Baque sem precedentes: Setor cultural baiano perdeu 47 mil empregos na pandemia

Número de pessoas ocupadas na área caiu 17,2% na Bahia em 1 ano, diz IBGE

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  • Wendel de Novais

Publicado em 9 de dezembro de 2021 às 06:00

- Atualizado há um ano

Espetáculos com sucesso de público e crítica, estreias programadas em espaços culturais relevantes, como o Teatro do Sesi, e esperança por um bom retorno dos projetos que estavam à caminho. Era assim a realidade do ator e diretor Marcelo Praddo, 57 anos, em março de 2020, pouco antes da pandemia chegar na Bahia e ele ter que abrir mão de diversas pessoas com quem trabalhava por conta das medidas restritivas e do fechamento dos espaços. A equipe de Praddo é só um exemplo entre muitos outros do setor cultural baiano que, de acordo com o IBGE, entre 2019 e 2020, perdeu 17,6% dos postos de trabalho.  Em números absolutos isto significa que cerca de 47 mil pessoas que atuavam na área, em todo o estado, ficaram  sem emprego  em apenas um ano.

Segundo  informações  da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (PNADC), divulgada ontem pelo IBGE, no ano passado, havia 218 mil pessoas ocupadas no setor cultural baiano, contra 265 mil em 2019. Foi o menor patamar desde 2014.  Com isso, a  participação da cultura na geração de trabalho na Bahia teve  uma discreta redução, de 4,4% para 4,3% do total de ocupados, entre 2019 e 2020. 

A pesquisa revela ainda que o setor é marcado por  alto de grau de informalidade: 60,7% dos que trabalhavam na cultura, em 2020,  eram informais, frente a 51,2% no total de ocupados no estado. 

Marcelo Praddo fala sobre o  que ocorreu com a sua equipe. "Todos nós ficamos à deriva. Os espetáculos tinham operadores de som e de luz, além da equipe de teatro, que contava com coreógrafa, atores, preparador musical e toda uma equipe. De 6 a 8 pessoas que estavam com a gente  ficaram sem trabalho", afirma o ator e diretor, lembrando que trabalhadores indiretos também foram afetados por isso.   Praddo viu equipe ser esvaziada pela paralisação das atividades culturais (Foto: Paula Fróes/CORREIO) Esvaziamento

Produtora cultural e publicitária, Eliete Correia, 58, trabalhava no espetáculo "Aos 50, quem me aguenta", estrelado pela atriz Edvana Carvalho e dirigido por Praddo. Um sucesso que caminhava para a terceira temporada, mas foi interrompido, assim como outros projetos em que a produtora estava envolvida.

"Eu estava com 'Aos 50', que foi um sucesso total e tivemos que parar já com pautas marcadas. Fora isso, diversos outros projetos como feira dos artistas, roda de samba e outros também pararam. Mas o principal foi o espetáculo com Edvana porque a gente estava com tudo", conta  Eliete, que tinha 10 pessoas trabalhando ao seu lado e, agora, toca os projetos que pode sozinha. Enquanto alguns eram obrigados a enxugar suas equipes, outros viam sua única fonte de renda escapar. Victor Lima, 24 anos, é profissional da dança e dava aulas em escolas particulares, mas perdeu o emprego com a paralisação das aulas.

"Quando a pandemia veio, eu dava aula e perdi esse emprego, assim como muitos dos meus colegas. Eram aulas  em escolas particulares que, até hoje, não voltaram com as aulas de dança ou optaram por outro caminho para voltar", afirma Victor Lima que, no entanto, tem esperança que a situação melhore nos próximos meses.   Victor foi um dos profissionais que perderam o emprego (Foto: Acervo Pessoal) Para quem é da música, a situação também foi de esvaziamento dos postos de trabalho. Adriano Malvar é produtor da banda Os Ninfetos e afirma que os integrantes precisaram se virar para garantir renda, enquanto a banda apostava no que podia. “Tivemos que nos reinventar, focamos no trabalho de redes sociais e planejamos o retorno com um lançamento de um ep nas plataformas digitais”, afirma ele. 

Por falar em renda, o levantamento do IBGE mostrou que rendimento médio dos trabalhadores da cultura na Bahia (R$ 1.246) era, em 2020, o quarto mais baixo do país, superando apenas os registrados em Alagoas (R$ 1.087), Piauí (R$ 1.135) e Maranhão  (R$ 1.243).  A diferença do rendimento por cor ou raça quase não existia entre os trabalhadores da área cultural na Bahia. Nesse setor, brancos ganhavam em média R$ 1.237, e pretos ou pardos, R$ 1.230.

Eventos no zero a zero

Além de produtor, Malvar é presidente da Associação de Profissionais de Eventos (APE) e conta que o cenário cultural afetou diretamente a área de eventos, que sofreu um baque sem precedentes. “Nunca [houve um baque assim] pois temos uma informalidade muito grande no nosso setor e a proibição da realização dos trabalhos fez com que tivéssemos uma evasão muito grande desses trabalhadores, muitos desistiram”, explica.

Presidente da Associação Baiana das Produtoras de Eventos (Abape), Moacyr Villas Boas confirma a evasão e fala sobre como a cultura tem tanto impacto para o setor de eventos. “O setor cultural é um dos ramos do setor de eventos e esse número de 17,6% é só a ponta do iceberg. O impacto que o setor sofreu foi em torno de 100%. As empresas demitiram massivamente seus funcionários e foi uma parada integral, além do fato de termos sido os primeiros a parar e os últimos a retomar”, acrescenta o presidente. Para Moacyr, número do IBGE é só a ponta do iceberg (Foto: Acervo Pessoal) A relação de causa e consequência entre cultura e eventos foi vista até nas empresas de eventos corporativos, como a Zum Brazil Eventos, que tem Bruno Portela como diretor de operações. "Fazemos eventos, convenções, feiras e congressos para grandes empresas e, dentro dos eventos, tem um suporte grande da cultura com show e apresentações. Com a parada desse nicho, a gente sofreu bastante e chegou a reduzir 35% da nossa equipe de trabalho", conta Portela.  Bruno fala sobre o impacto nos eventos corporativos (Foto: Acervo Pessoal) Políticas de cultura

O cenário que afetou a cultura e o setor de eventos pode ser explicado, principalmente, pela pandemia da covid-19 e os seus impactos. Porém, não apenas por isso. As políticas públicas também influenciaram nesse número.

Ainda de acordo com informações do IBGE, em 2020, os investimentos municipais em cultura na Bahia registraram a maior queda absoluta, com R$ 202 milhões a menos de verba para esta área. Foi a segunda maior queda percentual do país, com 47,1% de encolhimento em relação a 2019. 

O cenário só não foi pior porque, no ano passado, o setor foi impulsionado pela Lei Aldir Blanc, com o investimento estadual em cultura crescendo 52,4% na Bahia, maior aumento em 10 anos.

*Com orientação da chefe de reportagem Perla Ribeiro