Barco da procissão de Bom Jesus dos Navegantes passa por restauração

Igreja iniciou campanha para arrecadar recursos; meta é conseguir R$ 220 mil para pagar a obra

  • Foto do(a) author(a) Hilza Cordeiro
  • Hilza Cordeiro

Publicado em 30 de outubro de 2019 às 17:11

- Atualizado há um ano

. Crédito: Foto: Sara Gomes/Arquidiocese de Salvador

Os fiéis católicos têm tido muitos motivos para comemorar. A embarcação Galeota Gratidão do Povo, que carrega a imagem religiosa do Senhor Bom Jesus dos Navegantes há 127 anos, está sendo restaurada para voltar a participar da procissão marítima. Depois de ter sido impedida de ir ao mar na virada 2018/2019 devido a problemas estruturais, a Arquidiocese de Salvador lançou, em coletiva de imprensa nesta quarta-feira (30), uma campanha de financiamento da obra de recuperação. 

Na mesma ocasião, também foi anunciado um projeto de requalificação do abrigo da galeota e a restauração da Igreja Matriz de Nossa Senhora da Boa Viagem, ambos na Cidade Baixa.

Embargado pela Marinha por causa de danificações na quilha, peça tida como coluna vertebral de embarcações, o barco Gratidão do Povo corria risco de naufragar e foi substituído por um catamarã na festa do ano passado. Foi a primeira vez que ele não fez parte dos festejos. Em reforma desde agosto deste ano, a galeota deverá ficar pronta no início de dezembro e serão necessários R$ 220 mil para recuperá-la.“É bastante caro mesmo, mas a nossa igreja merece e precisa disso para preservar os bens. Um bem que é religioso e cultural, de expressão da fé de um povo”, justificou padre Aderbal Galvão, presidente da Comissão Especial de Restauro.A equipe de fiscalização da Marinha detectou que quase toda a parte inferior do barco precisa de intervenção. Com 16 metros de comprimento e feita em madeira de massaranduba, foi necessário substituir inteiramente a quilha e os revestimentos laterais. A última restauração que o Gratidão do Povo recebeu foi na década de 1980, conforme informações do pároco Davi Oliveira Santos. 

Presente no lançamento da campanha de financiamento da obra, dom Murilo Krieger, arcebispo de Salvador e primaz do Brasil, diz que a recuperação é importante pelo valor simbólico para a comunidade.“Alguém poderia dizer: ‘Mas é uma simples galeota, não podem usar outros meios?’ Podemos e inclusive usamos em 2018, mas, ao mesmo tempo, o barco carrega consigo um símbolo, carrega um povo”, argumentou ele. Na abertura do lançamento, dom Murilo disse ainda: "Na vida humana, nós precisamos de símbolos; nós vivemos com riquíssimos símbolos e todo aquele sentido de olhar a travessia do mar como a travessia da vida é realmente um símbolo muito forte", discursou.

Em carta aberta, o arcebispo lembrou que a galeota foi construída por iniciativa da população, que a fabricou com os próprios recursos. “Portanto, ela é do povo e cabe ao povo restaurá-la”, escreveu (confira abaixo como doar).

Festa incompleta Há 40 anos, a aposentada Maria Helena Nascimento, 85, participa fielmente da tradição da procissão, que anuncia o ano novo. Nascida no bairro da Boa Viagem, ela lembra que, ainda adolescente, comparecia esporadicamente, indo escondido da mãe, que temia a aglomeração de gente na festa. Quando foi decretado que o barco não podia levar a imagem santa, ela se entristeceu.“Isso faz parte da nossa vida. A galeota é de grande estima para os pescadores, então foi uma tristeza porque faltava algo, não estava completo. As pessoas choravam copiosamente porque não tinha o barco, tem um valor incomensurável e tem gente que vem de longe para ver. Para mim, é a festa religiosa mais bonita da Bahia”, comenta ela.Também devota do Senhor Bom Jesus dos Navegantes, Waldeyr Nascimento conta que sua relação com a igreja aumentou quando perdeu um filho, há 12 anos. Para ela, também foi uma infelicidade não ter o barco no ano anterior, mas garante que, ainda assim, a festa foi linda. “Eu me entrego de coração a isso aqui, é uma benção na minha vida. Acho que não aconteceu do barco sair e parece que nosso Bom Jesus queria que fosse daquele jeito porque agora estamos aqui empenhados em recuperar”, conta ela. (Foto: Emily Lima/Arquidiocese de Salvador) Segurança O capitão dos Portos da Bahia, o comandante da Marinha Márcio Amaral, destacou que o embargo da embarcação foi importante para garantir a segurança dos participantes da procissão. Com quatro toneladas e capacidade para 25 pessoas, a embarcação centenária está sendo fiscalizada por oficiais para garantir que a tradição possa se perpetuar. “Não autorizamos a saída, na época, porque a galeota estava muito comprometida e tinha risco de afundar. Agora ela passa por uma obra grande, porque estão praticamente reconstruindo todo o fundo do barco e a Marinha está acompanhando, verificando se está dentro da estrutura necessária para conferir estabilidade”, explicou Amaral.A equipe de artesãos que está cuidando do restauro é formada por oito pessoas, sendo quatro restauradores do Museu de Arte Sacra e quatro carpinteiros. De acordo com Ana Cristina Cardoso, uma das restauradoras, a obra foi iniciada pela parte estrutural, seguida da pintura, ambas ainda em processo. A parte ornamental - composta pelos frisos, anjos e figuras das Relíquias da Paixão no camarote - está sendo recuperada. 

“O friso estava com descolamento da pintura, danificada em função das intempéries da maresia. Nós já fizemos a limpeza e a consolidação da madeira perdida nessa parte, que tinha também rachaduras”, descreve. 

Financiamento A campanha de restauração, intitulada ‘A Gratidão É Nossa’, é focada em doações financeiras de qualquer valor, a partir de um centavo. Os valores doados serão destinadas à Fundação Dom Avelar, entidade de serviço social da arquidiocese. É possível contribuir de diversas formas: através de depósito em contas bancárias, pelo site da campanha (www.gratidaodopovo.com.br), pelo aplicativo Vakinha e também doações em dinheiro ou cartão de crédito nas paróquias.

Os bancos disponíveis são a Caixa Econômica Federal (Agência: 1032; Op: 003; Conta: 2476-9), o Bradesco (Agência: 3072; Conta 8583-9) e o Banco do Brasil (Agência: 2967-X; Conta: 10-8). As doações maiores do que R$ 500 terão direito a um Selo de Responsabilidade Social de Preservação do Patrimônio Cultural da Bahia, que poderá ser usado por um ano. Todos os contribuintes ganharão um certificado denominado ‘Preito de Gratidão’. Imagem da campanha de restauração | Foto: Divulgação Cidade Baixa se torna complexo de turismo religioso

Complementar ao restauro da galeota, também está em desenvolvimento um projeto de requalificação do abrigo que guarda a embarcação. Está prevista a implantação de um estaleiro moderno com um dique molhado para garantir a conservação da Galeota Gratidão do Povo. Com a reestruturação, o espaço terá vista para o Largo da Boa Viagem através de uma vitrine de vidro, dando maior caráter turístico ao espaço.

De acordo com a proponente, a Fundação Mário Leal Ferreira, o local deverá ter fácil acesso ao público, área para exposição dos equipamentos complementares ao barco (como remos e alfaias), memorial da tradição religiosa, área de convivência, área de receptivos de casamentos, espaço para administração e áreas de serviços. O projeto será concluído em meados de fevereiro. A fundação também é autora e executora do projeto de recuperação da Praça da Boa Viagem e do Caminho da Fé.“Esse lugar se tornará um complexo de turismo religioso, desde o Caminho da Fé a recuperação do Bonfim, o Santuário de Irmã Dulce, é um conjunto de ações e a galeota ficará melhor exposta para visitações, que é uma tradição extremamente importante para nossa cidade”, comentou Tânia Scofield, presidente da fundação.No mesmo embalo, o Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) anunciou que a região de Boa Viagem ganha ainda a restauração completa da Igreja Matriz da Paróquia Nossa Senhora da Boa Viagem, tombada em 1941. De acordo com o Iphan, a contratação da elaboração dos projetos executivos foi realizada com recursos próprios do órgão e ainda não há data definida para o início da intervenção.

O secretário de Turismo de Salvador, Cláudio Tinoco, comentou o potencial turístico da Cidade Baixa, região que vem ganhando ainda mais atenção depois da canonização da Santa Dulce dos Pobres. Segundo ele, o receptivo da cidade sempre manteve a área nos roteiros de visita, incluindo paradas obrigatórias, sobretudo, na Igreja do Bonfim e na contemplação do mar na Sorveteria da Ribeira. 

Vocação náutica Tinoco destacou os recentes investimentos nas requalificações da Orla da Ribeira e da Ponta de Humaitá, que agora tem um ponto de atracação de embarcações, configurando-se agora como um ponto de saída de passeios pela Baía de Todos Os Santos. Ainda conforme ele, esta região de Salvador tem vocação para o turismo náutico e é uma área em potencial apra a implantação de novas marinhas.

O secretário destacou também que a península de Itapagipe tem um calendário de eventos interessante, com a Lavagem do Senhor do Bonfim, na qual a volta costuma ser feita em barcos e também a Festa do Senhor Bom Jesus dos Navegantes, em que os fiéis também apreciam acompanhar a procissão marítima a bordo de embarcações que acompanham a Galeota Gratidão do Povo.