse: 'não vou gastar uma bala com esse filho da puta'". 

Coragem Só quando ouviu o barulho da moto dando partida é que o jornalista teve coragem de tentar sair do carro. "Meu carro era daqueles que tem uma cordinha para baixar o banco, eu consegui baixar e sair pelas portas do fundo. Só então vi que a parte da frente do carro já estava toda em chamas. Jogaram cachaça no carro e tocaram fogo", relembra.

O jornalista não soube estimar quanto tempo ficou preso no porta-malas. Mas quando achou que os bandidos já tinham saído do local, conseguiu sair do carro. Primeiro ele se escondeu no mato e depois começou a correr, pra sair dali. "Na estrada de chão me deram socorro e acionaram a Polícia Militar, que foi no local e encontrou meus documentos jogados no chão", conta.

Quase 24 horas depois do assalto, o jornalista conta que até agora está praticamente sem dormir. "Só pensava nos meus filhos", diz. Ele já havia sofrido um assalto em Salvador, mas nada que fizesse com que ele temesse tanto pela sua vida. "Foi terrível. Uma maldade sem sentido. Queriam me matar só por causa de um celular", comentou Jony, destacando que os bandidos estavam visivelmente transtornados.

Ele conta que ainda se sente como se estivesse "dentro de um pesadelo". "A vontade que da é de ir dormir pra acordar depois e descobrir que era apenas um sonho ruim", finaliza.  O veículo está no seguro.  Em nota, a Polícia Civil informou que o roubo é investigado pela Delegacia de Esplanada, "que realiza incursões para identificar e prender os autores".